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Dom António Jaka, Bispo de Benguela: “A IGREJA CATÓLICA REGE-SE POR PRINCÍPIOS QUE NÃO OBEDECEM A QUALQUER PARTIDO”

Escrito por figurasnegocios

Dom António Jaka, Bispo católico em Benguela, salientou a participação e entrega dos fiéis da província e do Bengo onde esteve anteriormente e dissertou sobre o papel da igreja em Angola. Em entrevista ao Jornalista Victor Aleixo, Dom Jaka, também jornalista que funcionou na Rádio Eclésia em Luanda, falou da CEAST e as actividades dos bispos católicos em Angola, sublinhando a unidade como funcionam na relação com a sociedade e com os partidos políticos. “A Igreja Católica rege-se por princípios que não obedecem a qualquer partido político”.-afirmou, rejeitando a pretensão de divisão entre bispos que se apoiam na governação e outros simpatizantes da Unita.

Por: Victor Aleixo /Fotos: Arquivo F&N

Figuras & Negócios (F&N) Bispo mudou-se da Diocese do Bengo para a de Benguela, não houve na sua consciência indagações de porquês de uma diocese rural para outra urbana?

Bispo Dom António Jaca (D.A.J.) – Seguramente está a querer falar da Diocese de Caxito. Devo aclarar que o território Diocese de Caxito comporta uma grande parte da Província do Bengo (ficando de fora os Municípios de Catete e Quissama) e uma parte da Província de Luanda ou seja a totalidade do Município de Cacuaco. Como pode ver, não se trata de uma Diocese totalmente rural, aliás como a Diocese de Benguela e as demais Dioceses de Angola.

Temos zonas urbanas e rurais. Podemos sim dizer que uma grande parte da população da Diocese de Benguela vive nas cidades de Benguela e Lobito. Mas se formos mais ao fundo, veremos que em termos de percentagem o número de católicos na zona interior da Província de Benguela supera, muito provavelmente, o número de católicos na zona litoral. É um dado a confirmar.

Agora; O porquê da transferência da Diocese de Caxito para a Diocese de Benguela, somente o Santo Padre, o Papa Francisco, pode responder, contudo, não podemos nunca esquecer o facto de sermos missionários, facto este que por si só, nos diz que devemos sempre estar prontos para Servir em qualquer parte e a qualquer momento.

F&N: Houve lamentos dos fiéis católicos do Bengo ou uma situação de acatar o indicado pelo Papa?

D.A.J: Os Bispos católicos são nomeados pelo Papa que também os pode transferir de uma Diocese para outra. É muito normal na vida da Igreja e em Angola não é diferente, muito pelo contrário, normalmente a alternância faz sempre parte de nós. Aliás, o meu predecessor, sua Eminência Eugénio Cardeal Dal Corso, foi transferido da Diocese de Saurimo para a Diocese de Benguela.

F&N: Benguela habituada em conviver com o Dom Óscar Braga, como vos recebeu?

D.A.J.: Eu não fui o sucessor directo de Dom Óscar Braga, mas de Dom Eugénio Dal Corso, que esteve à frente da Diocese durante dez anos (2008-2018). O longo consulado de D. Óscar marcou profundamente a Diocese de Benguela. Mas como sabe, cada Bispo é portador de um carisma e com a força e assistência do Espírito Santo conduz o rebanho que lhe é confiado. Não se podem fazer comparações. Cada Bispo é único e irrepetível.

Óscar foi um Bispo inspirador, meu conterrâneo, que me acolheu de braços abertos e com quem partilhei muitas das minhas preocupações no início do meu ministério episcopal na Diocese de Benguela. E, enquanto esteve vivo, sempre deu a sua colaboração nos mais diversos serviços pastorais.

Eu fui bem recebido na Diocese de Benguela e até agora não tenho razões de queixa. É para aqui que fui enviado e esta é a minha Diocese, a minha amada Diocese que procuro servir o melhor possível, colocando-me à disposição de todos e de cada um dos Benguelenses, católicos e não católicos, crentes e não crentes.

F&N: Vamos lá, não sentiu mudanças profundas no Bengo em relação a Benguela fundamentalmente entre os fiéis das duas dioceses?

D.A.J.: Eu fui o primeiro Bispo da Diocese de Caxito. E Caxito foi a minha primeira Diocese. Foi para mim e continuará a ser uma experiência única e irrepetível. Uma coisa é começar uma Diocese e outra coisa é entrar numa Dioceses com longos anos de caminhada.

Como sabe, em Caxito foi começar do zero praticamente. A Diocese tinha seis Paróquias e sete Padres e uma dúzia de seminaristas. Não havia estruturas diocesanas. Tudo teve de ser construído no que se refere às infra-estruturas e houve necessidade de se criarem os organismos pastorais e todos os serviços da Cúria Diocesana.

Benguela não é uma Diocese tão nova assim. No dia 6 de Junho completará 54 anos de existência. Tinha e tem uma vida pastoral própria, hábitos e costumes peculiares mesmo a nível da Liturgia. Uma Igreja com mais de 200 sacerdotes Diocesanos, e um número significativo de Sacerdotes Religiosos e mais de 300 Religiosas. Portanto há diferenças significativas. No entanto, há também muita coisa em comum. Basta referir que a maioria dos fiéis católicos na Diocese de Caxito são oriundos do centro e sul de Angola.

F&N: Dá a comparação entre o Bengo e Benguela com os fiéis católicos e também da comunidade das duas provincias?

D.A.J.: O povo de Deus é sempre o mesmo em toda parte. A fé e o fervor estão sempre presentes.

Em termos de Evangelização, certamente há diferenças não só no número de anos mas também no número de evangelizadores (Missionários, Evangelistas e catequistas).

Portanto, o número de fiéis na Diocese de Benguela é maior que na Diocese de Caxito, em parte também porque o número de habitantes é de longe superior. Benguela é uma terra de vocações (sacerdotais e Religiosas) mas a Diocese de Caxito tem dado passos gigantescos no que diz respeito a promoção vocacional. O número de seminaristas e de sacerdotes diocesanos tem aumentado significativamente. São duas realidades e contextos diferentes mas é esta diversidade de rostos, culturas e carismas que faz a riqueza da Igreja.

F&N: O senhor Bispo é angolano nascido em que Província?

D.A.J.: Eu sou natural de Malanje. Nasci no Quéssua, mais concretamente no Bairro de São Pedro (Cassussina), onde fiz os meus estudos primários. Em 1973 os meus pais mudaram para a cidade de Malanje, no Bairro da Katepa. Os meus estudos secundários fi-los já na cidade de Malanje. Ingressei no Seminário Menor de São José em 1979. Em 1985, iniciei o meu Noviciado na Congregação do Verbo Divino, na RDC, onde fiz também o curso teológico. Fui ordenado sacerdote na minha terra natal e na igreja em que fui baptizado, na Sé Catedral de Malanje, no dia 29 de Setembro de 1991.

F&N: Conhecemo-nos no jornalismo, eu na imprensa e o Senhor Bispo na Rádio Eclésia. Na altura, 2000 creio, o senhor dirigia a rádio. Era um teste para ingressar no Bispado?

D.A.J.: Não. As coisas na Igreja não se processam como na vida civil. Eu formei-me em jornalismo no Canadá, na Universidade São Paulo de Ottawa, e fiz um mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade do Québec em Montreal (UQUAM), capital do Canadá. Estava eu ainda terminar os meus estudos quando me comunicaram que precisavam de mim para assumir a direcção da Rádio Eclésia. Fiz um estágio de cerca de 4 meses na Rádio Renascença (Emissora Católica de Portugal) e regressado à Angola nos meados do ano 2000 fui nomeado Director da Rádio Eclésia.

Eu não saí da direcção da Rádio para o Episcopado. Deixei a direcção da Rádio Eclésia em 2003, pois, em Junho de 2002, fui eleito Superior Provincial da Congregação do Verbo Divino em Angola. Estava eu no último ano do meu mandato quando fui nomeado pelo Papa Bento XVI Bispo da recém criada Diocese de Caxito.

F&N: Na altura, quem foi o seu padrinho, lembrando os propósitos angolanos quando se nomeia alguém?

D.A.J.: Volto a repetir que as coisas na Igreja não são como na vida civil. Não precisamos de Padrinho. Se houve algum, nunca o saberei. O Papa nomeia livremente os Bispos após consultar quem de direito. Há sempre uma consulta feita a nível local mas a decisão final é sempre do Papa. O candidato é livre de aceitar ou não, devendo apresentar as razões para a não aceitação. Os cargos na Igreja são serviço. Se alguém vai atrás de honras e benesses, certamente caminha em sentido contrário. Há certamente muitos motivos de alegria no ministério Episcopal mas a cruz está sempre presente. Sofrer com Cristo, servindo os irmãos com alegria.

F&N: Dizem-me que a Igreja Católica em Angola está dividida: os protegidos do regime e os opositores que têm consolo da UNITA. É verdade ?Em que lado está o Bispo António Jaca?

D.A.J.: Só quem não conhece a Igreja Católica pode dizer isso. Se há no mundo uma instituição independente dos poderes políticos é a Igreja Católica. Cada Bispo e os sacerdotes também são livres na sua opção política e votam livremente. Mas não podem ser militantes de nenhum partido. E na CEAST as decisões são sempre fruto de consenso.

Procuramos ser uma voz profética. Certamente não agradamos a todos, o que é muito normal. Mas não somos partidos políticos e nem fazemos campanha para nenhum partido político. O Bispo Dom António Jaca não é membro de nenhum partido político e não está a favor nem de A ou de B (Somos Bispos de Todos e para Todos). Estou há dezasseis anos na CEAST e não tenho conhecimento do que chamas “os protegidos do regime e os opositores que têm consolo na Unita”. No entanto não duvido que haja pessoas interessadas em que as coisas sejam assim; mas perdem o seu tempo. Nós, os Bispos, somos chamados a viver em comunhão: comunhão afectiva e efectiva.

F&N: Ao ser verdade, como definirmos os fiéis católicos?

D.A.J.: A Igreja católica em Angola não está dividida. Os fiéis católicos são livres nas suas opções político-partidárias. O que recomendamos a todos é que, se deixem orientar pelo Evangelho de Cristo e sigam a Doutrina Social da Igreja que dá indicações muito claras sobre como os cristãos católicos devem agir no mundo da política, da economia, da cultura, do desporto, etc.

F&N: As relações do governo e o clero católico como estão? E com outras confissões?

D.A.J.: Eu penso que as relações são de cordialidade e respeito. Servimos o mesmo povo mas cada um no seu âmbito de acção e dentro do espírito de subsidiariedade, procurando sempre o bem comum. A nível ecuménico também não há razões de queixa. Há normas a seguir e que devem ser respeitadas. O respeito pelo outro e pelas suas convicções religiosas é muito importante. A agressividade, o ódio, a perseguição, não condizem com o ser cristão.

F&N: Houve preocupações em África sobre o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo, pegando-se ao pronunciamento do Papa Francisco que não apadrinha nem tão pouco condena. Na igreja católica em Angola qual a decisão?

D.A.J.: Respeitar as pessoas com tendências homossexuais mas não pactuar nem promover a prática da homossexualidade. A doutrina da Igreja sobre esta matéria é clara.

Condenamos a homossexualidade mas não as pessoas com tendências homossexuais que, como todos nós, devem ser salvas. A Igreja em Angola e em África é unânime: não a bênçãos aos casais homossexuais.

F&N: )Qual a opinião do Bispo António Jaca sobre o relacionamento de pessoas do mesmo sexo?

D.A.J.: O casamento é somente entre um homem e uma mulher, chamados a viver a complementaridade e a procriar. Esta é a doutrina da Igreja fundamentada na Palavra de Deus. Não há outro tipo de casamento nem outro modelo de família.

F&N: Detalhes: pratica desporto? Qual?

D.A.J.: Apesar de ser amante do futebol o que mais pratiquei em termos de desporto foi o Voleibol e o basquetebol. Estou impossibilitado de praticar qualquer uma delas neste momento. Resta-me fazer umas boas caminhadas e sempre que possível deleitar-me com os jogos transmitidos pela TV. Cozinha?

F&N: Admiro quem sabe cozinhar e quem gosta de cozinhar. Mas nesta matéria não me aventuro! Mas certamente não morreria à fome … Qual hobby?

D.A.J.: Gosto de música. Toco com regularidade nos momentos livres guitarra (Ou violão); de vez em quando o órgão e, modéstia a parte, já fui um bom baterista. Mas isto foi nos outros tempos (adolescência e juventude). Gosto de cantar e deleito-me a ouvir boas composições musicais com algum conteúdo formativo seja ele de cariz religioso ou social. As músicas nacionais dos anos 60-80 são as que mais aprecio para além da música clássica.

 

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