Albino Malungo é embaixador de carreira de Angola na República da Zâmbia. Antes, representou o país na República da Coreia do Sul, no Japão e Arábia Saudita que saiu nomeado pelo Presidente da República João Lourenço, como Embaixador plenipotenciário de Angola na República da Zâmbia.
Poliglota, Malungo serviu o governo central, como primeiro, vice-Ministro e depois Ministro da Reinserção Social, pelo que tem experiência na governação local e no estrangeiro.
Pedimos para fazer uma entrevista e Albino Malungo acedeu mas pediu um questionário para responder.
A entrevista que se sucede
Por: Victor Aleixo /Fotos: Arquivo F&N
O meu primeiro cargo no Governo saído das Eleições Gerais de 1992 foi o de vice-Ministro da Assistência e Reinserção Social. Nessa altura eu exercia as funções de Secretário-Geral da Acção Angolana para o Desenvolvimento, (AAD), a primeira ONG de ajuda ao Desenvolvimento criada em Angola e que era liderada pelo saudoso Eng Pedro de Castro Van-Dúnem Loy. Em Março de 1994, fui nomeado titular da pasta do MINARS, cargo que exerci com bastante zelo e dedicação. Tenho inúmeras experiências relativas ao elevado sentido de solidariedade e de resiliência do povo angolano, do papel do MINARS e parceiros naquela difícil etapa da nossa história em que tínhamos milhões de pessoas em situação de alto risco e, contra todos os riscos e obstáculos era necessário assegurar o dever do Estado de assistência social e da protecção civil a todos os cidadãos sem excepção. A sociedade e as novas gerações sobretudo, devem saber como foi possível coordenar todo um trabalho de assistência humanitária a mais de 7 milhões de pessoas sendo mais de um milhão e meio, crianças em situação difícil, como foram os programas de reintegração social dos deslocados, desmobilizados e retornados, as crianças-soldado; o que foram os corredores humanitários, os programas de localização familiar, mães tutelares, famílias substitutas, crianças de e na rua, programas de leite e papa e a desminagem humanitária com experiências muito eficazes de criação de ratos para a localização e remoção das minas antipessoais e a assistência às vítimas das minas. Tivemos experiências interessantes no quadro da assistência de emergência às populações sitiadas, chegando a fazer 16 a 20 voos com bens diversos por dia para as cidades do Kuito, Huambo, Malanje, etc. durante vários meses. Conheci, nesses 8 anos, muitos colaboradores que foram heróis anónimos que a história deverá reconhecer. A delegação de Luanda chegou a receber e encontrar soluções alternativas para o alojamento, apoio alimentar e até mesmo de escola, cerca de 1000 pessoas por dia em 1998.
Após o fim da guerra, o Chefe de Estado indicou-me para outra função dentro do Governo que declinei, pois, precisava descansar depois de quase 10 anos de trabalho muito intenso e, dedicar-me a reestruturação da Cruz Vermelha de Angola de que era presidente e dedicar-me para a conclusão do meu Doutoramento. Ao contrário de alguns Camaradas meus, o Chefe de Estado entendeu a minha posição, tendo me colocado como administrador não executivo na Fina Petróleos de Angola onde permaneci até princípios de 2006, altura em que fui acreditado Embaixador no Império do Japão.
O Japão e a Coreia do Sul deram-me a oportunidade de conhecer a cultura asiática e encontrar algumas semelhanças com a cultura africana e perceber que existe uma certa aproximação natural. Angola é um País bem-vindo nesses países e os seus líderes muito Bem acolhidos. Conseguimos construir boas relações que nos ajudaram a colocar alto o nome do nosso Pais e a obter financiamentos para projectos de grande envergadura como portos, indústria têxtil e de cimento, para além de outros de pequena dimensão. Aprendemos que a valorização da cultura de um povo, o respeito aos usos e costumes são um elemento essencial para o desenvolvimento económico de um país. Aprendi, cresce de forma sustentável quem valoriza a sua identidade e a coloca no centro dos seus planos de desenvolvimento. A mesma experiência vivemos nos Emirados Árabes Unidos.
A representação junto do IRENA foi uma excelente oportunidade para o exercício da diplomacia multilateral e com o apoio competente e permanente do Ministério da Energia e Águas dar a conhecer o grande trabalho que o Executivo liderado por S. Exª o Presidente João Manuel Goncalves Lourenço tem levado a cabo em Angola no domínio energético e sobretudo na produção da energia limpa. O nosso País tem se convertido, nos últimos anos, em um actor e parceiro credível no âmbito da política global no domínio da conversão energética.
A crise financeira mundial de 2008 que levou à bancarrota instituições financeiras de renome mundial e ameaçou a existência até de certos países não me permitiu realizar os grandes sonhos que tinha enquanto Governador do Huambo, a Província que me viu nascer. Houve grandes perspectivas com as visitas de grupos empresariais do Japão, da Coreia, Portugal e dos Estados Unidos e de empresários nacionais. Foram desenhados planos de geminação com cidades e universidades importantes, mas o facto de não ter sido também o líder partidário na Província limitou o meu poder e inviabilizou a minha permanência à frente da Província que eu sabia estar em condições contribuir para entrar na rota da reconstrução e desenvolvimento. Considero este um dos momentos tristes da minha carreira política. Não tive o dito jogo de cintura.
Embaixador na Zâmbia – Essa é especulação de alguém que não conhece o meu orgulho de ser Africano e a admiração que eu tenho por Países como a Zâmbia que não perdeu a sua identidade apesar da colonização. Trata-se, talvez, de alguém que não conhece a minha lealdade ao MPLA e ao Chefe de Estado, o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, que é baseada em princípios inalienáveis e se fundamenta em bases de história e de ideologia. Foi o MPLA que me enviou para o exterior para cursar Direito Internacional Público e me especializar em Diplomacia. O Diplomata é como o soldado: não escolhe a posição na frente de combate.
Acho que vi um artigo a dar tais indicações, mas é pura maldade ou epilepsia jornalística de que eu não posso ser o anti-histamínico. A Zâmbia é um País irmão que comparte laços de consanguinidade, história e de solidariedade desde sempre. Em 1964, foi uma certeza para a nossa luta de libertação contra o colonialismo. A Zâmbia é um país vizinho que sofreu connosco, acolheu os nossos combatentes e os refugiados nos momentos mais difíceis. Vivem hoje no seu território perto de 100 mil angolanos.
Pessoalmente, tenho relação com a Zâmbia desde os anos 80. Não foi por acaso que o Chefe de Estado Angolano me integrou na sua delegação por ocasião da assinatura do Protocolo de Lusaca em 1994.
Sua Excelência o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, teve a amabilidade de explicar-me pessoalmente a sua grande visão sobre as relações com esse país irmão. Tenho muito orgulho em servir o meu país a partir da Zâmbia onde exerço as funções de Embaixador e sou grato a sua Excelência o Presidente da República, por me dar essa oportunidade.
Línguas – -As línguas são um importante meio de comunicação é um instrumento de trabalho essencial para os diplomatas e não só. Eu dedico-me ao estudo de línguas desde a tenra idade. Estudei e trabalhei em vários Países, tendo-me interessado em estudar as línguas locais para melhor entender a cultura, os usos e costumes dos seus Povos. Enquanto embaixador nos Emirados Árabes Unidos fui estudando as línguas Árabe e Hebraico, para compreender, por exemplo, os fenómenos religiosos do Islão e da Bíblia. Já recebi um certificado do Israel Instituto of Biblical Study por ter aprovado a primeira fase do estudo do Hebraico.
Sobre as relações políticas e de proximidade – Angola e a Zâmbia partilham uma fronteira de 1.110 km e laços históricos de amizade, solidariedade, consanguinidade, apoio político-militar e diplomático particularmente durante a luta de libertação nacional. A partir de 1964, a Zâmbia foi uma certeza para os angolanos de que a independência seria um facto., tarde ou cedo. Os dois países assinaram em Maio de 1976, o Acordo geral de cooperação que ganhou um grande impulso nos últimos 5 ou 6, anos, graças a visão do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço que aproxima Angola da África, tornando Países como a Zâmbia parceiros estratégicos para o desenvolvimento da nossa economia, a estabilidade, a paz e o intercâmbio regional. Existe uma agenda muito dinâmica na relação entre os dois países. Foram recentemente assinados acordos nos domínios da agricultura, transportes, comércio, saúde, energia, etc. que reforçam as relações dos dois países. Foi estabelecida a livre circulação entre os dois países que vai facilitar as relações entre as pessoas, o comércio e o intercâmbio de uma forma geral. Recentemente, acompanhei sua Excelência o Governador do Moxico, o Dr Ernesto Muangala, na visita que efectuou a Solwezi para discussão e aprovação de uma agenda de cooperação trilateral entre a sua Província e as duas zambianas fronteiriças. Pela primeira vez na minha história teremos Províncias na linha da frente de cooperação entre dois países. O transporte ferroviário, ou seja, o Corredor do Lobito será uma plataforma que estimulará a cooperação regional, o intercâmbio comercial e o desenvolvimento de todos os países que o compõem, ou seja Angola, Zâmbia e RDC, que verão o seu PIB muito maior que actualmente. Felizmente, os três líderes e seus Governos têm no corredor do Lobito uma das prioridades da sua agenda económica. Foi assinado em Janeiro do ano em curso o Acordo de Facilitação do Transporte de Trânsito do Corredor do Lobito (LCTTFA) pelos três Estados Membros.
Mudanças de Governo na Zâmbia – A Zâmbia é uma democracia sólida e com eleições regulares. Em Agosto de 2021, foi vencedor das eleições o Partido UNDP que por mais de duas décadas esteve na oposição. O Presidente Hakainde Hichilema, eleito o sétimo Presidente da República, no discurso de tomada de posse, declarou ser prioridade da sua governação, o combate à corrupção e outros males que enfermavam a Nação, tal como o nepotismo, o tribalismo e o racismo. Tenho acompanhado com satisfação a acção governativa e sobretudo a dedicação do Executivo do Presidente Hakainde Hichilena a troca de experiências e a cooperação com o nosso País. A estratégia política da Zâmbia assemelha-se a adotada por Sua Excelência, o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço.
A Zâmbia possui uma instituição vocacionada para o combate à corrupção chamada Comissão Anticorrupção, (AAC), que defende que os Altos Funcionários do Governo devem fazer uma Declaração dos seus bens, como um passo crucial para abordar a tendência preocupante de riqueza injustificada. O ACC sublinha a necessidade de aumentar os esforços na luta contra a corrupção, alinhando com os objectivos delineados no Plano de Desenvolvimento Nacional, bem como a urgência de recuperar os bens públicos e os recursos nacionais roubados, destacando a importância de medidas sólidas para combater eficazmente à corrupção. Também no domínio do combate a corrupção os dois países estão alinhados.
África marasmo – Eu acho que o nosso Continente começou a sair do marasmo faz tempo. Se verificarmos atentamente a Agenda 63, veremos que o continente ganhou consciência que deve contar em primeiro lugar consigo próprio para sair do subdesenvolvimento. Temos ainda alguns casos que me entristecem, mas se olharmos para os grandes investimentos que países como o nosso estão fazendo por exemplo no domínio da igualdade do género ou se quiser, promoção da mulher, um elemento essencial para o desenvolvimento, no domínio da educação, no domínio da saúde, agricultura, energia e água, ambiente, direitos humanos e na preservação das conquistas democráticas, veremos que estamos na rota do desenvolvimento. Organizações multilaterais africanas estão apostadas no fortalecimento do intercâmbio comercial, cooperação cientifico-técnica entre países africanos, no livre comércio, livre circulação de pessoas e bens e, na integração económica sobretudo regional. O Corredor do Lobito, essencial para a exportação de cargas de grande dimensão dos Países que o compõem, a eleição do nosso Presidente como Campeão da Paz em África, dada a nossa experiência em construir a paz, são outros exemplos de que finalmente temos uma África que começa a acreditar em si mesma, a desenvolver a sua cultura e a respeitar os seus usos e costumes. A diversificação da economia, o incentivo à produção alimentar, o encorajamento para o surgimento de uma classe empresarial privada comprometida com o desenvolvimento do País, e a estabilização a que assistimos hoje no nosso País e noutros, é outro exemplo de que estamos determinados a deixar de importar aquilo que podemos produzir e a exportar produtos africanos com capacidade competitiva para mercados internacionais. Angola é actualmente um grande exemplo aposta na independência económica que a Africa precisa com urgência e tem consciência disso.
O programa de cooperação entre os dois países tem sido liderado pelos dois Chefes de Estado de Angola e da Zâmbia. Veja quantas vezes Sua Excelência, o Presidente Hakainde Hichilena se encontrou com Sua Excelência o Presidente João Lourenço nos últimos 2 anos. Eu apenas tive a honra de ser recebido pelo Chefe de Estado angolano, Sua Excelência o senhor João Manuel Gonçalves Lourenço, e ser instruído sobre o programa de cooperação com a Zâmbia. Eu tive de igual modo a oportunidade de ser recebido pelo Chefe de Estado zambiano, Sua Excelência o senhor Hakainde Hichilema no mesmo sentido. Sou, Ipso facto um Embaixador privilegiado que tudo fará para não defraudar as expectativas de reforço da cooperação multidisciplinar e da fraternidade entre duas nações condenadas pela geografia e pela história de serem irmãos, Angola e Zâmbia.
Passatempo preferido: Leitura, música quer seja áudio, guitarra ou piano
Desporto favorito como praticante de Golf.
O animal preferido para criação é o cão. Tenho vários.
Moda: Adoro moda africana.
Atenciosamente Dr. Albino Malungo
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