Política

O CARISMA DO PASSADO E O CHAMADO À RESPONSABILIDADE

Escrito por figurasnegocios

Falar em candidatura é prematuro.”—Fernando da Piedade Dias dos Santos, 2025, em entrevista concedida ao jornalista Amílcar Xavier.

A frase circula como um eco de tempos antigos. O sorriso de Nandó, carregado de ambiguidade, não revela se homenageia a esperança ou disfarça o incómodo. Mas traduz, com clareza, o estado de suspensão em que se encontra a política angolana: entre a memória de uma geração que exaltava o patriotismo e a perplexidade de um presente que parece ter esquecido o sentido de servir.

Detalhe: Nandó não disse que não se candidataria. Apenas sublinhou que é prematuro avançar qualquer palpite antes do processo. Segundo reportagens recentes, Fernando da Piedade está prestes a anunciar sua candidatura à liderança do MPLA, encorajado por militantes e pressionado por um ambiente político tenso. O “prematuro” soa mais a cortina do que a recusa.

O Carisma que Inspirava

Nos anos 1990, quando Angola vivia as consequências da guerra e as promessas de paz, nomes como Fernando da Piedade, Higino Carneiro, João Lourenço, João de Matos e Garcia Miala não eram apenas dirigentes — eram símbolos de uma geração. Apadrinhados por José Eduardo dos Santos, assumiam papéis que, à sua maneira, mesclavam técnica, disciplina militar e uma aura de liderança quase reverenciada.

A lógica desse magnetismo encontra eco na teoria de Max Weber, que descreveu o carisma como uma forma de autoridade sustentada na devoção à figura do líder (Weber, 1999). Havia reverência. Havia temor. Havia esperança.

Três décadas depois, com excepção de João de Matos, já falecido, todos continuam no activo, ainda que nem sempre em funções executivas. A questão, porém, permanece: continuam na missão?

A Unidade que Silencia a Renovação

Fernando da Piedade fala em unidade e estabilidade. Mas que tipo de unidade é essa que teme múltiplas candidaturas? Que estabilidade é essa que não prepara sucessores, não forma jovens, não desenha um projecto de nação para os seus próprios netos?

A ausência de renovação não é apenas falha estratégica — é uma traição geracional. Governar é servir, e servir implica preparar o terreno para que outros possam caminhar com dignidade. No entanto, o apego ao poder obscurece as realidades de Luidebale, de Dirico e de tantas outras regiões esquecidas.

Pesquisas recentes indicam que a juventude angolana se mostra cada vez mais distante dos líderes tradicionais.

O Afrobaromete

 r (2023) revela altos índices de desconfiança em relação às elites políticas e crescente exigência de inclusão nos processos de decisão. O espaço não é ocupado por falta de talento, mas por falta de abertura.

Os jovens ministros que surgem no Executivo parecem mais interessados em consolidar o seu “pé de meia” do que em criar rupturas transformadoras. Estão a repetir o manual dos Kotas.

O Legado que Falha em Ser Herança

Todos esses homens tiveram o mesmo mestre. Todos foram moldados por uma escola política que, com todas as suas contradições, ensinava o valor da causa nacional. Como é possível que não se entendam sobre o futuro?

Como é possível que não estejam preocupados com o que deixarão?

A política não é um altar para vaidades tardias. É um campo de missão. E missão que não forma discípulos, que não prepara sucessores, que não se preocupa com o amanhã — é apenas gestão de sobrevivência.

Uma Proposta para o Amanhã O MPLA precisa de um congresso com múltiplas candidaturas, debate aberto e visão de futuro. Precisa ouvir a juventude — não apenas como retórica, mas como parte do projecto. Partidos de referência no continente, como o ANC na África do Sul ou a FRELIMO em Moçambique, realizaram disputas internas intensas que, longe de fragilizarem, renovaram a vitalidade política (Southall, 2013).

A geração que outrora inspirou precisa agora ensinar, abrir espaço e deixar herança — não apenas memória.

O carisma do passado já cumpriu o seu papel. O que falta agora é coragem para transformar memória em responsabilidade.

Por: Rui Kandove

 

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