Por: Édio Martins
(edio.martins@netcabo.pt)
Há, também, um cheiro fraco de plástico quente deixado ao sol, vindo dos placards colocados para marcar a contagem regressiva para o aniversário de cem anos da cidade em 2013. Eles não funcionam mais, excepto pela faixa de luz piscante a meio caminho do chão, uma indicação precoce, ao embrenharmo-nos na cidade, se há ou não electricidade.
Seguindo o nosso caminho, nós passamos pelo porto, onde a maquinaria para as plataformas de petróleo que bombeiam a economia é fabricado ou reparado e que sempre cheira a óleo e a fumaça de escape dos camiões, que carregam equipamentos para dentro e para fora. Nossos narizes entopem com a poeira do cimento e não podemos evitar a tosse.
Ao longo da estrada principal está a Rotunda do Africano, marcada por uma estátua, em cimento rosa, do símbolo da cidade: o flamingo. As “Hiace” azuis e brancas, chamados candongueiros, transportam pessoas entre a cidade formal, próxima ao mar, e os morros acima dela, onde as construções são aleatórias e as “mansões” inclinam-se sobre casas feitas de blocos de cimento e cobertas com chapas de zinco.
Dentro dos candongueiros, as geografias do movimento humano misturam-se num ensopado fétido criado por corpos compactados uns ao lado dos outros. Tácticas subtis de batalha são utilizadas por muitos, no esforço de evitar ficar colocado ao lado do quase inevitável balde plástico de peixe fresco (ou não tão fresco assim).
Na zona mais alta da cidade, um enorme elefante de betão com uma tromba que funciona como um escorrega, oferece sombra aos madiés, aos moto-táxis e às crianças sorridentes que correm como formigas pelas suas costas.
Aqui, a respiração da cidade sobe às manhãs e noites, quando se cozinha em casa onde bué de serpentinas anti-mosquito “leão” repelem a ameaça sempre presente da malária. Os vizinhos descansam juntos, bebendo cerveja, comendo funge e frango com ginguba, temperado com gindungo.
A poeira obstrui as narinas com o cheiro da terra desidratada. Ela está em todo lugar: novas escolas sendo construídas, andar por andar, além de novas casas. Cada saco de cimento lançado ao chão deixa uma nuvem no ar a ser inalada. No centro da cidade, trabalhadores reabastecem os seus corpos na mágica pastelaria (e tudo o mais…) Áurea, onde o odor do açúcar permanece no ar a quarteirões de distância. Durante a guerra, o velho Almeida nunca parou de produzir bolos. Isso foi considerado um acto de heroísmo cívico. Dizem-nos que ele “é mais angolano que os angolanos” aos olhos da população da cidade, e Portugal é uma nota de rodapé na sua história.
Agora, vamos para o mercado Chapanguela, onde está o cheiro de roupas velhas, lama e suor dos vendedores sentados sob o sol, de carne e vegetais fermentando, de camadas de comércio global sobrepondo-se: óleo de palma e atum enlatado de Jacarta, artigos electrónicos de Guangzhou, partes de motor de Déli – todos cheiram a metal quente. Mais pungentes são os odores de abacaxis e cabras…
Notas húmidas de kwanzas retiradas de bolsos próximos à pele entregam o odor subtil de centenas de pontas de dedos, e dezenas de palmas das mãos. Estamos juntos
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