“ESTAMOS COM PROBLEMAS SÉRIOS DE IDENTIDADE”

Empresário Adérito Areias sobre o 405º aniversário de Benguela

A cidade de Benguela completou, a 17 de Maio, 405 anos de existência. Neste momento, vive um dos seus momentos mais empolgantes, com diferentes obras que vão deste intervenções profundas em vias rodoviárias, como em infraestruturas históricas relevantes que há quase meio século entraram em profunda degradação.

Adérito Areias, 67 anos – empresário e proprietário do Grupo Adérito Areias fundado em 1923 pelo seu avô João dos Santos Saramago, com investimentos de grande monta nas pescas, na produção de sal, na criação de gado, mas, também noutras áreas afins que empregam cerca de cinco mil trabalhadores – é daquelas figuras incontornáveis desta urbe que tem características muito particulares.

É o nosso convidado na entrevista que segue nestas páginas abertas:

F&N – É parte integrante desta terra. Sente Benguela, dorme e acorda com ela no coração e a correr pelas suas veias. Como vê esta sua Benguela?

Adérito Areias (AA) – Há perguntas difíceis e esta é uma delas. Bom! Neste momento decorrem uma séria de transformações para as quais temos que olhar e pensar que vão beneficiar todos. A mim não me interessa saber quem está a fazer ou como é que vai fazer. O importante são os resultados. Vejo, por exemplo, todo o movimento que decorre no Estádio Nacional de Ombaka e nas áreas adjacentes que antes não eram aproveitadas. São iniciativas e acções muito boas que permitiram criar uma estrutura grande de promoção do negócio do gado, uma feira popular, zonas para a prática desportiva e de lazer, e outras… São acções que me agradam porque beneficiam Benguela e os benguelenses.

Ao nível da cidade, vemos também muitas obras de realce que nos deixam satisfeitos. O caso da restauração das naves do Museu, que era um dos problemas graves de Benguela. Durante quase meio século estiveram abandonadas numa degradação profunda, tal como o Cine Teatro Monumental que também entrou em fase de obras e a requalificação da Praia Morena. Não vou referir aqui se está bem ou se está mal tirarem as casuarinas, mas temos que reconhecer que está a ser feito um grande trabalho. E temos que olhar para tudo isso para o lado positivo e dizer: “Benguela está a beneficiar”…

F&N – Não falta aquele espírito de unidade e até de resistência contra qualquer tipo de influência negativa vinda de fora? Não parece que se perdeu essa mística?

AA – Nós hoje estamos com problemas sérios de identidade. Aquele espírito que simbolizava o benguelense, aos poucos está a desaparecer. Aquelas pessoas que tinham carisma sobre “Benguela mãe de cidades”, Benguela com as suas acácias vermelhas, Benguela que criava aquelas tertúlias de amigos, aos poucos está a acabar. E isso porque estamos a ser invadidos (não é no mau sentido) por muita gente nova, gente que não está enquadrada nesse espírito. Mas isso também faz parte do desenvolvimento. Penso que os benguelenses se acomodaram um bocado e caímos nessa situação. E não vale a pena estarmos a gritar, porque a culpa é nossa. Nós é que criamos tudo isso, deixamos que isso acontecesse, porque continuamos a falar muito e a fazer pouco. Agora, é fundamental que os benguelenses se unam, se abracem e pensem em realizar obra e coisas, porque é isso que sempre caracterizou os benguelenses.

F&N – Na gestão do governador Dumilde Rangel, coordenou um grupo de trabalho que aglutinou a sociedade no sentido de se recuperar essa mística. Acha que é possível novo reencontro de Benguela com Angola e com o mundo?

AA – Entendo que é urgente fazermos isso, se pretendemos manter a nossa identidade de benguelenses. Temos que nos juntar e dizer: “Vamos reanimar Benguela”. E vou citar uma coisa simples. Passamos hoje pela Baía Azul e sentimos um certo saudosismo, porque as pessoas novas não sentem a beleza daquela área tal como não sentem a mística da Praia Morena. É tudo isso que temos que reavivar. Temos bairros com características especiais. Não vou apenas para o casco urbano. A Massangarala por exemplo, perdeu o seu encanto; o Cotel também; o bairro Benfica idem… A identidade desses bairros desapareceu completamente. Vamos para a Fronteira e ninguém mais sabe o que é a Fronteira. Se eu falar desses nomes na urbe normal, vão perguntar-me onde é que fica isso. Há muita gente que não sabe.

Por isso eu penso que é necessário reanimar a cidade de Benguela. Temos que pensar que o Estado é o Estado, a sociedade civil é a sociedade civil e não temos que chocar. Temos é que estar todos juntos e levar isto a bom porto.

F&N – Como considera hoje o empresariado benguelense? Fraco? Falido?

AA – O empresariado benguelense tem que se emancipar, deixar de pensar que o Governo é pai e que temos que andar sempre na mendicidade. Temos é que criar riqueza. Temos que transformar e os empresários têm que ser poder. E nós é que temos que criar o nosso poder, produzindo. Essa tem sido a mensagem que passo as pessoas, porque quando estamos dependentes, a situação não flui. Temos que trabalhar no sentido de criar empresários fortes, ter pessoas com poder (não estou a referir-me ao poder político) para realizar coisas. Isso é fundamental. Temos que virar os benguelenses para isso. Já existem algumas experiências boas, e já vimos alguns empresários de sucesso em Benguela, gente nova, que eu apoio, porque acho que devemos acarinhá-la porque representam o futuro. E se escrutinarmos o passado, verificaremos que Benguela tinha poder económico, que os benguelenses tinham dinheiro…

F&N – E iniciativas…

AA – Porque tinham dinheiro, porque as pessoas juntavam-se e podiam realizar. A Associação Comercial de Benguela tinha muita força. E aquele edifício da Associação Comercial de Benguela, situado no centro da cidade, foi construído por benguelenses (risos e tosse) …

F&N – Está a rir-se de quê? Porque o edifício foi tomado e transformado em Comité Provincial do MPLA?

AA – De nada! Foi a tosse. E como esse edifício, foram executadas outras grandiosas obras. Por isso digo que temos que pensar que o benguelense deve voltar a ter esse poder económico. Mas tem que criá-lo. Não deve andar de mão estendida, à espera de que alguém venha fazer isso.

F&N – Benguela hoje deixou de ser uma praça com influência junto do poder central? Perdeu essa autoridade?

AA – Se Benguela deixou de ter poder económico, deixou de ter força! Mas só tens força se tiveres poder económico. Por isso é que eu pergunto onde é que está a força dos benguelenses, onde é que está o comércio dos benguelenses. Benguela sempre foi uma praça com muito comércio, com muita indústria. Onde é que está tudo isso? Nós temos que ter indústria. Conforme temos empresas de construção que vivem à sombra das obras públicas, temos que desenvolver a agroindústria, a indústria transformadora. Quando tivermos tudo isso na mão, vamos ter dinheiro para fazer as obras. Agora, se estamos todos com as calças nas mãos, ninguém tem dinheiro para apoiar seja o que for. Não passamos de pedintes a falar mal, mas no fundo… no fundo…

Temos uma indústria que é extremamente importante que pode comprar-nos tudo, a CARRINHO, que é de benguelenses. Não vale a pena estarmos aqui a falar e na hora da verdade, quando se pergunta o que é que tu produzes, não tens nada… E aí é que nasce o problema. Há pessoas que poderão não gostar do que estou a dizer, mas esta é a realidade. Nós não produzimos. Benguela – e falo na condição de província – hoje não produz. Por exemplo, se chegarmos ao Cubal, que tinha grande potencial, e perguntamos o que é que produz agora, qual será a resposta? Quase nada! Então, não vale a pena estarmos aqui a chorar, porque a culpa é nossa. Temos é que ver isso e fazer pressão, não para que nos ofereçam as coisas – não precisamos que nos ofereçam o peixe – mas sim para nos darem a cana e o anzol para pescar. Se não for assim, seremos ultrapassados pela dinâmica de outras províncias.

F&N – É considerado o Rei do Sal em Angola, e neste domínio, inaugurou recentemente um novo empreendimento de refinação. Sente que o ambiente de negócio e de suporte as iniciativas dos empresários está a melhorar?

AA – Temos todas as condições para melhorar e o Estado está a dar-nos apoio. E temos conseguido estabelecer uma relação com o poder, que considero muito boa. Posso dizer que o ano vai quase a meio e já reunimos cerca de seis vezes com o ministro de Estado da Coordenação Económica. Pusemos os problemas dos empresários, e grande parte deles foram resolvidos. Uma das coisas graves que eu costumo pôr às pessoas é a questão dos projectos. É necessário, antes de qualquer passo, ter a ambição de fazer um projecto, de dizer e mostrar o que se quer fazer. E nós vamos tentar apoiar as pessoas nessa realização. E vamos para a briga!

F&N – Há muitos empresários que dizem que andam nessa luta com instituições bancárias faz mais de dez anos e não conseguem…

AA – Os bancos são complicados e não existem para dar dinheiro. São necessárias garantias e projectos. Mas, a maior parte dos que reclamam não têm projectos e há ainda o caso de dividas antigas com a banca. Temos que olhar para tudo isso e ver como vamos resolver. Não é fácil, temos que reconhecer. Agora, um dos problemas que ponho aqui, bem claro, é que os projectos são poucos e as pessoas que vão entrando com projectos bem sustentados, têm realizado coisas. E depois, não é preciso fazer projectos ambiciosos, coisas grandes. Podemos começar com o pequenino, com a indústria transformadora de pequena dimensão, para depois ir crescendo.

F&N – Como é que vai a vossa produção de sal?

AA – Não temos enfrentado problemas. Estamos a produzir, a aumentar a produção e vamos crescendo cada vez mais.

F&N – O que acha que se deve fazer mais, para que o sal nacional não seja preterido em relação ao sal que é importado?

AA – Neste momento não temos problemas de concorrência com o sal. Os custos de produção é que são extremamente elevados, e esse factor está reflectido no preço, ainda alto, como é evidente. Mas a tendência é de baixar. Temos ainda problemas com a geração de energia, e para que se tenha noção, gastamos por dia nas nossas salinas do Chamume, cerca de cinco mil litros de gasóleo por dia, o que representa um alto custo. Contamos até Junho ter já a ligação à rede pública, e isso contribuirá para redução do preço.

Mas também não há  água. Tem sido transportada por camiões, e a partir da cidade de Benguela. E temos muita população à volta das salinas, onde residem os nossos trabalhadores, o que nos obriga à um esforço muito grande em termos de regalias sociais e implica outros custos.

Ainda assim, consideramos que o nosso sal tem um preço que é competitivo, tanto que estamos a vender melhor. Neste momento já estamos a vender às petrolíferas e cobrimos o mercado nacional. O problema é que Angola não tem tantos habitantes e consumidores assim. Somos poucos, cerca de trinta milhões de habitantes, e não há capacidade para consumo de toda a nossa produção. A saída é virarmo-nos para a exportação. Temos que meter o nosso sal no Congos, na Zâmbia e nessa África Central toda que não produz sal. Nós só temos dois concorrentes grandes: um é a Namíbia e outro o Egipto. Esses são os nossos dois maiores concorrentes e é contra esses que temos que lutar. A nível do país, estamos tranquilos.

F&N – O Caminho de Ferro de Benguela ainda não serve os vossos interesses de penetração nesse corredor?

AA – O CFB é de facto uma grande arma, e agora com essa abertura do entreposto no Luau podemos meter lá muito sal. Mas, o problema que se põe é o da comercialização. E nós estamos com alguma dificuldade de encontrar agentes comerciais no Congo, por exemplo. O sistema de venda no Congo dificulta-nos e não podemos interferir. É muito informal. Aqui há alguns anos, mandamos um barco para Matadi com duas mil e quinhentas toneladas de sal, mas, porque não conseguimos vender, tivemos que oferecer. Estávamos a vender cada saco, e ficava mais caro ter o barco parado do que o sal transportado. Agora estamos a tentar encontrar alguém que queira comprar sal, para fazermos essa exportação.

Mas precisamos urgentemente de exportar sal, porque o mercado dentro de Angola está completamente saturado. Temos muito sal, em todo o lado há sal e não há ninguém aqui em Angola que possa dizer que não tem acesso ao sal.

F&N – Em quanto é que se estima a produção nacional?

AA – Neste ano a produção nacional vai chegar muito próximo das trezentas mil toneladas. Mas vai subir e vamos chegar muito rapidamente as quinhentas mil toneladas. Mas vamos ter que exportar muito sal e estamos a chegar rapidamente.

F&N – O sector das pescas vive um momento difícil, porque não há peixe. Como é que se compreende isso, numa costa tão vasta e com fama de ter tanta riqueza?

AA – O problema das pescas é muito delicado e penso que será resolvido muito brevemente. Temos é que saber, cientificamente, o que é que podemos pescar. Enquanto pescarmos só por pescar e não houver uma parte científica que determine qual é a nossa biomassa (quantidade de peixe que temos no mar) e o que é que podemos capturar, vamos ter sérias dificuldades. Há uns anos foi comprado um navio, supostamente moderno, para investigação científica, a que se atribuiu o nome Baía-Farta, que, provavelmente, depois de alguns problemas técnicos, vai começar brevemente a fazer esses estudos. E se não for essa embarcação, Angola vai ter que recorrer a outro tipo de meio. Mas o que é um facto é que neste momento estamos a viver uma crise muito grande de falta de peixe, principalmente aqui nesta zona de Benguela. Não há peixe mesmo. Os barcos saem e regressam sem peixe. A situação está complicada. Mas é como disse: é preciso fazer um estudo sério para determinar o que devemos pescar.

F&N – Mas o mar é o mesmo que o do nosso vizinho aqui ao lado, a Namíbia, que não tem esses problemas que nós, ciclicamente, vivemos. Não podemos beber alguma experiência desse nosso vizinho?

AA – Mas isso está a ser feito. O ministério da Agricultura, Pescas e Ambiente está a fazer um grande esforço ao nível da fiscalização, para controlar a pesca. E penso que, muito brevemente, vamos ter resultados bons ao nível das Pescas.

F&N – Com frequência surgem denúncias de pesca de arrasto aqui mesmo na costa. Isso não é um factor que influencia na redução dos níveis de captura de pesca e da renovação das espécies?

AA – Esse problema é muito sério, mas não é só esse. Temos o problema dos super arrastões que andam por aí a pescar, que mexem com os nossos pesqueiros e criam-nos dificuldades muito sérias. Mas temos outro que escondemos, que é o problema das rasteiras, da pesca banda-a-banda que se pratica de Cabinda ao Namibe, e que também dá cabo do nosso peixe. Esse modelo de pesca ‘artesanal’ emprega milhares de pessoas, mas causa prejuízos enormes. É só ver a qualidade de peixe pequenino que se captura. Nalguns casos, essa prática causa mais prejuízos do que a do arrastão.

Temos que fazer um estudo sério sobre tudo isso, para ver como resolver, porque politicamente, quem vai parar essa actividade que está provada, é extremamente danosa. Disparamos contra os arrastões, porque a sua actividade é extremamente grave sim, porque estão a dar cabo do potencial da nossa costa. Mas também temos que ter um estudo que nos diga, quantos arrastões podem fazer esse tipo de pesca, ou então não há arrastões para ninguém. A situação é critica e não tarda, se a situação não se alterar, vão começar os despedimentos e o desemprego, porque não há peixe.

F&N – Sente que há, de facto, o devido apoio a quem faz agroindústria?

AA – Não estou na agricultura e não percebo nada de agricultura. Estou apostado é na criação de gado, mas a grande condicionante continua a ser alimentação, o pasto. E estou a investir nesse domínio, porque o gado sem comida não se desenvolve.

Mas, entendo que um dos problemas graves da agricultura reside no facto de começarmos a pensar muito grande. E depois as coisas não funcionaram. Se começarmos devagar, repito, as coisas funcionam.

F&N- E o Adérito Areias começou com quantas cabeças?

AA – Comecei em 2004 – e são quase vinte anos – com apenas cem cabeças e hoje já tenho duas mil. Não é fácil. A minha fazenda foi criada de raiz. Fui para Chongorói, na zona da Bolonguera, onde não havia ninguém, não tinha nada. Há um rio perto, desbravamos tudo, construímos uma ponte – que ruiu – e começamos a nossa actividade. Só agora é que se está a construir uma ponte nova que facilitará a nossa circulação.

A criação de gado é outra actividade a que as pessoas se podem dedicar, porque a proteína animal é fundamental. Podemos criar bois, caprinos, suínos e outra coisa que se fala, mas não se faz: a piscicultura. Com resíduos alimentares dos outros animais, misturando com capim e outras coisas, podemos criar peixe. Defendo também essa actividade, porque num hectar pode-se conseguir criar cerca de sessenta toneladas de peixe. Se ao nível de toda Angola conseguirmos utilizar cinco mil hectares, vamos ter em terra tanto peixe quando o tak que nos é permitido no pescado marítimo.

F&N – Ocorre sempre um período de boom antes das eleições, mas também um esmorecimento logo a seguir, que se prolonga por cerca de quatro anos. Não receia a repetição desse ‘filme’ após essas eleições, com os empresários a voltarem à penúria, porque ninguém paga ninguém? Há divida pública com mais de dez anos…

AA – Há muitos problemas por resolver, e sabemos que ao nível das províncias é tudo mais complicado. Para o ministério das Finanças, são dividas pequenas, mas para o empresariado do interior, são consideráveis. Nós mesmo temos dividas de 2002 e 2005 que não foram pagas, e andamos ainda na luta. Mas uma coisa é o Estado ficar a dever, outra coisa é eu entregar mais dividas. E se isso acontece “vamos morrer na praia”.

F&N – Não foi essa postura que levou à falência boa parte do pequeno e médio empresário, do ramo da construção, por exemplo?

AA – Acho que não. As vezes isso tem mais a ver com má gestão. Só que o amadorismo hoje terminou. Tudo o que se faz agora, tem que ser com muito profissionalismo. Hoje somos obrigados a ter gente com muita qualificação a trabalhar nas nossas empresas. E já há muitos quadros angolanos que têm muita qualidade, muita competência. Temos quadros angolanos que já ganham, a trabalhar para nós, o equivalente a dez mil dólares/mês. O que manda é o mercado e temos que ir buscar os melhores.

F&N- A questão do investimento estrangeiro de qualidade, pouco ou nada se alterou…

AA – Mas quem investe em Angola? Quem traz dinheiro fresco para meter aqui? Vamos lá contar pelos dedos quem já meteu? E é isso que é necessário fazer: trazer para transformar aqui. Estamos todos à espera de que o Estado nos dê dinheiro; estamos todos ‘kutatalaia’ (pendurados). Venham lá então esses empresários que têm dinheiro e vamos investir aqui. Porquê que grande parte dos empresários estrangeiros têm sucesso e nós angolanos não? O que é que se passa? Vamos fazer um rácio sobre isso.

F&N – A começar pelas cantinas. Porquê que as cantinas geridas por estrangeiros estão sempre a aumentar e a dos angolanos sempre a falir?

AA – Ó meu caro! Dá uma volta por Benguela e vê quantos comerciantes angolanos temos. Já não me refiro à benguelense, mas sim angolanos? E facilmente chegará a conclusão de que noventa por cento das pessoas que têm lojas em Benguela, são estrangeiros. Mas eu pergunto: “Para vender pão é preciso ser estrangeiro? Mas não somos nós quem está a dar essa oportunidade? Para fazer o doce em casa, para arranjar as unhas é preciso vir estrangeiros”?

F&N – Mas isso não é resultado das dificuldades que se criam aos nacionais?

AA – Eu penso que não, porque há jovens empreendedores que estão a avançar e estão a ter sucesso. E dou o meu apoio a esses miúdos, porque tenho a certeza de que vão longe. Já encontramos vários miúdos que estão a tirar a camisola, a suar e a ter sucesso. Nós habituamo-nos ao que é fácil ao longo desses anos.

Não se trata de defender quem governa, mas eu acho que a culpa é nossa. Eu dou um exemplo: a dona Maria José Pinto (Mizé Pinto, da Sombra) tem um residencial com um restaurante que é uma referência em Benguela. Vive, como todos, as mesmas dificuldades do empresariado nacional. Mas ela está aí, com todas essas dificuldades, sobrevive mantendo as portas abertas. Por que razão as outras unidades do género não conseguem manter a mesma qualidade de serviços, para que os clientes beneficiem de excelência e continuem a preferir os seus serviços? Porquê que os outros não seguem esses bons exemplos e andamos sempre a lamentar? Quantos jovens se adaptaram ao Covid e ganharam dinheiro? Essa juventude tem que ser empreendedora, e não pensar que quem tem começou com muito dinheiro. Também podem começar com pouca coisa.