Cultura

Cantora Vivalda Ndulo aponta falta de essência e de pureza

Escrito por figurasnegocios

“QUANDO A ARTE É BONITA… O ESPÍRITO AGRADECE!”

Texto: Venceslau Mateus
A compositora, cantora, multi-instrumentalista, dançarina e activista, Vivalda Ndula, a residir em Houston (EUA), considera que a falta de essência, de raíz e de pureza na actual música angolana a impede de “tomar de assalto” o mercado internacional.
A artista do estilo world music, argumenta que pelo que ouve e vê de originalidade no palco onde pisam Salif Keita, Dobet Gnahore, Angelique Kidjo, Sam Mangwana, entre outros, é notável a completa diferença e calibre destas estrelas, sublinhado que a forma como estes carregam orgulhosamente a sua cultura, a sonoridade e a rítmica transparece a sinceridade para o mundo, e é de invejar e um grande exemplo a seguir.
Neste mundo musical a essência, a raíz e a pureza dominam os palcos.
Durante a conversa conduzida pelo jornalista António Neto, Dula, como é carinhosamente tratada nas lides musicais americana, fala sobre a sua migração aos EUA, à pandemia da Covid-19, bem como a música angolana, onde não escondeu a possibilidade de cantar Kuduro caso seja convidada.

Figuras&Negócios – Vivalda Ndula é já um dos nomes a ter em conta na música angolana. Faça-nos, antes de mais, uma breve apresentação enquanto artista. Como começou a sua carreira?

Vivalda Ndula (VN): Sou uma artista apaixonada pela arte musical. Prezo e respeito altamente elementos da nossa raiz cultural e tradicional, que faço questão de incluir orgulhosamente na minha música.

F&N- Como foi parar aos Estados Unidos da América e a partir de que momento acreditou no seu potencial musical?

VN: Tive a oportunidade de visitar os Estados Unidos da América por dois meses, mas circunstâncias da minha vida pessoal fizeram com que ficasse por mais tempo, com planos de até dois anos, porém, na realidade se tornou permanente.

Sempre tive uma vida artística em Angola e estando aqui não foi diferente. A determinação, coragem e persistência na divulgação da cultura me levou a acreditar na exportação da nossa música.

F&N- A pandemia da Covid-19 tem, de forma muito negativa, causado inúmeras dificuldades na vida de todos. Enquanto artista, criadora e a viver num país distante, como olha para todo esse cenário?

VN: Infelizmente, a pandemia tem consumido o mundo de forma inimaginável e tem afectado internamente todos nós, com perdas de vida, dificuldade financeira, aumento de pessoas com problemas de saúde mental e outras consequências.

Ao estar longe de casa torna-se muito mais difícil saber das dificuldades dos meus próximos, pois, estar perto daqueles que amamos e nos amam faz com que as dificuldades pesem menos. Actualmente, me uno a toda minha família e aos angolanos.

F&N- Qual foi, até agora, o impacto da Covid-19 na sua carreira e vida?

VN: A Covid-19 impactou muito a minha carreira musical. A arte em todas as vertentes teve que parar completamente por falta de contacto humano, mas a criação permaneceu e continuou constantemente a compor música. A falta de shows ao vivo tem afectado consideravelmente o meu desenvolvimento artístico neste período.

Alguns shows passaram a ser activamente feitos de forma virtual, tais como festivais e a colaboração com músicos de outros países, o que mudou certamente a minha forma de lidar. Agradecer o desenvolvimento tecnológico que tem tornado possível a nossa sobrevivência artística.

F&N- Que alternativa encontrou como forma de debelar a situação de confinamento?

VN: A música. A música foi a minha terapia diária no momento em que colectivamente percebemos que mais do que nunca precisamos de outrem para melhor funcionar social e pessoalmente.

F&N- Embora distante, do seu ponto de vista, Angola está a dar boa resposta à pandemia?

VN: Obviamente que a política e o desenvolvimento de países como os EUA, Canadá, Inglaterra, é indubitavelmente diferente do nosso. Angola, assim como todos os países afectados, têm feito o que está ao seu alcance para melhor responder a esta pandemia.

F&N- Saindo um pouco do tema da Covid-19, onde vai buscar inspiração para o trabalho?

VN: Inspiro-me em todos os elementos que me fazem transbordar sentimentos de amor, compaixão e justiça social.

F&N- Sabemos que trabalha com vários artistas de renome internacional, quais foram os nomes e países de origem?

VN: Tenho tido o prazer de colaborar com excelentes músicos, tais como Emílio D. Miler e Leo Genovese (Argentina), Valerie Ekoumé (Camarões), Cirilo Fernandes (França), Rahim AlHaj (Iraque),  Paulo Stagnaro, ILya J. Kolozs e Randy Sanches (EUA), Minsung Kim (Coreia do Sul), Kdessa (Guiné Bissau), Carlos Mena (Equador), entre outros.

F&N- Que experiência adquiriu nesta interacção?

VN: Muitos destes músicos fazem tournées com artistas como Ricky Martin e Esperança Spanlding, então adquiri a melhor experiência possível, as minhas preferidas são a ética no trabalho e pessoas confiáveis. Se nos comprometermos a fazer algo para e com alguém, temos que honrar este compromisso caso contrário ficas para trás nas próximas grandes oportunidades.

F&N- Que projectos tem desenvolvido?

VN: Sou mentora para refugiados no YMCA International Services, organização no qual sou voluntária. Com novos casos a chegarem e muito mais complicados me manterei na organização para mais uma sessão anual como mentora. Estou na fase final da pré-produção do meu novo álbum.

Durante o confinamento, com a ajuda dos meus colegas de vários países, produzi o projecto “Home Recording – Pandemic session” ou “Gravações em Casa na Pandemia”, no qual começará ser lançado nas redes sociais a partir da segunda semana de Agosto.

F&N- Como está a sua carteira ou agenda de shows?

VN: Continua ainda há 95 por cento de forma virtual, tendo em consideração a nova variante do Covid-19. Aqui nos EUA, contrário da Europa, ainda existem inúmeras restrições no que diz respeito à aglomeração de pessoas em locais públicos, concertos, entre outros.

F&N- Ontem em Angola e hoje a pisar palcos internacionais. Que avaliação faz da sua performance artística?

VN: Faço o que posso para representar activamente da nossa música e cultura tradicional.

F&N- Como olha agora o mercado musical angolano, principalmente no estilo que faz?

VN: O mercado é inexistente para o meu estilo musical, razão pelo qual há pouca exportação dos artistas que o praticam, assim como Gabriel Tchiema, Jack Nkanga, Toto ST e Ndaka Yo Wiñi.

F&N- Muito se fala sobre a qualidade da música angolana produzida actualmente, havendo também quem a considere descartável. Acha justa esta avaliação?

VN: Tempos e abordagens diferentes. Existem músicas que ficam para sempre e algumas que são de temporada. Às vezes seguimos certos estilos por estar na moda, com sede de fama rápida e acabamos por perder momentos preciosos no processo de criação. E tudo parece igual. Provavelmente, esta seja a razão pela qual apreciadores de música fazem referência a este aspecto.

F&N- Será que existe uma real interacção entre os artistas angolanos?

VN: Infelizmente, não.

F&N- Será possível um dia ouvir Vivalda Ndula a interpretar uma música no estilo Kuduro, uma vez que já cantou no estilo Funk?

VN: Tudo é possível quando nos colocamos à disposição. Se algum colega do estilo Kuduro me convidar para alguma colaboração, farei questão de ouvir e se gostar, porque não? Quando a arte é bonita o espírito agradece.

F&N- Para terminar, como olha para a nova Angola, conduzida por um novo Presidente e quais pensa que devem ser as prioridades do Governo, sobretudo agora que o país vive uma das suas piores crises sociais e económicas?

VN: Todos sabemos que o país esteve muito tempo sob governação precária e o nepotismo foi uma das prioridades. A crise sócio-económico de Angola é algo que vivenciamos a vida inteira.

A prioridade é criar políticas que desenvolvam e qualifiquem a educação, saúde e emprego para os jovens, por serem estes os futuros líderes e governantes do país. É responsabilidade do governo angolano garantir as necessidades básicas humanas para uma melhor e saudável transição e melhor convivência social.

PERFIL

Nascida e criada em Luanda, Angola, Vivalda Ndula tornou-se uma das vozes da nova geração de músicos angolanos que cria um significativo impacto cultural e internacional na música angolana de hoje.

Ndula é activista, cantora e compositora, percussionista e dançarina.

Ela é vencedora de vários prémios, nomeada/finalista do StarAfrica Sound, (ISC) International Songwriting Competition e do Angola Music Awards (AMA).Ndula canta principalmente sobre o amor e a desigualdade social, particularmente em Angola.Vivalda está aumentando a consciencialização social contra o trabalho infantil, a escravidão moderna e o tráfico humano com suas canções indicadas aos prémios “Mázui” (vozes) e “Monandengue” (crianças).Em 2013 lançou o seu primeiro EP “Insanidade Mental” (Mental Insanity) que recebeu o prémio de Best World Beat Song do The Akademia Music Award com a canção “Marcas do Meu Olhar”.

Entre os seus prémios estão finalistas do Star Africa Sound, Angola Music Awards, Concurso Internacional de Composição de Canções.

Em Maio de 2015, ela lançou seu álbum solo completo chamado “África” gravado em Houston-Texas, EUA, apresentando o pianista /compositor Nu-Classical Kris Becker dos EUA e o jogador de Guzheng Shiwei Wei da China.

Sobre o autor

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