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Empresário Lago de Carvalho: ESTOU TRISTE PELA SITUAÇÃO QUE ESSA GENTE TORNOU O PAÍS

Escrito por figurasnegocios

O Empresário de Petróleo, Lago de Carvalho, concedeu uma entrevista ao jornalista Maurício Vieira Dias, do semanário NovoJornal, que transcrevemos pela sua importância e oportunidade no momento em que o País carece de uma organização, mormente na formalização da economia pelo garante da satisfação do povo angolano.

Lago de Carvalho, num depoimento firme e directo como é peculiar,aponta questões sobre a organização do País que se serve de máfias entre os diferentes ministérios.

Por: Maurício Vieira Dias (Jornalista)
Arquivo NET

P.Ao longo de anos, defendia a não construção de refinarias no País. O governo, por sua vez, optou pela construção de novas. Mantém a opinião?

Lago de Carvalho (L.C.).-Este é um assunto que quase acho que já não vale a pena discutir. Efectivamente, tenho a minha opinião, não conheço nenhum documento que mostre a economia dessas refinarias. Em minha opinião, são refinarias que vão ter de ser subsidiadas para poderem funcionar, mas o governo decidiu-se a fazer, acho que já não há retorno. Se houvesse privados que tivessem decidido investir por conta própria e correr o risco, eu até consideraria normal. Penso que, do ponto de vista o Governo, não é vantajoso.

Agora, o mundo está em tantas mudanças, tantas alterações, que hoje quase é difícil a gente prever o que vai acontecer nos próximos anos; se vai haver falta de produtos, não tem havido falta de produtos no mercado. Sabemos que toda zona da SADC precisa de combustíveis, embora, como sabem, a energia, particularmente de Angola, não depende tanto de combustíveis, a maioria da energia já é renovável, o que é muito bom. Agora, eu não mudei de opinião porque não tenho melhores informações do que antes.

P.-O desmembramento da Sonangol da função concessionária foi, na sua opinião, um passo essencial para a reforma do sector petrolífero nacional?

LC.– Está a fazer-me perguntas sobre coisas que estão decididas.Posso ter uma opinião diferente mas foi decidido para se fazer de determinada maneira, por isso, hoje já não vou comentar; porque eu o teria feito de outra maneira.

P.-De que maneirai Lago de Carvalho teria feito?

L.C.– É muito simples. Teria deixado ficar a Sonangol como concessionária e teria retirado de dentro da Sonangol todas as empresas prestadoras de serviços, e com essa parte é que eu criava uma empresa nova.Simples!

P.-A Sonangol emitiu no mercado de obrigações interno, títulos no valor de 75 mil milhões de Kuanzas para pagar dívidas a fornecedores em moeda nacional.Que apreciação tem dessa operação da petrolífera?

L.C.– A reaccão directa que tenho é que isso não resolve o problema da Sonangol mas é um bom exercício. Não há emissões de obrigações.Ninguém faz emissões de obrigações neste País.

Penso que é um exercício útil mas não resolve os problemas da Sonangol.

P.-O que resolve os problemas da Sonangol?

L.C.– O problema da Sonangol está novamente na indisciplina e nas heranças que a Sonangol recebeu.

A Sonangol recebeu uma situação muito complicada nesta passagem para esta nova governação de João Lourenço.

P.- Em gestão herdam-se passivos e Activos, logo, os actuais responsáveis da petrolífera tinham noção do que podiam encontrar.Não lhe parece?

L.C.– Quando alguém é convidado para assumir um cargo como de responsável da Sonangol, sabe que, desde 2017, várias pessoas estiveram à frente da empresa, (…) Quando é convidado para ir para aquele lugar, em princípio, pode impor algumas condições, sobretudo definir a equipa, mas, em princípio, o lugar é aceite com as condições que lá estão,… se é possível depois se fazer uma comparação entre o que se estava e o que não estava. Nunca se fez!

A gente vê programas para isso e aquilo, realmente, não sabe qual é o resultado desses programas. Às vezes, os programas encerram, gastaram-se milhões e bilhões de Kuanzas, mas ninguém faz uma avaliação do resultado real. Faz-se outro programa a seguir.

P.-Continua a conhecer bem a Sonangol?

L.C.- Conheço a Sonangol.

A Sonangol está hoje noutra dimensão. Sou da Sonangol até 1990,já passam 30 anos, portanto, a Sonangol está noutra dimensão completamente diferente.

P.-Como olha, hoje, para o quadro macro-económico do País?

L.C.- Eh pá! E ainda o senhor jornalista diz que não faz perguntas difíceis! O problema é que o País perdeu as grandes oportunidades que teve para conseguir criar uma economia alternativa ao petróleo. Tivemos produções muito próximas de dois milhões de barris; tivemos um preço de petróleo altíssimo e só isso já era suficiente, mas não tivemos capacidade de transformar isso em investimentos.

Para além disso, fomos pedir financiamento externo para fazer uma série de projectos, projectos esses que, acho que está comprovado, não deram os resultados que se esperavam. Quando, sobretudo na área económica, os investimentos têm de ser feitos numa perspectiva  de que os resultados paguem o próprio financiamento, infelizmente nós não chegamos lá. Portanto, hoje estamos no final a assistir a essa má gestão da nossa disponibilidade e capacidade de fazer as coisas.

P- O que agora deve ser feito para se alterar o panorama que se vive?

L.C.- Nem eu sei. Talvez ninguém consiga dizer. Agora, se o governo ou o Estado não fizer esforços para ser ele a dar o exemplo de se gastar o dinheiro correctamente, não é possível ir a lado nenhum.

O sector privado foi descapitalizado, hoje está a ser estrangulado entre os custos financeiros e a carga fiscal está cada vez com menos capacidade para fazer coisas.Portanto,se se descapitalizar o sector privado, é evidente que,no meio de tudo isso, houve muito roubo e a palavra tem de ser posta como deve ser: muito do dinheiro que existiu no País foi roubado. Diminuiu-se a capacidade para se fazerem coisas.

Hoje, é necessário que a economia angolana se modifique, se altere. É tão simples quanto isso: do Orçamento Geral  do Estado que temos, se nós tirarmos o petróleo da equação, as receitas do Estado em impostos não petrolíferos não são suficientes para pagar a máquina que o Estado criou, pelo que é uma situação que precisa de ser corrigida de alguma maneira. O Estado tem de aprender a gastar menos; nós não podemos gastar tanto como,por exemplo, se gasta com o exército. Precisamos do exército, precisamos de segurança, sim senhor, mas também precisamos de professores, também precisamos de saúde, também precisamos de manutenção de infraestruturas,.. de mais escolas, mais hospitais,… não temos máquinas para ter tudo isso a funcionar. Temos é que pôr as coisas no tamanho daquilo que somos capazes de absorver.

P.-Disse que houve muito roubo. Hoje por hoje já não há roubo como no passado?

L.C.– No meu entender, o sistema está igual, nalgumas coisas até está mais descarado.

Hoje, não há nenhum serviço público a que o cidadão recorra para pedir uma licença mas não lhe peçam coisas.

P.- Há quem entenda que nalguns sectores da nossa sociedade, as operações se parecem mais com máfias. O que lhe parece?

L.C-A organização neste País é mafiosa. As pessoas não gostam de pôr os nomes nas coisas, mas é o nome que se dá quando, efectivamente, alguém para fazer alguma coisa tem de ir pagando protecção. E isto é, a forma como o País está montado. Infelizmente é! E foi se agravando, agravando e se não se entra no jogo, é difícil.

P.- No seu caso, enquanto empresário e pelo que disse, como tem sobrevivido?

L.C.– Não me pergunte como,….Efectivamente as minhas empresas, hoje,estão reduzidas a… porque não tem como entrar no jogo. Eu não posso entrar no jogo, particularmente quando se trabalha para os petróleos. Tem parceiros estrangeiros, tem de respeitar as formas de actuação, então não tem como. A pessoa não consegue fazer.

É um problema que vem de há muitos séculos, e um problema da forma como as pessoas acham que podem ganhar dinheiro. Qualquer pessoa que quer fazer alguma coisa lhe cai todo o mundo em cima, de todos os ministérios.

Não é problema de licença ou disso ou daquilo, cai-lhe todo o mundo a pedir isso, a pedir aquilo. Às vezes, para a mesma coisa, a mesma entidade pede quatro papéis, depois inventam estudos que a pessoa tem de apresentar, mas, apresentar os estudos, tem de usar uma empresa que é do pessoal do ministério.

Isso acontece tranquila e descaradamente. Grande problema é que hoje é descarado.

Como é que se classifica um sistema assim? Algumas petrolíferas, digamos, têm certo peso para fazer as coisas. O resto de investidores estrangeiros só com ligações ao poder, senão não faz.

As pessoas vão pensar que estou a me queixar pois não tenho esse apoio, mas não tenho esse apoio. Não, eu sobrevivo e tenho sobrevivido bem até agora. Ninguém me tratou mal.

P.-O quadro por si desenhado tem afastado investidores estrangeiros?

L.C.- Claro! Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas.

Uma administração pública, ao invés de ser um obstáculo aos investimentos e ao desenvolvimento, deve apoiar e não faz as coisas ao contrário. E as pessoas pensam que uma empresa com alguma dimensão, um investidor importante, quando entra no País não recolhe essas informações; recolhe, ele sabe como é que o mercado funciona. Se for um investidor sério, não entra no jogo, se for um investidor de oportunidades, entra.

P.-O governo aprovou recentemente a Estratégia de Longo Prazo “Angola 2050”. Teve acesso às balizas do programa?

L.C._Quantos planos de longo-prazo Angola já lançou? Quantos conseguiu cumprir? Com que percentagem conseguiu cumprir?

O problema está em fazer planos com pressupostos que não são minimamente reais ou alcançáveis. Qualquer plano de desenvolvimento do País tem de conseguir pôr, efectivamente, a capacidade interna do País todos engajados naquilo. Não deve ser um programa do governo,deve ser um programa nacional.

O facto do governo querer fazer mais isso e aquilo, vai fazer sempre pelo mesmo caminho. Vai endividar mais o País e, mesmo que se endivide internamente, vai aumentar as dívidas, mas os resultados serão muito poucos.

Portanto, sou de opinião que esses planos valem a pena quando eles nascem de baixo para cima e não o contrário.

P.- Quer dizer que os planos do governo nascem ao contrário?

L.C.-Todos ao contrário. E preciso libertar a capacidade interna de fazer coisas. Estes planos não, fazem em quadradinhos. Quem cai nesse ou naquele quadradinho, tem esse incentivo ou aquele apoio.

A economia não funciona assim. A pessoa quando olha para a agricultura, o desenvolvimento da agricultura obriga a tudo e mais alguma coisa que se possa imaginar, desde a investigação ao apoio à produção, equipamentos dos operários, manutenção dos equipamentos, seguros, finanças,… Há que enquadrar tudo isso para conseguir realmente que as coisas se desenvolvam. Há algumas tentativas, até acho que há muita gente honesta a tentar fazer as coisas, mas…

P.-Até que ponto a acentuada desvalorização cambial tem afectado os negócios da classe empresarial?

L.C.- Os negócios do sector petrolífero têm alguma protecção mas, para o resto das pessoas, está muito difícil e está a ficar mais difícil porque os salários hoje valem menos. As pessoas estão a limitar as suas despesas à comida e às necessidades da casa.

Se fizerem uma entrevista às empresas que vendem produtos electrónicos, como telefones, fotocopiadoras e outras coisas do género, verão que há aí empresas que estão numa luta muito complicada.

P.-Fruto disso, há um descontentamento generalizado na Sociedade,…

L.C.-Os senhores têm mais percepção disso do que eu. Eu vivo na cidade, no asfalto, o meu contacto é com muito pouca gente, portanto não consigo saber exactamente o que é. Evidentemente, tenho a percepção de que, do ponto de vista social, as coisas estão muito difíceis.

A gente tem empregados,sabe a luta e as necessidades de apoios que eles têm, e nem sempre podemos apoiar; acaba-se por seleccionar e apoiar algumas pessoas, mas não é essa forma correcta de as coisas acontecerem. Qualquer pessoa, neste País, que caia doente, se não tiver alguém que a ajude, até pode ser uma pequena operação ou para a medicação, está mal.

P.- No dia 14 de Julho, no final de uma reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o Secretário de Estado para as Finanças e Tesouro, Ottoniel dos Santos, adiantou que as projecções para o final do ano indicam que o País terá um défice orçamental na ordem dos 7,4 bilhões de Kuanzas, o que contrasta com o Relatório de Fundamentação do OGE/2023 que aponta um superávit de 600 mil milhões de Kz. Entretanto, há alas que defendem a revisão do actual orçamento mas a Ministra das Finanças disse que foi evitada uma revisão orçamental porque já se deu início à preparação do OGE/2024. No meio de tudo isso, o que terá falhado?

L.C.-Não sei o que falhou, porque não tenho informações. Infelizmente, o OGE passou a ser um papel que ninguém respeita; quem tem mais força, mais poder, faz coisas e ainda vai à busca de dinheiro extra. Quem não tem vão dando-lhe cada vez menos.

Portanto, o OGE nunca traduziu e cada vez menos traduz aquilo que realmente se vai fazer no País. Se há um projecto novo que é necessário desenvolver, vamos prepará-lo para fazer no próximo orçamento, não vamos incluir nesse.

Estamos todos dias a assistir a essas situações, depois se diz vamos cortar coisas essenciais,mas continuamos a ver uma draga ali na Samba trabalhar para fazer a Marginal. Aquele projecto não é prioritário para as pessoas e para o País,não tenho dúvidas nenhuma de que não seja.

Portanto, a questão é:quais são as prioridades? Quem está no poder é quem define as prioridades. Podemos estar em desacordo com elas mas podemos dizer que não me parece correcto.

Não posso dizer mais nada, porque o exemplo tem de vir de cima. Todos dias há adjudicações directas, recentemente saiu mais uma para viaturas quando acabou de se dizer que não mais vamos comprar viaturas até ao final do ano.

Desculpe-me, eu não entendo, não consigo entender.

P.-Em suma,não se cumpre o que ficou estabelecido ou acordado?

L.C.-O grande problema é que a nossa economia está completamente destorcida. Eu explico isso rapidamente: o Estado encomenda coisas e não paga às empresas, as empresas não pagam aos funcionários nem pagam aos fornecedores, depois se cria aqui um molho de situações que são muito difíceis de se conseguir resolver.

O problema das empresas públicas que todo mundo anda a dizer, que são deficitárias, é preciso ver-se porquê que são deficitárias, pode haver ineficiência, pode haver má gestão, sim senhor, mas o Estado não paga os serviços públicos,uma série de entidades grandes não paga água,luz nem telefones. E quando não pagam, é evidente que a empresa  não pode funcionar, e chegam ao final do ano têm prejuízos e o Estado tem de subsidiar. Paguem as contas em tempo, paguem as contas certinhas e deixem que a economia funcione. Agora, se as pessoas não respeitam os contratos que assinam, porque razão muitos contratos são assinados com prazos de pagamentos que não são respeitados?

Depois, há outra situação grave: os fornecedores, quando fornecessem ao Estado, sabem que correm o risco de serem pagos dentro de três a quatro anos, às vezes até cinco anos. O que fazem nestas circunstâncias dobram o preço, pelo menos.

P.- No meio de tudo isso, acha que não há vontade política para se fazerem bem as coisas?

L.C.-Na minha opinião, não é um problema de vontade política, é um problema de incompetência completa. O grave da situação, que cada vez me apercebo, é que as pessoas que andam a fazer essas coisas nem sequer sabem o estrago que estão a fazer. No passado foi assim, as pessoas que foram desviando o erário, que foram arranjando maneiras de tirar dinheiro do Orçamento, não tinham consciência do estrago que estavam a fazer. A única coisa que lhes interessava era o ganho próprio. Essa máquina continua montada, não foi desmantelada.

P.-Deve haver fórmulas para se desmantelar está máquina,…

L.C.-É preciso o Presidente da República dar o exemplo, punindo.Tem de haver punições drásticas. Mesmo essa história dos tribunais que demoram dois anos para discutir coisas que são tão evidentes,…tem de haver mecanismos de urgência para pôr ordem no País. Se esses mecanismos não existirem, o País vai continuar a degradar-se. Temos colocado o mesmo remédio em cima das coisas, é dinheiro e o dinheiro não resolve.

P-O Presidente decidiu-se a prorrogar o período de execução do PROPRIV até 2026. Na sua opinião, terá o governo falhado nas metas inicialmente estabelecidas ou há outras razões?

L.C.-Posso-lhe dizer que nunca me interessei por este processo de privatizações de empresas detidas pelo Estado. Primeiro, porque nunca vi nem encontrei nada que pudesse estar dentro daquilo que podemos e sabemos fazer, mas, independentemente disso, acho que foram postas à venda empresas com problemas,e na maioria dos casos, as únicas coisas que serviam eram os edifícios e as fábricas, para alguém pegar e fazer outras coisas. No caso do BCI, por exemplo, foi um negócio combinado. Nem vale a pena falarmos sobre isso.

P.-Porquê diz que o BCI foi um negócio combinado?

L.C.-Vamos ver qual é o resultado final deste caminho, tudo feito por essas entidades, a quem tem sido dado apoio atrás de apoios. Vamos ver qual é o resultado final disso.

P.-Que entidade tem recebido apoio atrás de apoios?

L.C. Não me faça perguntas, porque sabe quem é a entidade.

P.-Do seu ponto de vista, mudaram-se algumas peças no tabuleiro de xadrez mas os negócios continuam a ser feitos “na calada da noite”?

L.C.- Continua tudo na mesma.

P.-A equipa economica do governo conta, desde Junho, com um novo líder, José de Lima Massano, o então governador do BNA. Que medidas emergenciais de curto e médio prazos deve esse tomar para alterar o actual estágio da económia nacional?

L.C.-Não há milagres,começo por aí. Segundo, ele está numa máquina, e a máquina impõe determinados comportamentos, mas pode tentar fazer algumas coisas.

Na minha opinião, ele tem a grande vantagem de ser menos teórico do que o antecessor.O antecessor era Professor Doutor e fica por aí Professor Doutor é para dar aulas,  é para gerir nada,nem nunca geriu nada. O Dr. Massano, que, por acaso, faz o favor de ser meu amigo, acredita que a solução deste País passe pelo FMI e pelo Banco Mundial, e essa é uma daquelas pragas que a gente tem em Angola.

P.-Não devia José Massano acreditar no FMI e no Banco Mundial?

L.C.-Todo o sistema financeiro mundial está montado como está para transformar todo o mundo em escravo dos Estados Unidos.Todos estamos presos pelo uso do Dólar, todos.

Os Estados Unidos, quando tem problemas financeiros, imprimem moeda e resolvem o seu problema; já nós não temos como. Temos de aprender o que é que podemos fazer com a nossa moeda. O grande medo que o FMI incute nos países é que, se os países imprimirem mais moeda, acabam tendo inflacção.

Eu gostava de perceber se, efectivamente, essa política monetária que tem sido utilizada, de restringir o volume de moeda em circulação, na realidade reduziu a inflacção no País? Não reduziu.

Vou dar um exemplo: o governador de Luanda, noutro dia, dizia que precisa de 100 milhões de dólares por ano para fazer à recolha do lixo! Não é que 100 milhões de dólares seja muito dinheiro para recolher o lixo de uma cidade de 10 milhões de pessoas, até porque não chega a 1 dólar por mês por pessoa, portanto,é um valor muito aceitável.

P.-O que é que não é aceitável?

L.C. O que está errado no raciocínio é que ele não precisa de dólares, precisa de Kuanzas, porque paga as empresas de recolha de lixo em Kuanzas. Agora, ele precisa de uma fonte de receita que permita pagar isso. Ora, hoje não existe nenhum escritório, empresa, banco ou restaurante que abra e que não tenha um contrato de recolha de lixo. Este dinheiro, entretanto,não devia ir para a Conta Única do Tesouro mas sim para o Governo Provincial, para o Governo Provincial fazer a recolha de lixo, e são esses raciocínios que não são feitos, o que não podia ser assim. O mesmo se aplica para a manutenção das estradas em Angola. Temos asfalto e areia para tapar buracos nas estradas o quanto basta, bem como viaturas para fazer isso todas as administrações têm. Agora, as viaturas são utilizadas para tudo,  menos para o que devia ser. É evidente que assim não vamos conseguir fazer crescer o PIB deste País.

Há uma coisa grave ainda: o pessoal da área económica gere a economia por estatísticas. As estatísticas não põem a comida na mesa,começa logo por aí, mas, para além disso, o facto de alguém, por exemplo, subsidiar coisas, está a penalizar o PIB, porque se a água custa 1 ao invés de custar 5, que era o que devia custar, o valor do serviço de abastecimento está reduzido a 20%. Agora, calcule todos os subsídios que são por aí distribuídos e verá quanto é que o nosso PIB sofre. Aliás, o PIB per capita, que é calculado para o País, se fosse real, metade das pessoas estava a morrer,não havia hipótese, o que não é verdade. Todo o comércio informal e outras actividades não entram no PIB, e, como não entram no PIB, os valores apresentados pelas estatísticas são muito pequenos. O que quero dizer é que as estatísticas não traduzem a realidade.

P.-O mercado informal continua a ser uma pedra no sapato da nossa economia ao ponto de, até agora, todas as fórmulas colocadas em prática, para o seu combate, não surtiram efeitos,…

L.C.-O programa de formalização da economia assenta basicamente numa única coisa:cobrar mais impostos, e é isso que toda a gente que está no mercado informal vê. O programa tem de ser apresentado ao contrário: que vantagens devem ser dadas a quem está na informalidade e passar a ser formal? Que vantagens podem ser prioridades na educação dos filhos, na saúde e em determinados aspectos da vida das pessoas? Agora, só queremos cobrar impostos, todo o mundo foge da formalização. São exemplos simples.

P.-Não serão estas também as razões que levam as pessoas a não pagar impostos e a manter-se no sector informal?

L.C. Quando a gente diz que as pessoas deviam pagar impostos ao Governo Provincial para ter mais serviços, mais qualidade de vida,ninguém quer pagar. E o engraçado é que são capazes de ir pagar o dízimo na igreja, e a igreja não lhes promete nada na Terra, vão ter um mundo bom mas aqui na Terra não.Portanto, às pessoas estão mais disponíveis a contribuir nas igrejas do que para ter bons serviços públicos, o que, para mim, é inaceitável e incompreensível. Agora, os programas de formalização da economia têm de alterar a mentalidade das pessoas, devem ser capazes de fazer entender às pessoas o que podem ganhar com a formalização da economia, o que podem ganhar com a contribuição para a sociedade.

P.- Não lhe parece que os partidos na oposição, sobretudo a Unita, devem fiscalizar mais os actos do governo?

L.C.– Não são nem Unita, nem o MPLA, devíamos ser nós a ter condições para fiscalizar o que se passa nas eleições. Devia haver mecanismos de maior transparência, maior independência dos órgãos eleitorais de forma que toda a gente pudesse estar tranquila. O que se passou nas últimas eleições foi triste, é o mínimo que a gente pode dizer. Foi triste porque não foi possível contar os votos nas mesas, não foi possível que ninguém, seja uma ONG, seja a Sociedade Civil, seja o que for fazer o apanhado do que se passou nas mesas, somar tudo e ter uma contagem paralela a CNE, não foi permitido isso, tinha de haver, e a única forma de se controlarem os resultados das eleições. Não foi um processo eleitoral transparente, pode ser que os números até estejam muito certos,mas não foi um processo transparente.

P.-Estamos diante de uma CNE partidarizada?

L.C. – Muito.O Conselho Nacional Eleitoral é completamente controlado.

P.-Que recomendação deixaria à CNE?

L.C.– Não faço recomendações, porque estas coisas não me competem. Penso que as pessoas funcionam em função dos seus objectivos. Os objectivos de quem está no poder e manter-se no poder.

P.- Onde fica o cumprimento das leis?

L.C.– Esta é a parte difícil. As leis neste País são optimas, porque são copiadas de países que têm as coisas organizadas, mas nós não temos as coisas organizadas e há pessoas que estão acima da lei.

P. -Há mais alguma coisa que não disse e gostaria de acrescentar?

L.C.-Não. A única coisa que gostaria de acrescentar é que estou triste com esta situação toda que a gente tem no País, não precisamos disto, podíamos ter um País muito diferente. Estou triste com isso, mais nada.

Estou na ponta final, tenho de viver alegremente os poucos anos que ainda tenho. Se a gente entra no desespero completo, numa tristeza completa, também não vive. Tenho de viver os meus últimos anos de forma mais tranquila possível.


DADOS BIOLÓGICOS

Arnaldo António Pereira do Lago de Carvalho nasceu na Caala, na Missão do Bongô, Província do Huambo, em 1948. E graduado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto, em 1973, e mestrado em Gestão pelo Massachussets Institute of Techonology (MIT) em 1985.
Começou a sua actividade profissional nos Serviços de Planeamento, passando pelo Instituto de Créditos e pelo Ministério do Comércio. Foi professor de Análise de Projectos na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto e professor de Economia na Faculdade de Engenharia da mesma universidade.Em 1978, ingressou na Sonangol onde esteve na área de Finanças da exploração e foi o primeiro Director de negociações. Nesta última posição, conduziu o processo de promoção de novas áreas de exploração e a definição do controlo de partilhas de produção que permitiu atrair novas para o País. Coordenou a elaboração do primeiro plano de médio-prazo para a Sonangol, que definiu a metodologia de revisão anual do mesmo.Depois, foi promovido ao cargo de assistente do Director geral da petrolífera nacional. Participou em diversas actividades como as negociações entre o BPC e o Banco Português do Atlântico para a criação de cartões de crédito em Angola. Participou em negociações sobre o reescalonamento da dívida externa do País.
Na sua actividade privada, iniciada em 1990, Lago de Carvalho foi fundador e gestor de uma vintena de empresas, muitas delas ainda activas no mercado e com mais de 25 anos.

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