ÁFRICA PRECISA DE NOVA LIDERANÇA CAPAZ DE PROTAGONIZAR MUDANÇAS NO CONTINENTE
A África necessita com urgência de líderes jovens, abertos e capazes de protagonizarem transformação e mudança no continente negro, apostando ao mesmo tempo na exploração de gás e petróleo, na massificação do uso de energia renovável e no desenvolvimento da agricultura e dos recursos humanos. Esta reflexão parte do antigo ministro cabo-verdiano José Brito e do docente da Universidade de Cabo Verde João Paulo Madeira, quando questionados pela revista Figura & Negócios sobre que medidas que a África deve tomar para atenuar o impacto negativo da guerra da Ucrânia e da pandemia de covid-19, principalmente a nível da segurança energética e alimentar.
Texto Alírio Dias de Pina
Fotos Arquivo FN
José Brito, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros e da Economia, conhece bem a África, onde viveu e trabalhou em refinarias de petróleo. Fez questão de contextualizar que há uma divisão internacional de trabalho extremamente injusta, que não favorece a África: produz-se a matéria-prima e fabrica-se o produto final que é colocado no mercado mundial com um preço fixo. «Foi assim no período colonial e continua agora com as guerras ou invasões. O mundo tem de se sair desta divisão internacional do trabalho injusto. Faz-se uma governança internacional de acordo com esta prática. Mas hoje em dia está-se pôr em causa essa governança internacional, baseada nas Nações Unidas, no Banco Mundial, no FMI, na OMC, etc. Estas instituições estão a perpetuar esta situação. Tem de haver grandes forças atrás de tudo disso, visando lutar e impor mudanças a nível mundial”, sublinhou.
O entrevistado da F&N fala também da divisão internacional do saber, que, segundo ele, é uma nova revolução através das grandes plataformas digitais, como Google, entre outras, que dominam o mundo. «Podem até influenciar eleições, através da inteligência artificial. A África tem que pensar em como ele próprio deve organizar o saber, através das universidades», sublinha, alertando que tem ainda de melhorar a governação dos estados africanos, com base na realidade concreta de cada país e não com a visão imposta pelo ocidente.
Mas José Brito destaca que a preocupação principal tem a ver com a ausência de uma liderança forte e capaz da África. «Mas para mim a preocupação principal é que não temos líderes africanos capazes de protagonizarem essas transformações. Transformar é ter algo diferente do que temos hoje. Não é a continuação do `status quo ´ de hoje. É uma ruptura com o sistema atul. Como a Africa está hoje não pode ficar. A sociedade civil africana está à procura de líderes jovens, inteligentes e abertos, mas com uma nova estratégia para a transformação e mudança da África», defende.
Consequências da crise e resposta global da África – Detendo-se sobre as crises provocadas pela pandemia de Covid-19 e guerra na Ucrânia, José Brito alerta que elas só vêm mostrar os problemas que já existiam, pondo em evidência o sistema mundial injusto que não favorece a África. «Veja o que aconteceu quanto à dificuldade de acesso às vacinas pelos países pobres», exemplifica.
Quanto à guerra em si da Ucrânia, defende que estamos a pagar as decisões não da invasão da Ucrânia, mas a maneira como o Ocidente está a reagir à essa invasão. «Tomaram a decisão do boicote da Rússia como potência, fragilizando-a ao máximo. Mas como estamos num mundo global, essas medidas não só afectam a Rússia como também o resto do planeta. O pacote de sanções sobre a energia (petróleo/gás) está impactuar toda a gente, porque ainda não foi montado um sistema alternativo ao que existe na Rússia. Ou seja, preferiu-se o boicote como medida de solução à paz no país e estamos a pagar por isso».
Brito critica que os africanos pediram cento e tal milhões de euros para lutarem contra a desertificação e não conseguiram esse dinheiro. Mas diz que o ocidente disponibilizou milhões de euros para a Ucrânia comprar armas e reconstruir o país.
Diante de tudo isto, considera que a resposta só pode ser dos africanos. «Não pode ser uma resposta isolada, só por parte Cabo Verde, porque somos pequenos. Tem que ser uma resposta global do continente africano, para podermos ultrapassar os problemas estruturais – não são mediadas que se pode tomar a curto prazo».
Já o docente da Universidade de Cabo Verde põe o foco nas primeiras consequências da guerra da Ucrânia a nível da África com o aumento dos preços nas matérias-primas. João Paulo Madeira admite, no entanto, que de momento não se sabe ao certo quais serão os impactos do Conflito Rússia-Ucrânia na segurança alimentar em África. «Mesmo os analistas mais prudentes, diante da instabilidade dos mercados financeiros internacionais, admitem que seja no aumento dos preços das matérias-primas energéticas e dos produtos alimentares, particularmente trigo, milho e girassol. Acresce ainda o facto de que os preços globais do petróleo bruto subiram, nestes últimos meses, para níveis sem precedentes. O continente africano continua ainda extremamente dependente da importação de alimentos de ambos os países, geralmente referidos como o celeiro mundial e o seu impacto decorre dos choques de preços e rupturas na cadeia de abastecimento dos produtos anteriormente referidos».
João Paulo Madeira revela que a Rússia e a Ucrânia são responsáveis pela exportação de trigo e óleo de girassol para países como Argélia, Egipto, Líbia, Marrocos e Tunísia no norte de África, Nigéria na África Ocidental e Etiópia e Sudão na África Oriental e a África do Sul que, no total, representam 80% das importações. «À medida que a conflito se prolonga, os seus efeitos têm vindo a suscitar reações diversas. A União Europeia comprometeu-se em março deste ano a reduzir as importações de gás natural russo em dois terços no prazo de um ano através do plano RePowerEU. Esta situação poderá representar uma oportunidade para África na procura de novos investidores, a fim de aceder ao sector energético que em breve deixarão de depender da Rússia. A Europa poderá explorar directamente o gás natural africano e, deste modo, diversificar o seu abastecimento. Como resultado deste novo cenário, o continente africano poderá igualmente gerar receitas substanciais para os seus mercados internos».
Relativamente à agricultura, analisa que a redução do abastecimento alimentar e os subsequentes aumentos de preços tornam difícil o acesso aos factores de produção
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