Desde os meados deste ano, o surto de conflito entre a RDC e o Ruanda envolve a diplomacia angolana. Luanda apresta-se, a este título, a somar três cimeiras de mediação entre os dois Estados. Isto a contar, com a anunciada para amanhã, segunda-feira, 21 de Novembro. E a mesma afigura-se o fruto tangível do vaivém efectuado pelo presidente angolano, João Lourenço (1) no eixo Kigali-Kinshasa, no dia 11 de Novembro (2). O ardor dos confrontos no terreno, localizado ao pé da estratégica urbe congolesa de Goma, tinha ofuscado os frutos deste exercício.
Por: Siona Casimiro *
Vai ou racha desta vez? Senão, mais uma lúdica encenação folclórica dos estadistas do continente? Nada de uma antecipada resposta categórica, no reacender de um conflito radicado em causas seculares (3) e constante reciclagem. No actual, resume-se nas rebeliões internas, as afamadas “forças negativas”, estando em porfia a neutralização efectiva das seguintes:
O Movimento de 23 de Março (M23), autoproclamado Exército Revolucionário do Congo (M23). Ameaça, desde Outubro passado, reconquistar Goma, capital provincial de Kivu Norte. Ocupara-a em 2012 e foi forçada à retirada em 2013, sob pressão conjugada de Kinshasa e da imponente Missão da ONU no Congo (MONUSCO). Uma injunção consensual da cimeira dos chefes de Estado dos Grandes Lagos reforçara essa determinação. Mas, o rearmamento tangível do M23 foi admitido até pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, abonando as acusações abertas da RDC contra o Ruanda. No passado 1 de Novembro, o boletim informativo da ONU comentou que “a vitória para o grupo consolida meses de ganhos desde seu ressurgimento no ano passado, depois que comandantes, muitos dos quais se juntaram ao exército nacional, acusaram o governo de não honrar um acordo de desmobilização”.
As Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR), obviamente na bitola adversa.
Aliança das Forças Democráticas (ADF), activa nas áreas a cavalo entre a RDC e o Uganda. Protagoniza, via de regra, ofensivas de rara violência e intolerância (4).
Densificam o desafio global, as vertentes de ordem:
Económica (as negociatas afins aos ricos minérios estratégicos da região).
Humanitária (mais de um milhão de refugiados e deslocados).
Étnica (a recorrente rivalidade entre Hutus e Tutsi. O supracitado texto da ONU não se importou caracterizar o M23 como “milícia formada em 2012 para defender os interesses dos tutsis congoleses contra os grupos armados hutus).
Política (o crescente agastamento popular contra a vã presença demorada da MONUSCO, em Kinshasa e não só. Sintomática foi a fresca mensagem da serena e distanciada Conferência dos Bispos Católicos, a CENCO (5).
Geoestratégica (incluindo as veleidades de vizinhos estáveis abocanhar cada qual o pedaço do dinossauro que vier a sucumbir). Etc.
O Conselho de Segurança da ONU debruçou-se sobre a situação nos meados do ano em curso. Na sua 9084 ª sessão de 30 de Junho, adoptou a Resolução 2641 (2022), que prolongou, sobretudo, o mandato da MONUSCO.
O seu teor manteve o equilíbrio entre as expectativas exclusivas de Kinshasa e Kigali. Ademais, observou que “a situação da RDC permanece uma ameaça da paz e da segurança internacional na região”.
Prática coerente dos actores – No âmbito da mediação confiada de jure a Angola, João Lourenço tomou a iniciativa da Cimeira agendada para amanhã. Além dos homólogos da RDC, Felix Tshisekedi, e do Rwanda, Paul Kagame, convidou o presidente do Burundi, Evariste Ndayishimiye. Incluiu o último presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, o facilitador da implementação do roteiro de Nairobi. Recentemente, o mesmo teve visibilidade na movimentação entre Kinshasa e Goma. Na última cidade, desembarcou, ostensivelmente, de resto, um contingente das tropas especiais do Quénia.
O objectivo declarado do medianeiro é ver aprovado “um plano de acção da paz na RDC e o restabelecimento das boas relações entre Kinshasa e Kigali”. O que vaticinar a respeito, na véspera desta cúpula, que se presume tecnicamente aprontada pelos peritos militares e dos serviços de segurança? A ver vamos, na letra que será produzida e divulgada. E bem mais, na posterior prática coerente dos actores e interesses imbricados na complexa teia, em que nem a ONU se mostrou suficiente, ainda. Conta, no entanto, a ONU, com um aparato de 21 mil efectivos, desdobrados mais de duas décadas no terreno.
(1) – Simultaneamente, é o líder da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CGIRL)
(2) – Uma data emblemática do seu país, pois de celebração da independência nacional, ocorrida a 11 de Novembro de 1975.
(3)- Certas perspectivas coloquiais não hesitam em situar a origem na arbitrária divisão da África pela Conferência de Berlim, de 1884/5.
(4)- Faceta salientada numa recente exortação pastoral dos bispos da região dos Grandes Lagos. Acarreta com os seus métodos o perfil do ramo local da constelação djahista do Estado Islâmico.
(5)- Eis um dos rasgos picantes de um documento assumido no dia 11 de Novembro, igualmente: “O país está em perigo (…) Sim com o diálogo; não à balcanização do país (…) É mister reconhecer a complacência da Comunidade Internacional com o M23 e o seu apadrinhamento pelo Ruanda”.
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