Na espuma dos dias

CINE-FLAMINGO: A FÉNIX ANGOLANA DO SÉCULO XXI

Por: Édio Martins
(edio.martins@netcabo.pt)

Renascer das cinzas é a imagem que me ocorre, com uma notícia do início do ano e que, inicialmente, me deixou cético: “Cine-Flamingo vai ser reabilitado na sua totalidade”. Sim, decorrem obras de reabilitação, vai renascer. Confirma-se!

Quase todas as culturas antigas tinham, de uma forma ou de outra, o simbolismo da Fénix, a ave que renasce das suas próprias cinzas, regenerando-se sempre depois da sua própria morte.

A metáfora mais conhecida vem da Mitologia Grega, que fala da Fénix como uma ave lendária, mas também para os egípcios e para os chineses existia este simbolismo, muito forte, com uma mensagem determinante: a esperança nunca acaba, podemos sempre refazer-nos, mesmo dos destroços das nossas “cinzas”, figurativamente falando, claro está.

São múltiplas e bem recheadas as memórias, que sinto como míticas, dos filmes e de todo o tipo de espectáculos que vivenciei no Cine-Flamingo, nos finais dos anos sessenta e princípios de setenta, do século passado. São, indubitavelmente, marcas indisfarçáveis do homem que me tornei, depois de uma adolescência onde o cinema e os livros nos ligavam ao mundo.

Lembro-me dos concursos de carnaval para crianças organizado pelos Bombeiros Voluntários do Lobito, dos Festivais de Vestidos de Chitas, dos Festivais Ye-YE, das entregas de prémios de modalidades desportivas, dos bons filmes que passavam…Trinitá, Bruce Lee…, da actuação de muitas Bandas e Cantores… destacando, no memorável dia 24 de Setembro de 1972, ter assistido ao esmagador show do Percy Sledge e, nostálgico, fico gostosamente preso a “When a Man Loves a Woman”, que me acompanhou para a vida!

Recordo que, para acompanhar amigos com menos posses, naquela noite entramos clandestinamente para assistir ao espectáculo… coisas de miudagem.

O Cine-Flamingo situa-se na extremidade sudoeste da cidade do Lobito, entre o oceano Atlântico e os mangais. Expressivo e monumental, este cinema ao ar livre para 1200 espectadores foi desenhado, em 1963, pelo Arq.º Francisco Castro Rodrigues.

A obra é marcada, essencialmente, pela enorme estrutura em betão de suporte da cobertura de sombreamento e pela gigantesca parede-ecrã. A estrutura em betão armado descofrado da pala de cobertura tem uma configuração em V, atingindo um vão suspenso de 16 metros. Articula-se com uma pala de menor dimensão, que marca a entrada e se eleva sobre o edifício-muro que encerra o recinto exterior. O seu autor defendia a síntese das artes e a ideia de obra global, bem visível em todo o edifício.

Este projecto corresponde, mesmo para leigos, a uma resposta inteligente às condicionantes climáticas e geográficas do local, que designaria por inteligência tropical.

Qual Fénix da mitologia grega, temos o Flamingo ave emblemática do Lobito, feito Cine Esplanada, que com a intervenção que estamos a assistir para a sua reabilitação, após cerca de 50 anos, renasce das suas próprias cinzas, regenerando-se após uma morte anunciada.

É o renovar da esperança, é o querer sempre refazer-nos, mesmo dos destroços das nossas “cinzas! É um princípio, que não seja um fim, pois no Lobito, e em todo o País, são ainda muitas as “cinzas” que temos de fazer renascer. Estamos juntos!

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