Segundo informações avançadas pela agência France-Presse (AFP), o Ruanda está disposto a assinar, já em junho e nos Estados Unidos, um acordo de paz com a República
Democrática do Congo. O anúncio representa uma viragem inesperada, tendo em conta a postura reiterada de
Kigali em negar qualquer envolvimento no conflito e em rejeitar a mediação africana, nomeadamente a conduzida por Angola.
Durante meses — senão anos — Angola investiu o seu capital diplomático na tentativa de estabelecer pontes entre as partes. Fê-lo com seriedade, visão continental e, sobretudo, um compromisso profundo com a paz na região dos Grandes Lagos. Contudo, o Ruanda, embora frequentemente apontado por organizações internacionais como parte envolvida, manteve uma postura de negação e desinteresse diante dos esforços africanos de mediação. O que nos leva a perguntar: por que razão o mesmo Ruanda que se mostrava ausente e evasivo em fóruns africanos, agora aceita dialogar num palco internacional como os Estados Unidos?
A resposta pode estar no valor simbólico que muitos países africanos ainda atribuem ao olhar externo.
Quando a mediação vem do Norte Global, ganha legitimidade. Quando parte de uma nação africana, ainda que com capacidade e neutralidade, é frequentemente desvalorizada. Isso diz muito sobre a nossa crise de confiança institucional e política dentro do próprio continente.
Esse episódio não é apenas uma manobra diplomática. É um sintoma.
O sintoma de uma África que ainda duvida de si mesma, que hesita em confiar nas suas próprias ferramentas de resolução de conflitos, e que, por vezes, prefere assinar acordos perante câmaras internacionais do que enfrentar as suas responsabilidades no seu próprio chão.
Angola, neste processo, não perdeu. Ganhou. Ganhou autoridade moral, coerência e a certeza de estar do lado certo da história — o lado que acredita numa paz africana construída por africanos. Mas a atitude do Ruanda deve servir como alerta: enquanto não formos os primeiros a valorizar os nossos processos, continuaremos a ser espectadores da nossa própria narrativa.
A paz assinada nos Estados Unidos pode até resolver formalmente parte do conflito. Mas a verdadeira reconciliação só nascerá quando houver honestidade, coragem e respeito mútuo dentro de casa. A África precisa de raízes firmes, não apenas de aplausos externos.
Por Carla Torrão (Politóloga)
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