A (pouco e nada) recente crise entre o Burundi e o Ruanda (Wendy, 2024), traz, de novo, à colação um problema que tem a sua ancestralidade na colonização germano-belga e o seu ponto principal de ruptura com a 2ª Guerra do Congo.
PAUL KAGAME NA CRISE ENTRE
BURUNDI E RUANDA OU O DOMÍNIO DO
HEARTLAND AFRICANO EM CAUSA?
Mas não só. Aliado ao referido problema antro-colonial há uma figura que se perfila como uma das personalidades mais importantes, ainda que não pelas melhores razões, na crise latente entre burundis e ruandeses, neste caso particular, e a situação periclitante na Região dos Grandes Lagos, ou seja, no grande Heartland (no coração) Africano (Mackinder, 1996 & Almeida, 2022).
Sintetizemos este período para melhor procurarmos entender quais os meandros antropológicos, históricos e políticos que estão subjacentes a esta crise mais recente entre os dois antigos territórios do Reino Urundi:
- A colonização germânica dividiu o Reino em dois territórios, sendo um dito de Reino de Burundi e o outro de Ruanda, sem ter em conta a distribuição étnica – no reino havia 3 povos, os hutu, os tutsi e os tuá (ou pigmeus) – situação que foi mantida pela Bélgica quando a Sociedade das Nações (SDN) lhe entregou a administração sob Tutela, destes territórios;
- Entre Abril e Julho de 1994 acontece o desastre aéreo em Kigali, Ruanda (6 de Abril de 1994) – na realidade, um atentado (BBC News, 2019), –, primeiro, com a morte dos presidentes Cyprien Ntaryamira (Burundi) e Juvénal Habyarimana (Ruanda) – ambos de origem hutu – e, depois, a sequência de genocídio de tutsi por parte de movimentos paramilitares hutu – os Interahamwe –, levando alguns refugiados tutsi a fugirem para o então Zaíre (actual RDC); o fim desta revolta hutu aconteceu com a vitória da Front Patriotique Rwandais (FPR), co-fundada por Fred Rwigyema e Paul Kagame e liderada por este – a formação guerrilheira de Kagame aconteceu no grupo guerrilheiro ugandês National Resistance Army (NRA) que lutou contra o então presidente Milton Obote –; destes refugiados há que destacar, os Banyamulenge (tutsi de ascendência ruandesa (a maioria), burundi e tanzaniana) e os Banyarwanda (que agrupa povos Hutu e Tutsi que, inicialmente, pertenciam ao Reino Urundi e após a 1ª Guerra Mundial, passou a ser território congolês);
- Entre 1996-1997, ocorre a 1ª Guerra do Congo que leva à deposição de Mobutu Sese Seko e a ascensão de Joseph Kabila;
- Entre 1998 e 2003, há a 2ª Guerra do Congo, também dita de Grande Guerra Mundial Africana – pelo número de países, incluindo não africanos, e combatentes e terreno –, que, em grande parte, se deveu a uma medida governativa de Kabila Kabangu (Kabila Filho) e que levou a uma intervenção armada ruandesa, liderada pelo, então, vice-presidente ruandês, mas considerado como o verdadeiro homem-forte do país, Kagame, contra a RDC. Iniciando-se um conflito “permanente” (Kundy & Monteiro, 2022);
- Em Abril de 2002, há um “armistício forçado” assente nos Acordos de Sun City (África do Sul) meados por Thabo Mbeky, e onde o Ruanda é dado como agressor e o seu, então líder, visto como um derrotado; o líder era – e ainda é –Kagame.
Kagame, ainda que nunca o tenha referido oficialmente, sempre viu Angola como o principal responsável pela derrota militar na 2ª Guerra do Congo.
Se há algum líder que tem mostrado que não admite subalternizações e, ou, obediências a terceiros, esse líder tem o nome de Kagame, que de um chefe guerrilheiro da FPR que esteve na guerra-civil interna e se tornou, chefe de governo, primeiro, e presidente, depois e que ainda se mantém.
É certo que tornou o Ruanda num dos países mais “acertos” para o Mundo anda que um dos PIB não mais elevados de África (12,641 mil milhões de USD e um per capita de 939 USD, em 2022). Mas, também, não é menos verdade, que a sua gerência se pauta por uma ditadura, cada vez menos discreta, e que se afirma quer no combate, detenção e captura, no exterior, de opositores (algumas destas “capturas” são através de acordos que impõe, por “protocolos inquinados”, a países terceiros, como adiante, referirei), como pela “oferta” de envio de forças aramadas ruandesas para combater opositores e, ou insurgentes em países africanos, como, Somália – onde se indispôs com os militares burundis que faziam, tal como ugandeses e ruandeses, parte da força de manutenção de paz na Somália –, Benin, República Centro-Africana, Moçambique (este país é um dos que teve de assinar um protocolo que permite a autoridades ruandesas deter opositores em terras moçambicanas), o “polícia de África” (DE-MZ, 2023),.
Tendo em conta estes factos, à primeira vista, de somenos, há um que não pode deixar de ser relevado para compreender o que se passa actualmente na Região dos Grandes Lagos e, em particular, esta crise entre Burundi e Ruanda.
Como já referi, Kagame nunca digeriu bem a derrota militar dos ruandeses na 2ª Guerra do Congo. Por outro ado, e apesar dos analistas não o querem afirmar abertamente, mas aceitam-no como um princípio mais que possível, há uma vontade enorme de Kagame aumentar a superfície territorial do Ruanda, ocupando e anexando territórios limítrofes, nomeadamente, e em particular, territórios da RDC, onde existem – e sempre existiram – populações tutsi – um facto que mostra que a História, não só se pode repetir com outras personalidades, como ela está a ocorrer, na Europa, em uma situação análoga.
As regiões congolesas democráticas Kivu Norte, Kivu Sul e Província Oriental são nas que mais ocorrem distúrbios terroristas e que, como já foi afirmado pela ONU, têm a presença de forças ruandesas a combater junto de algumas das forças terroristas a operarem na RDC, nomeadamente, os terroristas do M23, de origem maioritária tutsi (AFP|Lusa, 2022 e RFI, 2022).
Ora, em contrapartida o Burundi disponibilizou tropas suas para ajudar a RDC no combate aos terroristas, pelo que o confronto entre burundis e ruandeses que estavam a ocorrer na RDC parece estar a se transferir para território do Burundi.
Se a isto untarmos que os líderes burundis são hutu e a liderança do Ruanda é tutsi, então pode-se perceber que esta “panela de pressão” poderá estar em vias de explodir.
As recentes manifestações anti-americanas e anti-francesas, bem como contra a comunidade internacional, em geral, por não estarem a apoiar, abertamente, a RDC, bem como o “desprezo” de Kagame para o que se passa no Heartland Africano, aliado à pouca eficácia da diplomacia angolana em conseguir travar estes desenvolvimentos militarizado, está a tornar esta região como uma das mais problemáticas, não só em África, como, e em especial, pelo facto desta região ser das mais ricas – em mineral – do Continente Africano e colocar países dependentes de alguns destes minérios – tendo em conta que a outra área mais rica, se chama Rússia – em situação crítica, como impacto na economia mundial.
Talvez por isso, a África do Sul tenha decidido enviar tropas para combater os insurgentes congoleses (Bordalo, 2024) e, por extensão, certamente salvo se houver um arrepio do Ruanda, as forças externas que estão a ocupar parte da RDC.
A situação no Heartland/Grandes Lagos, em geral, e da RDC, Burundi e Ruanda, em particular, vão depender da vontade bélico-expansionista de Kagame. Mas isto também vai depender de como os Africanos começarem a perceber quais as linhas mestras deste presidente.
Vamos aguardar que a 37ª Conferência e Chefes de Estado e de Governo da União Europeia, a realizar entre 16 e 19.Fevereiro.2024, deixe de se debruçar, unicamente, em questões como reformas internas e Agenda 2063 e debata – há presidentes, como o de Cabo Verde que já afirmaram levarem o assunto à Cimeira – matérias importantes como a Segurança, Conflitos e Crises políticas no Continente, tema que Kagame, quando foi presidente em exercício da UA, evitou que fosse tratada. Não esqueçamos que o Comité Executivo da UA, em meados Fevereiro, estava quase a chegar a acordo sobre a alteração da composição do futuro Conselho de Paz e Segurança e este tem como finalidade as questões de Segurança.
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