Cultura

Jay Oliver: INDÚSTRIA MUSICAL ANGOLANA É INEFICIENTE

Escrito por figurasnegocios

A ineficiência ou a quase inexistência de indústria musical no país é um dos maiores constrangimentos no processo de divulgação do produto dos criadores angolanos no mercado internacional, afirma o músico Jay Oliver.

O artista adianta que, mesmo com uma produção de qualidade, a música angolana não está na lista dos 10 países com maior influência no mundo da música devido às dificuldades no processo de divulgação e promoção, dando conta que muitas músicas acabam por ficar apenas no país, quando seriam sucesso também na arena internacional.

“Há muitos ritmos a serem consumidos no país, mas não chegam a outros países por falta de distribuição”, reforça.


Figuras&Negócios (F&N) –   Quem é Jay Oliver e como surgiu no mundo da música angolana?

Jay Oliver (JO)- Veja que cresci com os meus avós e os meus tios. Os meus pais viajavam muito em busca de melhores condições de vida, mas tive a educação deles mesmo à distância.

Na verdade, os meus avós nunca apostaram na minha carreira artística, por não ser aquilo que eles sempre sonharam para mim, mas aos poucos fui, sendo apoiado na minha aposta na carreira artística. Como sabe, os nossos familiares sempre tiveram sonhos em relação ao nosso futuro e isso aconteceu comigo. Quando as coisas começaram a resultar em termos de afirmação, a família uniu-se para apostar na minha carreira artística.

Como sabe, faço parte de uma família de músicos. Sou sobrinho dos músicos Dog Murras e Didi Murras. A partir do momento que comecei a me tornar conhecido no cenário musical estes sempre estenderam a mão solidária.

Cresci num bairro que me ensinou  a ser homem. Aos 15 anos já era um miúdo muito mexido, fazia moto-táxi, era estafeta, fazia entrega de encomendas e hoje sustento a minha carreira de forma independente. Tenho três álbuns lançados e graças ao esforço e sacrifício ao longo da minha juventude fui aperfeiçoando e recriando.

F&N – Lançou agora, no mercado, o seu novo disco. O que traz de novo para os seus fãs?

JO- Já são 10 anos de carreira. A minha responsabilidade social para com os meus fãs, para com o público é maior em termos de composição, letra, de conteúdo, de aprendizado. Há sempre uma mensagem positiva, sempre uma moral da história, uma maneira de espalhar o amor, de aconselhar, incentivar, de seleccionar e de viver a fantasia em cada um dos meus trabalhos. A intenção é deixar uma mensagem de conforto e nesta terceira obra a minha responsabilidade é maior.

F&N – Para quem acompanha, desde o início, a sua carreira, que diferenças vai encontrar neste disco?

JO- O conteúdo lírico, as próprias composições em si, a diferença de estilos também, com várias sonoridades em vários cantos do mundo, não só a kizomba que estão acostumados a ouvir mas outros estilos musicais ouvidos nos outros países. Trago também um pouco do estilo deles aqui. Sou um músico com ouvidos muito apurados e além de viver em Angola também resido em Portugal. Então bebo o que a Europa consome. Trouxe um pouco desses ritmos africanos também.

F&N – Que balanço faz, até ao momento, da sua carreira?

JO- Acho que eu sou um músico de muita fama e pouco sucesso (…). Devia ter muito mais sucesso, mas também aceitei algumas propostas contratuais que achei que me ajudariam a ascender mais na carreira, mas acabei por me prejudicar um pouco. Mas estou disposto a fazer tudo pela minha carreira, porque amo o que faço e amo espalhar o amor. De certeza que o “ÉBano” vai ser um dos passos para emergir nessa área.

F&N –   Já atingiu os objectivos preconizados quando se lançou no mundo da música?

JO- Alguns já (risos). Só o facto de ser um músico angolano conhecido no mundo Palop é uma alegria muito grande. Sou angolano, conhecido em Moçambique, em São Tomé, Brasil, Portugal e em alguns países da Europa. Já cantei com esse povo e, para mim, é um dos objectivos bem sucedidos.

Agora, falta-me fazer os primeiros grandes shows, que são o meu sonho. Não só em Angola, mas também nos países que falam a língua portuguesa.

F&N – Onde está o segredo para o sucesso?

JO- O segredo para o sucesso é nunca desistir, fazer aquilo que amo e procuro aperfeiçoar ainda mais o meu trabalho, para conseguir ter sucesso. Sou persistente, nada me abala.

F&N – Desde o início da sua carreira, o que fez ou gostaria de ter feito de forma diferente?

JO – Sou ser humano, portanto falho. Há coisas que (…), não é arrependimento, mas aprendemos com os erros e não me arrependo de ter errado em alguma coisa, de ter dado espaço. Acho que se nascêssemos com tudo perfeito a vida não teria sentido. É necessário falhar, errar, para aprender. A vida é mesmo assim, tem altos e baixos, então não há nada que tenha feito para me arrepender arduamente. Como disse, temos que fazer para aprender e para sentir. Tive um passo ou outro  que foi mal dado, mas tem que ser.

F&N – Mudando de assunto. Como jovem e figura pública, como vê, actualmente, o comportamento dos jovens angolanos?

JO- Acho que vivemos num país de muita frustração. Precisamos formatar certas coisas, principalmente nas redes sociais que têm um peso muito grande nessa nova era, às vezes muito mal usada, muito mal aconselhada. Hoje, as pessoas querem sensibilidade sem saber que existe um físico e um psicológico, existe uma depressão e como fazedor de cultura primo muito pelo  bem-estar das pessoas, pelo físico emocional. Já passei por algumas situações embaraçosas e preocupa-me bastante o comportamento da nossa sociedade, principalmente nas redes sociais. Acho que devemos viver as situações de forma pessoal antes de abrir a boca ou deixar um comentário. Temos família, filhos e o que se consome na internet fica por muito tempo. Aconselho aos jovens a saber usar os seus conteúdos, saibam aconselhar e fazer comentários sobre determinado assunto para amanhã não se arrependerem com as decisões tomadas ou com o rumo que podem levar em função de decisões erradas.

F&N – Até que ponto estão os músicos angolanos preparados para ajudar na edificação de uma sociedade sã?

JO- De minha parte procuro fazer o máximo, com responsabilidade social, aconselhar, espalhar o amor, fazer tudo que seja bom como boa conduta. É necessário saber que temos responsabilidades perante a sociedade, é necessário ajudar na implementação de acções que ajudem e incentivem a mudança de mentalidade.

F&N –  Acredita que os músicos têm sido bons exemplos para a construção de uma sociedade moralmente saudável?

JO- Não todos.

F&N – Porque não todos?

JO- Temos que reconhecer que temos alguns músicos que têm ajudado. Hoje, todo mundo quer fazer dinheiro com a música, mas infelizmente apostam em músicas cujas letras carregam uma dose de ofensas. Como influenciadores devemos defender os bons costumes, a dignidade humana e acima de tudo respeitar os valores morais e cívicos.

F&N –   Onde vai buscar inspiração para o trabalho que apresenta ao público?

JO- Desde criança que sempre ouvi músicos   americanos, assistia os canais americanos, aprendi  a cantar  imitando alguns músicos  americanos e alguns angolanos que serviram de inspiração no princípio da carreira. Comecei por me inspirar em músicos americanos cujos vídeos assistia no canal MTV. Entre estes, o Chris Brown, Ne Yo e R. Kelly. Entre os angolanos procurei inspirar-me no Anselmo Ralph, Conde e outros nomes.

F&N -Fruto do que se faz e do que se apresenta, actualmente, no mercado angolano, acha que temos ou estamos à altura de competir com outros mercados, principalmente africanos?

JO- Temos capacidade  de competir, mas o nosso maior  problema  é a divulgação, porque não temos uma indústria  musical, não temos as plataformas  legalizadas, a maior parte dos nossos conteúdos é ouvido através de canais piratas, sem estar colocado  nas plataformas digitais, factor que impede a entrada em outros mercados, Fazemos música com qualidade, mas mesmo assim Angola não está na lista dos 10 países com maior influência no mundo da música. Preocupa-nos bastante, porque ainda nos falta muita coisa, como fábricas de CD, melhorias no sistema de distribuição e legalização das plataformas digitais.

F&N – Como olha para o mercado musical em Angola?

JO- Temos um mercado cada vez mais concorrido, como novos talentos a fazerem furor. É verdade que ainda temos muito para conquistar lá fora e falta investimento no ramo musical, mas, felizmente, a música é bastante consumida em Portugal e nos Palops. Temos, acima de tudo, um longo caminho a percorrer e muitos acertos a fazer para saltos mais seguros no mercado internacional.

F&N – Muito se fala sobre a qualidade da música angolana produzida actualmente, havendo quem considera que é descartável. Acha justa esta afirmação?

JO- Existem estilos descartáveis, com conteúdos sem um adoço, uma mensagem dançante, e por isso não duram mais de 6 meses. É verdade que temos produtos que nem deviam estar no mercado, mas também temos músicas com conteúdos ricos, com mensagens educativas.

F&N – O que falta para a música angolana tomar de assalto de uma vez por todas o mercado dos Palop e afirmar-se em África?

JO- Indústria musical, editoras, empresas de divulgação e contratos sérios. Às vezes o músico luta tanto para colocar um trabalho no mercado e não é projectado conforme devia ser feito. Editoras, produtoras, que infelizmente não poucas, são responsáveis  pela  maior parte dos contratos, divulgação e promoção da música.

F&N – Ao longo destes anos fez quantos trabalhos discográficos?

JO- Três discos. O meu primeiro disco foi lançado em 2014 e o segundo em 2017. Antes do final do ano de 2022,  lancei o terceiro trabalho discográfico intitulado “Ébano”. São trabalhos discográficos lançados de forma independente, com o meu próprio esforço e sem patrocínio. No início da minha carreira bati algumas portas, mas infelizmente não fui bem-sucedido. Daí que parti para a minha autonomia financeira para poder materializar os meus projectos artísticos. Hoje vejo que sou exemplo para aqueles músicos que sonham com uma carreira musical brilhante, mas que estão impossibilitados em dar sequência aos seus sonhos. Lutei e luto sozinho, diariamente, para que consiga ganhar espaço no mercado nacional e internacional. Ser cantor não significa que esteja ligado a uma produtora. Não é verdade!

F&N – Desde quando se tornou autónomo financeiramente?

JO- Desde muito cedo que me tornei independente financeiramente. Comecei a trabalhar com os meus 15 anos. Aos 15 anos já era motoboy. Fazia entrega de encomendas em diferentes partes de Luanda. Nasci e cresci no bairro Mártires de Kifangondo, com muita agitação em termos de negócios, que te obriga a entrares no mundo dos negócios, desde que tenhas dom para tal. Compro motorizadas avariadas, recupero e volto a vender. Nisso vou buscar lucros. Cresci assim, neste meio com visão para o negócio.

Os meus tios foram também as pessoas que me moldaram para o mundo do business, com a compra e venda de viaturas, como intermediário. Passei a tratar documentos de residências, viaturas ou mesmo constituição de empresas. Ajudei muitas pessoas a legalizarem as suas empresas com alvarás comerciais e até arranjei advogados para este ou aquele caso. Fui guardando as minhas economias e me tornei um indivíduo autossustentável financeiramente. Veja que aos 19 anos tornei-me independente, com casa própria. Hoje em dia, sustento a minha actividade artística com as minhas “mixas”, que ganhei. Continuo a ser “mixeiro” e cantor ao mesmo tempo.

F&N – E a receita que arrecada com os espectáculos. O que faz?

JO- A qualidade e a sonoridade que exijo dos meus trabalhos são bastante dispendiosas. Veja que já não lanço um disco há quatro anos, mas pelos discos vendidos já consegui recuperar o dinheiro que investi. Neste terceiro trabalho discográfico investi um valor superior aos demais e penso recuperar o dinheiro investido nos próximos anos. Neste disco, gastei muito dinheiro por conta da qualidade do vídeo, do som e de muita coisa que coloquei para que tenha a qualidade exigida pelo público. Neste álbum fiz um investimento que seria bastante benéfico para mim e para a minha família. Preferi me posicionar no mercado musical, por sentir a falta de um disco do Jay Oliver. Senti que estava ausente para os meus fãs.

F&N- O que é que a marca Ébano traz de novo à música nacional?

JO- Sou um ambientalista, um amigo da natureza. Tenho o sonho de construir uma casa no meio da mata, uma fazenda com vários animais. Ébano é o nome de uma espécie de árvore, cuja madeira é bastante rija e difícil de partir. O Ébano é uma terceira obra, que alimenta o sonho de um terceiro filho biológico. A árvore Ébano faz parte da minha característica como pessoa. Sou uma pessoa persistente.


POR DENTRO

Jay Oliver é o nome artístico do músico José Carlos de Oliveira Martins, que nasceu a 23 de Julho de 1991, no bairro Mártires do Kifangondo, em Luanda.

Jay Oliver nasceu numa família com músicos de renome no mercado nacional, nomeadamente o tio Dog Murras.

Com 15 anos de idade lançou-se no mundo dos negócios como motoboy “mototaxi” e como intermediário na venda de viaturas e residências.

O artista tem no mercado três obras discográficas.

Sobre o autor

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