Política

“Economia de guerra” toma conta da União Europeia

por Vítor Norinha
Jornalista

A escalada da guerra na Ucrânia e as declarações de Donald Trump, candidato do partido Republicano às próximas eleições nos EUA, sobre o futuro da NATO e a defesa da Europa, colocaram a União Europeia em alerta máximo. Investimentos adicionais na defesa vão ser da ordem dos 100 mil milhões de euros ao longo dos próximos 12 meses, quase o equivalente a dois terços do PIB português. Analistas dizem que é um valor claramente insuficiente.

A Comissão Europeia quer um compromisso dos 27 países que compõem a UE (União Europeia) para uma aquisição conjunta de pelo menos 40% do equipamento militar para reforçar a defesa da região num projeto que se irá desenvolver ao longo dos próximos seis anos. O mercado de defesa europeu será suportado em 35% pelo fabrico dentro da própria Europa.

A UE em estado de “prontidão militar” no que respeita ao incremento do fabrico de armamemto e a criação de forças armadas com capacidade de defesa e comando unificado são reações de antecipação àquilo que poderá acontecer no futuro, caso Trump vença as eleições nos EUA e execute aquilo que prometeu e que é a redução das ajudas americanas à Europa via NATO. Até agora a Europa tem beneficiado do esforço financeiro americano na proteção da “velha” Europa com os EUA a garantirem mais de 80% da despesa com militares, formação e armas, mas a situação poderá rapidamente inverter-se. A Europa que tem apostado essencialmente no bem-estar das suas populações que são as mais envelhecidas do mundo, vai ter de alocar mais fundos para a defesa e investir em formação, em I&D e em unidades industriais com capacidade para repelir eventuais ataques vindos de outras regiões, com destaque para a Rússia.

A generalidade dos países europeus não destina sequer aquilo a que se comprometou no seio da NATO e que é um gasto equivalmente a 1,5% do respectivo PIB (Produto Interno Bruto) em defesa, mas essa é uma situação que vai rapidamente mudar. O Alto Representante da UE para a Política de Segurança, Josep Borrell, disse que os “27” têm capacidade de produção de armas mas terão de fazer um esforço a nível de financiamento para o pagamento desta indústria. Como referimos anteriormente este era um esforço maioritariamente feito pelos EUA. A compra conjunta, eventualmente com a mutualização de financiamentos, terá de corresponder a pelos menos 40% das necessidades ao longo dos próximos seis anos, segundo o executivo comunitário liderado por Ursula von der Leyen.

Numa conferência de imprensa realizada na primeira semana de março, a vice-presidente executiva da Comissão, Margrethe Vestager, recordou que “não muito longe daqui os ucranianos estão a lutar pela liberdade e pelos valores europeus”. Recordou que a indústria de defesa europeia foi incapaz de produzir com a celeridade desajada os equipamentos militares ao longo dos últimos dois anos, correspondentes ao período do conflito Rússia/Ucrânia.

Para criar esta “economia de guerra” a Comissão Europeia apresentou uma estratégia industrial europeia de defesa, com um programa para investimento no setor que deverá requerer 100 mil milhões de euros, segundo contas do comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton.

Estratégia

A estratégia prevê a criação de um mecanismo de vendas militares europeias para responder às necessidades, de preferência no espaço comunitário, que serão respondidas com a aposta no fabrico e de fornecimento de matérias-primas e outros componentes para meios de defesa, à semelhança do que foi feito para acelerar o desenvolvimento das vacinas anticovid-19. Também tendo por base a experiência da covid-19 e a da crise energética, Bruxelas quer compras conjuntas de vacinas e gás através de acordos de compras avançada. Em termos de médio prazo o investimento será da ordem dos 1500 milhões de euros, a mobilizar entre 2025 e 2027.

Aliás, Von der Leyen tem a defesa como a arma de arremesso para ganhar mais cinco anos à frente da Comissão Europeia. O dinheiro vem do orçamento comunitário, da revisão fechada no mês passado. No entanto, o executivo comunitário deixa já claro que o dinheiro não servirá para a Comissão comprar armas para a União Europeia. A lógica é outra e passa por aumentar a prontidão da indústria de defesa europeia, incentivando e facilitando, por exemplo, contratos de compra conjunta de equipamento militar.

A Estratégia Industrial de Defesa Europeia começa por elencar os desafios atualmente enfrentados pela base tecnológica e industrial de defesa europeia (BTIDE), mas também a oportunidade de explorar todo o seu potencial e define uma orientação para a próxima década. Refere um documento da União Europeia que “a fim de aumentar a prontidão da defesa europeia a nível industrial, os Estados-Membros têm de investir mais, melhor, em conjunto e a nível europeu”.

As ações passam por:

– “Apoiar uma expressão mais eficaz da necessidades colectivas de defesa dos Estados-Membros, com base nos instrumentos e iniciativas existentes, como o Plano de Desenvolvimento de Capacidades, a Análise Anual Coordenada da Defesa e a Cooperação Estruturada Permanente. Será incentivada a cooperação entre Estados-Membros na fase de contratação pública de capacidades de defesa”.

– “Garantir a disponibilidade de todos os produtos de defesa através de uma BTIDE mais reativa, em quaisquer circunstâncias e em qualquer horizonte temporal. Serão apoiados os investimentos dos Estados-Membros e da indústria europeia da defesa no desenvolvimento e na comercialização das tecnologias e capacidades de defesa mais avançadas do futuro. São igualmente propostas medidas para garantir que a BTIDE tem à disposição tudo o que necessita mesmo em períodos de crise, aumentando assim a segurança do aprovisionamento da UE”.

  • “Assegurar que os orçamentos nacionais e da UE apoiam, com os meios necessários, a adaptação da indústria europeia de defesa ao novo contexto de segurança”.
  • “Integrar uma cultura de prontidão em termos de defesa em todas as políticas, nomeadamente apelando a uma revisão da política de concessão de empréstimos do Banco Europeu de Investimento este ano”.
  • “Desenvolver laços mais estreitos com a Ucrânia através da sua participação em iniciativas da União de apoio à indústria da defesa e estimular a cooperação entre as indústrias de defesa da UE e da Ucrânia”.
  • “Colaborar com a NATO e com os parceiros estratégicos internacionais que partilham as nossas ideias e cooperar mais estreitamente com a Ucrânia”.

Entre os indicadores para a prontidão industrial destacam-se:

  • Adquirir, pelo menos, 40 % do equipamento de defesa de forma colaborativa até 2030.
  • Assegurar que, até 2030, o valor do comércio de defesa intra-UE representa, pelo menos, 35 % do valor do mercado da defesa da UE;
  • Realizar progressos constantes na contratação pública na UE de, pelo menos, 50 % do seu orçamento no setor da defesa até 2030 e 60 % até 2035.

China

Entretanto, a China anunciou que voltará a aumentar orçamento de Defesa, em nome da “paz” e da “estabilidade”. As despesas militares chinesas vão crescer 7,2% em 2024, o que contribuirá para o crescimento do PIB até 5% durante o corrente ano fiscal. Os objetivos foram anunciados esta semana pelo primeiro-ministro chinês, no arranque da reunião anual do Congresso Nacional, em Pequim.

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