A Cimeira Rússia-África começou no dia 27 de Julho em São Petersburgo. O evento suscitou questionamentos sobre as suas implicações nas relações internacionais entre aquele estado europeu e os países africanos. Para a cimeira está confirmada a presença de apenas dois chefes de estado lusófonos. Cabo Verde não envia representação.
Texto Sandra Quiala / Fotos Arquivo FN
Em entrevista à DW África, o especialista em Relações Internacionais, Herlander Napoleão, sublinha que esta cimeira trará mais benefícios à Rússia, pois ao contrário de países como a China ou os Estados Unidos da América, os russos nunca fizeram um “investimento avultado” no continente africano.
Herlander Napoleão destaca ainda a ausência de vários países africanos, como Angola e Cabo Verde, lembrando que também algumas das maiores economias do continente também não marcarão presença na cimeira, com receio de “sofrer sanções ou dissabores por parte dos parceiros estratégicos, da União Europeia ou dos Estados Unidos da América”.
DW África: Qual é a importância desta cimeira para as relações internacionais envolvendo a Rússia e os países africanos?
Herlander Napoleão (HN): Eu penso que esta cimeira acaba por ser mais vantajosa para a Rússia do que propriamente para o continente africano, em termos geopolíticos. A Rússia, tendo em conta todas as sanções que tem sofrido por parte da América e também da comunidade europeia, quer, de certa forma, mostrar que tem aqui uma certa musculatura no continente africano, podendo-se afirmar com a presença de aliados africanos. Mas tem havido um certo “amargo de boca”. Há países africanos que não se farão representar ao mais alto nível, como é o caso de Angola e de Cabo Verde. Angola vai enviar o seu ministro das Relações Exteriores. Cabo Verde nem sequer vai enviar uma representação. Além dos PALOP, temos também grandes economias, como o Egito, cujo Presidente também não vai estar presente. O Presidente do Quénia também não vai, tal como o Presidente da Nigéria. Portanto, as economias mais fortes do nosso continente não se farão representar, o que é um claro sinal de que estes países começam a perceber que, estando alinhados desta forma à Rússia, poderão sofrer sanções ou dissabores por parte dos parceiros estratégicos, da União Europeia ou dos Estados Unidos da América.
DW: O que significam então estas ausências?
HN: Em política, todos os gestos contam.
Portanto, penso que estes países, incluindo Angola, que não se farão representar, estão de certa forma a marcar aqui um ponto importante na relação histórica entre a Rússia e o continente africano. A África do Sul, claro, terá de ir. Será o Presidente Cyril Ramaphosa que vai chefiar essa delegação, por razões óbvias, uma vez que o país também faz parte do grupo BRICS.
DW: Quais as principais expectativas para a cimeira Rússia-África e que temas devem ser abordados durante o evento?
HN: Esta cimeira tem como principais factores a questão dos cereais, tecnologias, comunicação e transportes. Penso que são temas que têm vindo a ser abordados há vários anos, mas parece que estamos numa roda, sempre a discutir os mesmos problemas. Existe aqui um denominador comum: estes países têm uma relação e uma dívida histórica com a Rússia, no que diz respeito aos apoios fornecidos antes e depois das independências africanas. Estes países têm uma dívida quase impagável e não conseguem assumir um posicionamento contrário aos quais o mundo se tem vindo a posicionar relativamente à guerra na Ucrânia.
Por um lado, temos que ter em consideração as fragilidades das economias africanas durante a pandemia da Covid-19. Muitos desses Estados até chegaram a reunir com os Estados Unidos, Japão, União
Europeia e mais recentemente, na cimeira de Sochi, em 2019. Mas acabaram por ser estéreis, porque não houve resoluções em concreto. Por outro lado, a Rússia dificilmente terá o papel preponderante como a China ou os EUA no continente africano. Isto porque a Rússia nunca fez investimentos de grande vulto no nosso continente. Penso que esta relação, sublinho, acaba por ser mais vantajosa para a Rússia do que para África.
DW – África.
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