Na hierarquia das dores herdadas do anterior regime, estão , sem dúvidas, duas no top das desgraças. A primeira- a fome – já andamos com ela desde o tempo do chá com chá, dos micates lambuzados em óleo de palma aguado, dos ovos em pó doados pelo Programa Alimentar Mundial, do feijão com arroz com carapau magro da sobra da exploração dos amigos do Pacto de Varsóvia, enfim, continuamos fobados até hoje, por culpa comprovada de uma governação péssima, ainda que se estivesse em estado permanente de guerra.
No anos 80, o quadro melhorou um bocadinho; tanto melhorou que se começou a escolher a dedo os produtos essenciais a importar para elevar o nível da qualidade dos produtos alimentares da cesta básica (sic!). Então vieram os engarrafados à bruta e com passagem alfandegária livre de impostos. O Brasil estava na moda, e tal como com as novelas, embebedou-se o povo com um vinho mil estrelas: o “mosteiro”, que a turba o baptizou com o indigesto nome de “kissuco”(não baralhar com o sumo igualmente “químico” com o mesmo nome): o veneno etílico matou umas centenas de provadores, a maior parte dos quais já com idade avançada; kotas que tinham saudade do “palheto” saído daqueles barris monstruosos e vendidos a copo nas lojas dos musseques. “Cuiava, não era aquele que matou os meus sogros no dia do meu pedido”; “mas o “mosteiro” era de favor; levava-se o cartão de abastecimento às lojas do povo e lá vinha o “kissuco” – conta agora um sobrevivente, amargamente e com um pacote de whisky “the best”.
Tempos do caraças, aqueles os de 80, em que os privilegiados faziam a farra quando recebiam os cabazes da Angoship, do “Jumbo” e das Lojas dos “cooperas”, das poucas grandes superfícies comerciais sobreviventes do tempo tuga, onde até maçã, uva, bacalhau e pêssego havia. O povo? Que se lixasse com as mandiocas, folhas e peixe seco…
A partir dos anos 90, acentuaram-se as dores das nossas desgraças com a corrupção escondida até então por debaixo dos tapetes da hierarquia do mando sem concorrência aparente. Foi na altura que veio a tal investida a sério do capitalismo entre portas fechadas a cadeado bolchevique. Bem intencionado, o tempo curto que durou o programa de Saneamento Económico Financeiro à mangolé até verteu alguma luz no fundo em que estava mergulhado o país. Mas, foi nesta nesga de luz que os donos daquilo tudo se tornaram autênticos maus capitalistas, deixando para trás os velhos cardápios socialistas que sustentavam a Pátria dos “Não-alinhados” e ora bem: viva a economia de mercado e toca gamar…
Estavam então reunidas as condições para agrupar solenemente e a partir do palácio os primeiros banqueiros e fazendeiros, donos de minas e poços de petróleo; angolanos cambas do chefe e conexos, cheios da banga e autoridade para fazer germinar dezenas de milionários estrangeiros, sócios bem protegidos, imunes à lei e dispostos a tudo fazer para que o país fosse o que quisessem que fosse: completamente aprisionado às suas vontades e caprichos, com um líder que deixou de o ser, talvez por chantagens dos que o rodeavam e sabiam que, também ele, deixou-se levar por caminhos ínvios da vida. Bom, ainda não está na hora de descobrir o que raio eram estes tais “caminhos ínvios”? Para mim, a resposta é fácil e sem hipótese de uma argumentação sólida e inquestionável. Cá vai: a história encarregar-se-á de o fazer.
Postos nos anos 2000…Cimentaram-se as bases do enriquecimento fácil, do nepotismo descarado e deu-se luz verde à roubalheira igualmente descarada, sem vergonha alguma. Ser gatuno de elite era porreiro e alguns até reclamavam por que razão os seus nomes não figuravam nas listas dos milionários. Lembram-se? Os cambas mais próximos do mando acorrentado podiam, deviam ser comparáveis aos que regularmente saíam na “Forbes”, mas para não serem tão atrevidos, deviam apenas comprar os maiores activos de parte da Península Ibérica. Sim, nos discursos oficiais , nas entrelinhas afirmava-se orgulhosamente de que tínhamos de possuir uma classe chique, cheia de biliões, capaz de se sentar à mesma mesa de Bill Gates e outros bilionários, sem tremer, cara a cara, ainda que soubessem a origem de tais estatutos sustentados por passaportes vermelhos.
Pois é! O país daquele regime tinha donos e regras estabelecidas entre uma meia dúzia de espertalhões determinados a “governar” como bem entendessem. É o que se percebeu com a criação de gabinetes especiais disto , daquilo e daqueloutro. Os gestores dos cofres públicos, dos bancos e da moeda, das empresas e das minas do Estado com mais peso eram sempre os mesmos ou os mesmos de sempre.
Chegados a 2017…Mudou tudo.Bom, a estória segue no próximo capítulo.
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