A moda nos convence a comprar peças e mais peças muitas vezes sem necessidade…
Você está satisfeita com o seu corpo? Se a resposta é não, lembre-se: você não está sozinha. E o padrão de beleza da indústria da moda pode ter uma relação direta com essa sensação de infelicidade. Como já falamos no texto ”Moda Circular: como chegamos até aqui”, a moda tende a reflectir os comportamentos de uma sociedade. Mas hoje, ela vai além disso. A moda é, acima de tudo, uma indústria preocupada com a produção e venda de grandes quantidades de produtos têxteis.
E, para isso, antes de vender roupas, a moda precisa vender desejos. Desfiles, campanhas e, mais recentemente, as mídias sociais, são utilizadas para isso. Para vender sonhos. Mesmo que sem as luzes, sem a maquiagem e sem o photoshop as próprias modelos e influencers dificilmente consigam alcançar o tal padrão de beleza ditado pela moda, ele é vendido e desejado em todos os continentes. É posto como regra e como sinónimo de sucesso.
É desta forma que a moda nos convence a comprar peças e mais peças muitas vezes sem necessidade: para nos tornarmos algo que não somos e dificilmente poderemos ser. Mesmo quando isso significa nos encaixarmos em padrões que nem sempre nos deixam felizes.
Seja com espartilhos para afinar a cintura, com os antigos vestidos de anquinhas para dar mais volume ao quadril ou com as calças jeans para levantar o bumbum, as peças procuram atender expectativas muitas vezes irreais.
“Ela só veste bem porque é magra!” – Você já deve ter escutado a frase acima. Então quer dizer que para ser uma pessoa bem vestida, é preciso ser magra? Encontrar peças sofisticadas, num tamanho maior, é uma tarefa que pode ser bastante difícil. Além da quantidade limitada, os cortes padronizados para tamanhos menores ignoram os inúmeros e diferentes tipos e formatos de corpos. Muito menos, levam em consideração a cultura, os diferentes tons de pele, o sentir-se bem com o próprio corpo.
É como se as pessoas fora de um “padrão” (que padrão mesmo, hein?), não tivessem o direito de ter o próprio estilo, de serem representadas ou de se sentirem bem com a própria imagem. Para a indústria convencional, são as pessoas que devem se adaptar às roupas, e não o contrário.
Plus Size e o Tamanho 40 – O padrão de beleza corporal imposto pela indústria da moda é tão difundido que causa espanto quando uma grife ousa desafiá-lo. E esse foi o caso do mais recente desfile da Versace, na Semana de Moda de Milão (2020).
Apesar da importância que tem, e mesmo que vez ou outra as semanas de moda apresentam algum desfile que tenta ser mais inclusivo, elas nunca foram reconhecidas pela diversidade nas passarelas.
Tanto que bastou a Versace levar 3 modelos “plus size” (há controvérsias como você lerá abaixo) para que o fato fosse visto como “inédito” na grife, já que a marca sempre fez sua fama com as bombshells em vestidos colantes.
Entre as modelos do desfile, estavam a holandesa Jilla Kortlove e as americanas Alva Claire e Precious Lee. As três com corpos muito mais próximos da realidade da maioria das mulheres do que as modelos tradicionais.
A iniciativa da Versace foi considerada histórica por algumas publicações especializadas. Contudo, chama atenção a repercussão que a modelo Jilla Kortlove teve na imprensa. Jilla, que veste manequim 40, foi considerada modelo Plus Size em vários artigos. Vale ressaltar que a mesma modelo também desfilou para a Chanel na última terça-feira, data que encerrou a Paris Fashion Week. Mas, dessa vez, sem o tipo de comentários feitos em ocasião do desfile da Versace, em Milão.
Em tempo: o termo Plus Size (tamanho grande), é utilizado para designar roupas feitas para pessoas que excedem a uma determinada média. E isso varia de país para país. No Brasil e na França, por exemplo, o tamanho médio para as mulheres é 42.
Um desfile a passos lentos – Um levantamento realizado pelo The Fashionspot, site que publica relatórios sobre diversidade do sector da moda desde 2014, é revelador. Nele, é possível ver como essa indústria ainda trata de forma tímida e lenta assuntos tão relevantes como representatividade e inclusão.
Para a temporada primavera-verão de 2020, os pesquisadores contaram um número de 86 modelos Plus Size (tamanho grande) nas passarelas dos grandes desfiles de moda. Em 2019, na temporada de outono-inverno, eram apenas 50.
E isso dentro de um número total aproximadamente de 2.200 modelos que desfilam a cada temporada. Quando se fala de padrão de beleza, não podemos limitar apenas ao tamanho e peso da pessoa. Outras minorias também devem ser representadas como as modelos trans e as modelos negras. Embora as negras tenham mais visibilidade e existem grandes nomes consagrados, elas ainda sofrem preconceito na sua luta por espaço.
E o que dizer das modelos trans? Onde está a representatividade? Discutir a questão da representatividade é tão necessário quanto dar voz a essas pessoas. Lançado há cerca de 2 meses no Brasil, o reality show Born to Fashion provoca o diálogo entre moda e identidade, chamando atenção para a luta dessas mulheres em busca de um lugar ao sol no mercado da moda. O programa, exibido às quintas-feiras no canal E!, deve ter sua relevância reconhecida quando abre espaço para modelos transgénero no mercado da moda.
Fotos e Filtros – As mídias sociais tornaram-se grandes vitrines para padrões de beleza e estilo de vida inalcançáveis para a maioria das pessoas. As empresas e grifes descobriram isso e exploram essa forma de marketing todos os dias, com muitos filtros e edições.
Não à toa, o número de casos de depressão na adolescência cresce cada vez mais. Estima-se que 1 a cada 5 jovens de 12 a 18 anos sofra com essa doença no Brasil. Os motivos para isso são muitos, mas costumam envolver bullying e pressões sociais relacionadas a factores físicos e estéticos.
Além disso, casos de anorexia e bulimia são tão conhecidos entre jovens que almejam a carreira de modelo. Os problemas de meninas adolescentes, pressionadas a reduzir medidas e a realizar sacrifícios enormes de saúde, já renderam muitas matérias e estudos sobre o lado obscuro da indústria da moda.
Apesar de sermos um país miscigenado, ainda cultuamos padrões de cor de pele, olhos, cabelos e formas vindos do hemisfério norte. Recentemente, esse desejo em alcançar o padrão de beleza também levou ao surgimento de diversos aplicativos de modificação facial. Especialmente nas redes sociais populares entre os mais jovens, como o TikTok.
Com os filtros, é possível afinar ou aumentar o nariz, remover manchas e clarear os dentes virtualmente, antes de tirar uma foto. Por mais jovens e bonitos que sejamos, eles mostram quão distantes estamos dessa beleza simétrica e perfeita, que só existe no plano das ideias (virtuais!).
(In “EMIGÊ – Moda Circular” )
A corrida pelas cirurgias plásticas
No mundo real, as consequências também podem ser sentidas. O Brasil ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o País que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. De acordo com os dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em 2018, foram registradas mais de 1 milhão 498 mil cirurgias plásticas estéticas em nosso país, além de mais de 969 mil procedimentos estéticos não-cirúrgicos. Isso sem falar das cirurgias e procedimentos não-estéticos realizados de forma clandestina, com graves riscos à saúde dos pacientes e que já deixaram muitas pessoas com sequelas.
Entre as intervenções mais procuradas, estão: aumento mamário com prótese de silicone; Lipoaspiração;Abdominoplastia; Plástica das pálpebras (blefaroplastia); Suspensão das mamas (mastopexia); Redução mamária; Plástica do nariz (rinoplastia); Cirurgia do rejuvenescimento da face (lifting facial); Empoderamento: meu corpo, meu estilo;
Mas nem tudo é exploração e problemas na indústria da moda. Quando utilizada com consciência, de forma responsável, a moda é uma ferramenta incrível de empoderamento. Com a moda, através das roupas e acessórios que vestimos, podemos mostrar ao mundo quem somos e o que pensamos. Podemos manifestar e exibir nossa criatividade e nossas raízes.
Por isso, é preciso ter consciência de como as campanhas são realizadas e de como as empresas funcionam. É preciso entender que as redes sociais não reflectem a vida no dia a dia. Em especial, temos que proteger os mais jovens de influências negativas e frustrações provocadas por objectivos inalcançáveis.
Devemos exigir, para a nossa própria saúde física e mental, que as passarelas reflictam mais e melhor a diversidade de corpos, estilos e desejos que encontramos nas ruas. E, antes disso, devemos olhar para o nosso próprio guarda-roupas. (…)
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