Na espuma dos dias

AS “PARADAS” DO LOBITO: O DIREITO À INDIGÊNCIA OU HIPOCRISIA NA CIDADE DOS RICOS?

Escrito por figurasnegocios
Por: Édio Martins

As “Paradas”, locais que foram ocupados por cidadãos sem família conhecida, deslocados de guerra e ex-militares… assim se designam no Lobito os bairros de lata (casebres de chapas de zinco e cartão, edificados em áreas de risco de derrocada, em lixeiras, mangais, etc…”, os sem-abrigo/cidadãos em situação de indigência.

Curiosamente o termo “paradas” vem do latim paro-are com significado de “cessar no movimento ou na acção; não passar além de; estacar; chegar a um termo ou fim; residir; permanecer; conservar se; frequentar; descansar; reduzir-se ou converter-se; impedir a continuação do movimento, curso ou progresso de; parar; sustentar; fixar; conservar; prevenir; pontar (ao jogo); usa-se seguido da preposição de e infinitivo, para indicar fim de acção; processo ou estado; que parou; que não se move; quieto; desocupado…”

Os graves problemas urbanísticos que as cidades angolanas enfrentam são um fardo para todos os cidadãos, independentemente da classe social. A cidade do Lobito (Benguela) não é excepção e, o que mais custa, é a atitude político-administrativa, motivada pelo lucro fácil e pela corrupção, que tem vedado o acesso a terrenos livres, sobretudo em áreas nobres, a cidadãos com pouca capacidade económica.

As diferenças na qualidade urbanística, no acesso a serviços básicos (saneamento básico, água potável, energia eléctrica, educação e saúde) e na qualidade do espaço público são alguns dos principais caminhos da exclusão social.

O Lobito é uma cidade historicamente dividida e segregada economicamente: os ricos, os funcionários da administração pública, os políticos e empresários, os herdeiros de alguma coisa, distribuem-se entre a Zona Comercial, a Caponte, o Compão e a fabulosa Restinga – uma língua de areia que se abraça ao mar com muito amor.

Na Restinga, há um cheiro a salgadiço e um cheiro a futuro com sol e praia e uma vida solta. Na “cidade alta” do Lobito o mar também se vê, mas já não se sente muito. A poeira, os becos, as áreas sem asfalto e sem nada, a não ser pessoas, muitas pessoas…

A cidade foi recebendo, historicamente, pessoas que vieram do interior (do Huambo e do Bié, por exemplo) à procura de trabalho e de outra vida. Mas a guerra também provocou um forte êxodo rural.
E assim surgiram as “paradas”!

Vindo de trás, é um cenário que continua a marcar o dia a dia da cidade. Neste momento há bastantes “paradas” no Lobito, sinónimo de pobreza extrema e de exclusão (por exemplo a da Caponte/Mangal, a maior de todas: mais de 50 famílias ao relento).
A administração municipal chega a dizer publicamente que “não há moradores de rua” (como se as “paradas” se tornassem invisíveis) e “os que se mantêm nessas condições fazem-no, na realidade, por opção de vida. Porque têm família e porque saíram do bairro por opção própria…”. Muita hipocrisia de uma só vez! A hipocrisia na/da cidade dos ricos, num mundo sem direitos, nem sequer o direito à indigência? Estamos juntos.

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