Sociedade

Carnaval 2024: Da tradição à modernidade

Escrito por figurasnegocios

Derivado das brincadeiras do Entrudo português de grandes bailes, o Carnaval de Luanda sofreu várias mudanças e paralisações ao longo do tempo, tendo o seu ponto mais alto dos desfiles, o acto central do Carnaval da Vitória em 27 de Maio de 1978.

De acordo com registos oficiais, esta festa do povo terá sido formalizada, em Angola, entre os anos 1920 e 1930, uma vez que já se festejava ao ritmo de vários estilos musicais.

David Viegas

Conforme a obra “Os Colonizadores”, do pesquisador angolano Roldão Ferreira, “A aclamação popular do Carnaval é tão antiga como a própria cidade, apesar de o motivo da celebração ter mudado ao longo dos séculos”, ou seja, já se fazia esta festa antes da chegada dos portugueses.

Na época, segundo os estudos, os autóctones desfilavam com os pés descalços, debaixo de um sol escaldante e com meia dúzia de colonizadores sentados num pedestal para assistirem aos negros a passar.

As danças de eleição eram dizanda, kabetula e kazukuta.

Entre 1930 e 1963, o Carnaval passou a ser dançado ao ritmo de canções que criticavam o sistema colonial, apesar de a festa já ser coordenada pelos postos administrativos.

Ainda neste primeiro período, em 1944 e 1945, deu-se a primeira paralisação, por causa da perseguição do governante Norton de Matos. De 1961 a 1963, houve a segunda paralisação devido à Luta de Libertação Nacional.

Os estudos apontam que o Carnaval foi proibido quando a administração reconheceu, tardiamente, o seu potencial enquanto meio de transmitir mensagens contra a ordem vigente ou de promover aspirações nacionais.

A partir de 1964 até 1975, o considerado segundo período do Entrudo, as canções ainda eram de intervenção, tendo em conta que Angola continuava a lutar contra o colonialismo.

Desta feita, de 1975 a 1977, deu-se mais uma paralisação do Carnaval, motivada pela reconstrução, após a independência. Foi, diante desse cenário, que ocorreu o chamado Carnaval da Vitória, a 27 de Março de 1978, data que coincide com a retirada do país das tropas sul-africanas.

Entretanto, a realização do Carnaval nesta data foi anunciada a 14 de Janeiro de 1978, durante um comício realizado na Quinta Avenida, no município do Cazenga, pelo então Presidente da República Popular de Angola, António Agostinho Neto, que pediu para se explorar mais das  origens e a própria identidade nacional no Carnaval.

Depois desse período, o Entrudo registou uma maior e melhor exploração dos aspectos culturais e antropológicos de Angola, embora, 1978 a 1992, as canções fossem, igualmente, de intervenção e crítica social.

Depois da adopção do novo sistema político em Angola (o multipartidarismo), como resultado das primeiras Eleições Gerais, em 1992, o Carnaval passou a ser inserido no calendário litúrgico.

No seu livro “Carnaval: A Maior Festa do Povo Angolano”, Roldão Ferreira, compositor, que cresceu e viveu no histórico Bairro Operário, apesar de ter nascido no Lobito em 1940, explica que o Entrudo teve sempre a sua maior força em Luanda, sobretudo na faixa litoral, ou seja, entre os ilhéus.

A primeira edição do Carnaval em Luanda, realizada a 27 de Março de 1978, teve como vencedor o União Operário Kabocomeu, do Sambizanga, fundado a 2 de Janeiro de 1952.

O grupo dançou kazukuta, numa altura em que muitos acreditavam que o título iria para os grupos da faixa litoral, dominada pelos ilhéus, mais habituados à festa.

Na segunda edição, a expectativa dos ilhéus voltou a esmorecer. O vencedor da festa, realizada em 1979, foi o União Feijoeiros do Ngola Kimbanda, do município da Samba, hoje extinto. O grupo era formado por oriundos de kaluandas, que tinham como principal actividade a pesca.

Só na terceira edição é que os ilhéus conseguem se afirmar, através do União Mundo da Ilha, fundado em 1968.

Nesta edição, realizada em 1980, na altura já sob a denominação Carnaval da Vitória, o União Mundo da Ilha conquistou o seu primeiro título, o que o inspirou e até hoje é a maior referência do Carnaval de Luanda.

O grupo União Mundo da Ilha, do distrito urbano da Ingombota, lidera a galeria dos vencedores do Carnaval de Luanda, com 14 títulos, depois da realização da  45 edições.

———————————————————————————

Curiosidades do Carnaval de Luanda

O Carnaval de Luanda, reputado como evento cultural mais notável da urbe, tem, para além da exuberância das danças e o ritmo da percussão, o colorido dos trajes e uma série de personagens irreverentes que comandam o compasso dos foliões.

A marcha intertextual que se expressa nos passos do Semba, da Kazucuta, da Dizanda, da Cabetula, da Cabecinha, obedece uma harmonia ensaiada ao rigor.

A Corte

Encabeçada pelo Rei e Rainha representa o poder do grupo, realça a sua pujança em palco.

Pela sua presença, consegue-se sentir a força do grupo, afirma António Oliveira “Delon”, conhecedor profundo da história do Carnaval de Luanda.

É na corte onde se encerra todos os segredos do grupo.

Entre as suas vestes, a coroa é um elemento fundamental. Independentemente do tipo do tecido, a ornamentação com bijuterias como  missangas, pulseiras, colares, para além de franjas metalizadas, por vezes ouro, fazem a diferença.

Comandante e chefes de alas

Personagem que tem a missão de dirigir com êxito o desfile do seu grupo, definindo o compasso dos movimentos.

Os chefes de alas ou fiscais são os assistentes do comandante, sendo os seus olhos e ouvidos mais próximos, cuja missão e prestar atenção aos sinais gestuais e ao soar do apito.

Ficam divididos em duas alas ou seja nas filas de danças e na falange de apoio. O seu traje não difere muito do comandante, com a diferença de que não deve ser acondicionado de forma extravagante, nem com exageros nos adornos.

As diferenças com as filas ou alas fiscalizadas baseiam-se nas cores, penteados extravagantes ou dançarinos que mais se destacam no grupo, escreve a investigadora Lartiza Salomé num artigo publicado pela revista Entrudo.

Os personagens das alegorias

Estes personagens situam-se na alegoria e são os responsáveis de narrar o enredo, de forma a fazer perceber o que grupo sugere, para alertar, divertir ou homenagear dentro do desfile.

Por isso, estes personagens não são estáticos, variam em função da história ou fábula a contar.

Geralmente os temas tratados estão intrinsecamente relacionados a factos sociais, culturais e políticos actuais que inquietam os grupos no particular e, no geral, a sociedade.

Intérpretes e instrumentistas

O músico dá voz a letra que traz a mensagem, mediante uma entoação harmónica ao som do batuque, reco-reco, dicanza  do kisanji, a Mpuita, entre outros, meios da precursão julgados necessários, tocados pelos instrumentistas.

O seu vestuário não contém muita exuberância porque não se encontram em zonas de grande referência no desfile.

Ao contrário dos instrumentistas, o cantor apresenta um traje exuberante e mais luxuoso possível, para atrair a atenção de todos, não só pela voz e tema da música que traz, mas por se situar no centro do grupo a desfilar.

Apresenta-se com os trajes característicos de cada dança, só com cores diferentes em relação aos demais elementos do grupo.

Bessangana

Personagem que, na sua maioria, são mulheres, emprestam um colorido agradável às alas dos grupos carnavalescos, tanto infantis como adultos.

Entram para a pista em transe/possessão (estado que permite comunicar-se com os espíritos dos antepassados) no passo da dança.

Vestem-se com trajes tradicionais, com predominância para os trajes de cores vermelhas ou panos ilundo, como é conhecido tradicionalmente, que representam o ritual xinguilamento (dança que permite acalmar e pedir bênção dos espíritos para que o desfile corra sem qualquer tipo de impendimentos).

Quintandeira-zungueira e pexeiras

Formam um grupo que se posiciona depois das filas dos dançarinos. Levam quinda/bacias de fruta, legumes e peixe à cabeça.

Usa pano para cruzar sobre o ombro, dois a três panos na cintura, sandálias ou pés descalços.

Maquilhagem

É um elemento que completa o vestuário. Por ser uma ferramenta importante não deve desmerecer a atenção dos grupos, tendo em conta as regras do desfile, sem deixar de parte a sua criatividade.

Claque de apoio

Estes personagens não detêm grande “notoriedade” no desfile, mas é muito importante a sua presença no final do grupo porque representam o amor, apoio e consideração de familiares, amigos, vizinhos, fãs e simpatizantes que vêm brindar o tributo ao grupo que desfila.

——————————————————————————

Carnaval de Luanda completa 46 anos de existência

Oficialmente reconhecido em 1987 como “Carnaval da Vitória” ou o Entrudo de Luanda, vai já na sua 45ª edição da festividade popular que ocorre anualmente.

Introduzido pelos colonizadores portugueses, esta brincadeira popular ganhou espaço na sociedade angolana, em particular na província de Luanda, com os desfiles dos grupos carnavalescos a nível dos bairros, avenidas e ruelas, arrastando consigo foliões por onde passavam.

Hoje com um design muito diferente das primeiras danças que marcaram a época, o Entrudo de Luanda acontece de 10 a 12 de Fevereiro, na Nova Marginal, avenida Dr. António Agostinho Neto, com o desfile das classes Infantil, B (adultos) e A (adultos).

O grupo União Mundo da Ilha, do distrito urbano da Ingombota, continua a liderar a galeria dos vencedores do Carnaval de Luanda, com 14 títulos, uma vez que a 43ª edição em 2021 e 44ª em 2022, foram realizadas no formato especial devido a Covid-19.

As edições 43ª  e 44ª foram realizadas no formato virtual atendendo a pandemia da Covid-19, cujo acto não foi de carácter competitivo.

Já a edição de 1993 não foi realizada devido ao conflito armado.

A última edição do Carnaval de Luanda foi vencida pelo grupo União Recreativo do Kilamba, do distrito do Rangel, com a dança Semba, seguido pela União Jovens da Cacimba e União Kiela.

O grupo sensação do Entrudo de 2023, foi o União povo da Quissama, com a apresentação do estilo de dança Sambalage, uma dança típica da região, tendo ficado na quinta posição.

————————————————————————————–

União Recreativo Kilamba revalida título

O Grupo União Recreativo Kilamba, do distrito do Rangel, venceu a classe A do Carnaval de Luanda, edição 2024, com 896 pontos, cujo desfile aconteceu na Nova Marginal, depois de já o ter feito em 2023.

Em segundo lugar ficou o Grupo União Mundo da Ilha, com 864 pontos, e em terceiro o União Kiela, com 790 pontos.

O primeiro classificado da classe A recebeu o prémio no valor de 15 milhões de Kwanzas, ao contrário dos cinco milhões do ano de 2023. Ao segundo classificado coube a quantia de 10 milhões de Kwanzas, enquanto o  terceiro recebeu cinco milhões.

O União Recreativo do Kilamba  regressou, este ano, com o seu semba na ponta do pé, com um enredo que ressaltou as potencialidades agrícolas do país, um elemento essencial para diversificação da economia.

Com Dom Caetano a assumir a canção, o União Recreativo Kilamba consumou a estreia de Mony de Oliveira no comando, rendendo o destemido Poly Rocha. Mony de Oliveira mostrou-se seguro e confiante, sinal de que o legado foi bem transmitido. O grupo mantém uma forte aposta na modernidade do Carnaval de Luanda.

O grupo carnavalesco União Recreativo do Kilamba é  detentor de três títulos na classe A (2018), (2019) e (2023).

Na classe B, conquistou o primeiro e segundo lugares em 2016 e 2017, respectivamente.

Sobre o autor

figurasnegocios

Deixe um comentário