Conjuntura

De um certo Poder… A ARQUITECTURA E O URBANISMO COMO “SELOS MONUMENTAIS”

Escrito por figurasnegocios

Ponto prévio. Sendo este um (o) primeiro artigo que escrevo para a revista Figuras & Negócios e sendo este artigo sobre a arquitecturas e urbanismo, principalmente para o caso de Angola, devo esclarecer que esta não é uma minha área, dado eu ser das Ciências Sociais. Todavia, como cidadão não me devo – nem posso me eximir – de apresentar a minha opinião sobre actos e factos que ocorrem e que posso não concordar com eles. Como cidadão, repito. Tal como, certamente, alguns – talvez muitos – leitores não concordarão com a minha opinião. E isso será bom porque levará para a Opinião Pública, a revista e a discussão que, em torno dela, os leitores fomentarão as suas objectivas e sensatas críticas. Certamente, é isto que eu desejo e o editor espera. Dito isto…

Por: Eugénio Costa Almeida*

Há uma regra não escrita que todo o Poder administrativo gosta de deixar sempre uma marca urbanística ou arquitectónica para os que vêm a seguir e para os seus concidadãos “se maravilharem”. É algo que já vem da ancestralidade humana. É algo irresistível! E isso se pode avaliar numa frase simples e de elevada amplitude para o Poder, da arquitecta brasileira Priscila Prestes «A Arquitectura não constrói só coisas. Ergue sonhos e sustenta lembranças».

“Arquitetura é antes de mais nada construção, mas, construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção. – (Óscar Niemeyer , arquitecto brasileiro que concebeu Brasília).

“Como arquitecto, se desenha para o presente, com certo conhecimento do passado, para um futuro que é essencialmente desconhecido”. – (Norman Foster, arquitecto inglês).

São inúmeros os casos onde a colossomania megalómana de alguns dirigentes africanos – e, sublinhe-se, não só – nos “oferecem” alguns mastodontes arquitectónicos – os simpaticamente denominados “elefantes brancos”–, a grande maioria sem qualquer utilização futura. Recordo, por exemplo, as enormes obras arquitectónicas de Mobutu em Gbadolite, que denominaram de “Versailles Africana”, hoje uma cidade-fantasma; ou a “visão” megalómana o regime de Obiang (Guiné-Equatorial) que em 2011 mandou projectar uma enorme cidade que será a sua futura capital, Djibloho (Ciudad de la Paz), e que está quase parada devido às actuais dificuldades económicas do regime e das condicionantes que o FMI lhe impôs. Dois pequenos exemplos internacionais e próximos…

Mas também nós temos os nossos “elefantes brancos” ou obras que, apesar de toda a sua beleza, pela sua magnitude poderiam ter sido evitadas ou reduzidas no que tange ao esplendor arquitectónico.

Logo à partida a Assembleia Nacional (AN) e os sus apêndices provinciais. Compreende-se que a Casa das Leis seja um edifício moderno e espaçoso para albergar os nossos representantes nacionais. Mas era necessário irmos quase copiar outros edifícios semelhantes – pela grandiosidade e pelos pormenores arquitectónicos – a outros já construídos em épocas anteriores e países estrangeiros, alguns dos quais euro-americanos? Não me parece. A nossa arquitectura africana tem beleza e esplendor suficiente para os mesmos fins, e, certamente, a custos menos elevados.

E porquê, cada província teve de ver construída uma réplica da AN para os deputados eleitos pelas províncias? Os deputados não passam a maior parte do tempo na Casa-Mãe? Era necessário construírem uma nova? Não poderiam usar os edifícios dos Governos Provinciais?

Por exemplo, já a revista britânica Economist Intelligence Unit (EIU), numa análise económica citada pela agência noticiosa portuguesa, Agência Lusa, de 24 de Dezembro de 2014, parecia prever a derrapagem cultural do impacto económico que o petróleo estava a dar ao País, bem como o investimento que este iria permitir implementar e desenvolver a economia nacional. A EIU alertava que este boom económico não deveria ser utilizado para, e cito “realização de obras megalómanas que sejam ‘elefantes brancos’ (…) era necessário evitar projectos de prestígio, economicamente inviáveis e garantir a viabilidade a longo prazo dos projectos de investimento”.

E acrescentaria que não foi necessário esperar por 2014/2015 para ver essas obras pouco mais que pouco economicamente elegantes. Já em 2009, e falo por ter estado no País, a cidade de Luanda via crescer – mais depressa que cogumelos – enormes prédios em zonas históricas e sem enquadramento arquitectónico. Por exemplo, o mastodonte que foi construído nas traseiras do edifício dos Correios. Qualquer arquitecto, qualquer urbanista, qualquer historiador da área de arquitectura, teria avisado da descaraterização que o referido edifício dava à área e o impacto pouco positivo para a livre-circulação do ar marítimo para a zona dos Coqueiros, por exemplo.

O Poder, por vezes e mesmo que não de forma intencional, estrangula os alertas, os avisos que os mais bem-intencionados ou melhores conhecedores da matéria possam querer apresentar. Muitas vezes, estes acabam por fazer autocensura, temendo represálias…

E este caso não é o único que deve ser referido. com estes novos empreendimentos.

A arquitectura Angolana, e com ela, um certo urbanismo, tem sido posta em causa com estas novas construções, muitas megalómanas para a nossa realidade, e não poucas vezes desordenada ou desfasada da realidade económica do País social e populacional. Como exemplo, e na linha do que avisava o EIU, também em 2015, numa exposição ocorrida em Luanda «A modernidade ignorada. Arquitectura moderna de Luanda», organizada em conjunto por investigadores de Angola (Universidade Agostinho Neto), Espanha (Universidade Alcalá) e Portugal (Universidade Técnica de Lisboa, hoje integrada na Universidade de Lisboa), era posta em causa um património arquitectónico moderno criado entre 1950 e 1970, segundo os princípios do CIAM (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), a maioria em total antagonismo com os padrões arquitectónicos dominantes do regime colonial.

Segundo os especialistas (arquitectos e historiadores) muitas destas obras mostravam acentuada degradação por falta de manutenção, devido ao prolongado conflito que assolou o país e por outro lado, ocorria um acelerado crescimento urbano alinhado com padrões globalizantes, muitas vezes – a maioria das vezes como se comprovou ao longo destes últimos anos –, ignorando as especificidades concretas de Angola.

E isto tem sio reflectido nas chamadas Centralidades – na realidade, bairros, como alguns arquitectos os definem – que são erigidas junto de algumas das nossas principais cidades. A grande maioria foi construída sem que padrões básicos, parecem não ter sido tido em conta, como reclamam alguns dos seus ocupantes. E, muitas destas Centralidades, ainda não estão totalmente ocupadas, devido as dificuldades técnicas, económicas, bancárias, que muitos dos que a ela se candidatam manifestam. Além disso as estruturas rodoviárias nem sempre mostram que as Centralidades são locais acolhedores e amenos para os que trabalham nos centros das grandes cidades.

Dir-se-ia que muitas Centralidades só foram vistas como locais de pernoita, esquecendo-se, talvez, o principal: as acessibilidades. É altura de se começar a olhar para estas partindo de uma prévia análise universitária de um conjunto de arquitectos, engenheiros, sociólogos e financeiros. Olhemos o que se passa na China com a criação exponencial de Centralidades…

Ainda que nem tudo sejam Centralidades, o recente relatório do INE recorda que, actualmente, estão adjudicados cerca de 4.284 prédios, em que só estão em execução 935, estando os restantes 3.349 parcial ou totalmente paralisadas. Isto deve ser ponderado por quem de direito, seja a nível Central, seja a nível Provincial, seja a nível local. Uma autarquia autónoma poderia ajudar melhor controlar estes casos…

*Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Investigador para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto.

Sobre o autor

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