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França e mundo ocidental perdem África

Escrito por figurasnegocios

Quando terminará o sentimento antifrancês a que chamam de neocolonialismo? Possivelmente terminará quando os países africanos que saem das alianças tradicionais e formam nova alianças e negoceiam com novas potências, perceberem que o colonismo político se transforma em neocolonialismo económico.

Texto Vítor Norinha (jornalista)
Fotos Arquivo FN

A França está a ser “empurrada” de África! O seu modelo denominado “Francafrique” deixou de fazer sentido e é considerado pelos analistas como um sistema de práticas opacas e redes de influência herdadas do colonialismo.

Em poucos anos viu a rescisão dos contratos de assistência e nível militar que tinha em seis países africanos, sobretudo na zona do Sahel. As razões? Possivelmente a necessidade de os países africanos concluírem o processo de descolonização que se iniciou nos anos 60 do século passado, e que no caso do colono francês tem sido ensombrado pela desconfiança relativamente ao controlo da moeda comum de vários países das África Ocidental, o franco CFA. Mas, também, porque surgiram outros interesses, devidamente camuflados, com destaque para interesses da China e da Rússia, a par de outros, nomeadamente do Irão.

A rescisão dos contratos de assistência militar entre a França e vários países que foram antigas colónias em África, não é de agora, mas assume particular ênfase numa altura em que se joga o futuro geoestratégico das antigas enovas potências mundiais a nível militar e económico.A França era o país ocidental com a presença em África de maior reconhecimento e, conseguiu, criar uma dependência indireta com a criação de uma zona económica, a UEMOA e a CEMAC, onde a moeda de troca é o franco CFA, uma moeda controlada pelo banco central de França, o que significa uma moeda forte com indexação a uma das moedas mais fortes do mundo, o euro, mas, em contrapartida Paris exige a manutenção de 50% das reservas de divisas junto do Tesouro francês, para além do pagamento de taxas sobre a emissão do franco CFA. De forma sucinta este é o funcionamento do sistema e os países da África ocidental e central, 14 no total, sendo que alguns querem contrariar este modelo. Não é fácil e tem havido discussões nesse sentido, mas uma moeda sem um colateral forte, irá perder valor e originar uma espiral inflacionista. Estamos perante a armadilha da dependência.

Para os países do Sahel a questão da moeda é um sinal de independência relativamente aos antigos colonos, incluindo um território que esteve sob a administração portuguesa, a Guiné-Bissau, e que tem o franco CFA como moeda corrente. A GB é um dos países com adesão mais recente e quer manter a moeda.

Contexto

No entanto, é a França o principal alvo de vários países africanos que tinha militares franceses em bases, e que acusam o antigo colonizador de ser responsável por dezenas de golpes de Estado aos longo dos últimos 50 anos.

Mas o que tem África de tão apetecível? Antes de irmos aos pormenores é interessante verificar que dos 193 países admitidos nas Nações Unidos, há 54 que são países africanos (exclui-se Saaraui que não tem reconhecimento internacional pleno) e isso tem importância nas votações. Depois porque África é um continente pouco explorado em termos de recursos naturais, gás, petróleo, ouro, urânio, terras raras e outras commodities, as quais são necessárias paraos países desenvolvidos ou países em desenvolvimento que queiram crescer em termos de poder económico. China e Rússia aproveitaram os movimentos de libertação dos ambos 60 do século passado, dando-lhesorganização, equipamentos militares e uma motivação para as guerras de independência. Aliás, a China aprovou a “Revolução” de Mao Tsé-Tung para expandir os seus interesses em África e durante este século criou estruturas económicas para apoiar os investimentos em infraestruturas críticas com empréstimos, equipas técnicas e know-how, o que levou muitos países a saírem de um estado de dependência do colono para entrarem num estado de dependência de uma nova potência, havendo situações de dificuldade em honrar compromissos dos empréstimos e, dessa, forma, perderem recursos críticos. Angola beneficiou da ajuda e financiamentos chineses, mas os anos de governação do Presidente João Lourenço têm levadoa uma reaproximação aos EUA perante as dificuldades sentidas na relação com outraspotências.

Por seu lado, a Rússia tem fortes interesses em África, nomeadamente a nível militar, tendo a seu favor a intervenção nas lutas de independência em vários países, incluindo nas antigas colónias africanas portuguesas, francesas e belgas. O interesse russo em África está cada mais vivo, não só pela necessidade de ter presença geoestratégica na África ocidental e oriental e destacam-se os contactos com os Governos de S. Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Moçambique, enquanto nas antigas possessões francesas a presença russa foi feita com o grupo Wagner, de estrutura militar e de negócios, e que foi, entretanto, substituído por uma outra estrutura de nome “Corpo Africano”. O interesse russo é relevante também na estratégia para a pesquisa e detenção de commodities necessárias para aindústria militar, caso do urânio, ou para a exploração aeroespacial, caso dos metais encontradas nas chamas “terras raras”.

Desenvolvimentos recentes

A evolução tem sido tão rápida que países subsaarianos têm criado novas alianças e abandonado outras.

Burkina Faso, República do Mali e República do Níger estão oficialmente fora da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), desde 29 de janeiro último, um organismo de comércio livre. No entanto, e para evitar o caos, ficam todos os Estados-membros que saíram da organização, e por tempo indeterminado, com as condições vigentes que usufruíam antes da saída. Na prática continuam a ser reconhecidos os passaportes e bilhetes de identidade dos cidadãos que sejam portadores de documentos com a indicação da CEDEAO; e continuam a ser tratados os bens e serviços provenientes dos três países de acordo com o modelo de livre circulação de comércio da CEDEAO e apolítica de investimentos. E, talvez, o mais importante é o facto de os cidadãos dos três países continuarem a usufruir do direito de livre circulação, residência e estabelecimento com isenção de visto.

Isto é um claro sinal de divisões entre parceiros africanos com interesses divergentes e com potenciais novas alianças.

A rutura com França foi o primeiro grande sinal de novos alinhamentos. Burkina Faso, Níger e Mali afastaram franceses e outras potências ocidentais em clara rutura, com os dois primeiros, via golpes de Estado, e tudo aconteceu entre os anos de 2022 e 2023. Os três países criaram o Pacto AES (Aliança dos Estado do Sahel), uma aliança para se protegerem, e fizeram alinhamentos com a Rússia. Entretanto, já criaram uma força militar conjunta e intensificam trocas comerciais entre o grupo para reduzirem a dependência de produtos importados. Claro que a motivação é um direito de autossuficiência, mas é bem possível que não resulte e leve a mais pobreza.

Mais recentemente, o Chade fez uma rescisão do acordo militar com a França, com quem cooperava desde 1978 e tinha tropas no terreno desde 1960. O Governo do Chade considerou a cooperação militar “obsoleta”, e embora ao Governo deste país diga que não houve rutura, mas rescindiu a cooperação em novembro passado e a saída dos militares, incluindo o treino de pilotos. Tudo acabou a 11 de janeiro passado.

No Níger, o líder africanista IbrahimTraoré, fez declarações anticolonialistas e quis acabar com a subserviência ancestral a França, e algo semelhante aconteceu no Burkina Faso. A Rússia aproveitou para oferecer assistência.O Níger fornece 17% das necessidades de urânio a França, um país dependente da energianuclearmas, como notaram alguns analistas, apenas 2% do comércio exterior francês é feito com a África subsaariana.

Dois outros países com presença francesa colocaram, ou vão colocar, um ponto final na presença de militares daquele país. Na Costa do Marfim a saída dos militares ocorreu no final de 2024 coma justificação de que o país quer modernizar as forças armadas locais, segundo o presidente AlassaneOuattara; enquanto no Senegal, um país em franco desenvolvimento económico e com forte presença francesa em todos os negócios, quis uma “nova doutrina de cooperação militar” e apontou a saída dos militares franceses para o final deste ano de 2025. O novo presidente assumiu que quer dar uma nova orientação ao país em termos de soberania e a presença militar é um óbice. A presença francesa em termos militares está, agora, restrita ao Djibuti, onde a França tem a maior guarnição da Legião Estrangeira, e onde está instalada a maior base militar do exército dos EUA em África. Estasinstalações militares têm importância crítica nos oceanos Índico e Pacífico, zonas onde a nova política norte-americana da administraçãoTrump se quer concentrar. A presença francesa ainda se mantém no Gabão com uma pequena guarnição, mesmo depois do golpe de Estado contra a dinastia Bongo. Este país é particularmente relevante na exportação de manganês, uma commodity critica para o fabrico de baterias e necessária aos novos objetivos europeus de descarbonização. Mas as condições políticas e de segurança já afetaram o grupo mineiro francês Eramet que deu prioridade aos seus funcionários em detrimento dos projetos industriais em curso, sendo queo país tem a trabalhar no manganês empresas chinesas e indianas. A França está ainda presente no país na vertente dos hidrocarbonetos através da Total.

E com a perda da presença francesa em países africanos de grande relevância por causa das matérias-primas, Emmanuel Macron, tenta por todas as formas manter a influência via as multinacionais francesas. Acontece que aquilo que se vê parece ser a substituição de empresas francesas, nomeadamente na mineração, por outros conglomerados russos ou chineses.

Emmanuel Macron, o presidente francês, tem colocadomais “pregos no caixão” ao não conseguir criar novos laços com os países de influência francesa em África. Entretanto, o enviado especial de Macron a África, Jean-Marie Bockel, elaborou um relatório sobre a nova estratégia francesa na África ocidental mas, por enquanto, sem resultados palpáveis.

Paraos países africanos a motivação para afastarem franceses da África francófona, e nessa sequência, do mundo ocidental, é o chamado empoderamento desses mesmos países, mas que acabam em regimes autocráticos e que têm o apoio de movimentos pan-africanos. Há várias justificações sendo que a mais comum é o facto de os franceses não terem conseguido travar a influência do jhiadismo em alguns países. Alias, esta onda de forças islâmicas radicais foi desencadeada em 2011 pelo ataque da NATO à Líbia com o objetivo de derrubar o ditador que estavano poder, Muammar al-Gaddafi.  As consequências nefastas dessa guerra geraram “raiva” entre africanistas e a França. Esta, sozinha, reagiu com o apoio a golpes de Estado, destacando-se o apoio a dois golfes de Estado no Burkina Faso e no Mali, e golpes de Estado na Guiné, Níger e Gabão, segundo informações recolhidas junto de diversos meios de comunicação. Analistas acreditam que desde a independência das antigas colónias, a França tenha de forma direta e indireta feito 60 intervenções para derrubar governos. Quando terminará o sentimento antifrancês a que chamam de neocolonialismo? Possivelmente terminará quando os países africanos que saem das alianças tradicionais e formam novas alianças e negoceiam com novaspotências, perceberem que o colonismo político se transforma em neocolonialismo económico. Aliás, estão a ganhar influência os modelos que colocam as relações económicas à frente da democracia, e aqui ganham espaço países como a China, Rússia, Índia, Turquia ou Arábia Saudita.

 

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