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BITCOIN: MINERAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO?

Escrito por figurasnegocios

Nunca como nos tempos recentes se viram tantas notícias em Angola sobre o desmantelamento de estaleiros ilegais de mineração de criptomoedas (nestes casos em concreto de BitCoin). Por ser um tema relativamente novo e baseado em tecnologias emergentes, a mineração de criptomoedas ainda é pouco compreendida por grande parte da população. Muitos não sabem exatamente como funciona, quais são os seus impactos ou porque está a ser alvo de operações de desmantelamento em Angola. E muitas questões ficam no ar. O que é isso de minerar criptomoedas? Porque consome tanta electricidade? Porque é que é ilegal, se afinal, aparentemente gera dinheiro? E tantas outras questões. O que nos propomos aqui é de forma objectiva e simples clarificar todas estas questões contribuindo para que haja uma melhor compreensão do fenómeno e dos seus impactos efectivos no nosso país e no mundo.

Por: Daniel Castanho Paes *
Fotos: Arquivo F&N
*Consultor em Estratégia, Digitalização e
Inovação ⁄ dp@danielpaes.com

Para se poder perceber o que é, e como funciona a tal mineração de BitCoin, é importante perceber de que se trata este tema na sua base e começando por lembrar o que é uma criptomoeda, podemos dizer, que é uma forma de “dinheiro” digital descentralizado (não depende de uma rede nacional ou internacional regulada por nenhum país ou conjunto de paises), e usa criptografia para garantir transações seguras e evitar falsificações. As criptomoedas são diferente do dinheiro tradicional, e o sistema tecnológico descentralizado que mantem os registos sobre as moedas digitais e as suas transações, não é controlada por governos ou bancos centrais, sendo esta infraestrutura de participação voluntária por agentes que resolvam colocar sistemas às disposição da manutenção deste sistema. O sistema tecnológico de cada banco comercial, é mantido por cada uma dessas entidades, que paga a sua operação e manutenção, usando parte dos lucros que tem pela sua atividade. Ora, numa infraestrutura que é necessário existir para que o registo distribuído de transações e os registos de cada uma dessa criptomoeda existam, e que é de participação voluntária, tem de haver uma forma de compensar quem coloca voluntariamente os seus recursos, para que este registo distribuído funcione. A mineração de BitCoins é exatamente isso! Quem põe voluntariamente os seus recursos de computação a colaborar no registo distribuído que permite que as transações de BitCoin existam e o sistema de registo funcione de forma segura, é compensado com atribuição de BitCoins pela sua disponibilização de recursos. Na prática é pago em BitCoins quem disponibiliza recursos para que o sistema funcione. Depois trocará as BitCoins recebidas em compensação pelos recursos disponibilizados, naquilo que entenda, ou mesmo trocando por dinheiro noutra moeda.

Agora que está claro o que é a mineração, a pergunta que se segue é: Porque consome tantos recursos? Para entender esta parte é preciso perceber como funciona a tal compensação a que se chama de “mineração” e a génese da primeira criptomoeda, a BitCoin.

Quando em 31 de Outubro de 2008, Satoshi Nakamoto (que até hoje não se sabe quem é, ou se é uma pessoa ou um colectivo) lançou o WhitePaper “Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrónico Peer-to-Peer” este foi desenhado e apresentado como uma solução descentralizada, onde nenhuma entidade central (bancos ou governos) controlaria as transações. Em vez disso, a rede funcionaria de forma peer-to-peer, garantindo transparência, segurança e resistência à censura. É no fundo mais um manifesto alternativo e/ou de resistência a um sistema financeiro centralizado que demonstrou falhas. E pode ser desenhado e planeado assim, porque tinha tecnologia de suporte que garantia o seu funcionamento, e que se baseia em Blockchain.

O limite de 21 milhões de bitcoins foi definido de inicio para garantir três princípios fundamentais: Escassez e Valorização (O efeito Ouro); Proteção Contra Inflação (“imprimir” mais unidades de uma moeda faz com que valha menos); Estabilidade da Rede e das Recompensas (o tal mecanismo de compensar os mineradores).

Em termos práticos, destes 21 milhões já estão em “circulação” ao dia de hoje 19,7 milhões (93,7% do total) e os 1,3 milhões que faltam vão ser “pagos” aos tais mineradores (para compensar pelos recursos com que contribuem para a manutenção da rede distribuída e segura).

Agora o que permite perceber porque o sistema de funcionamento consome tantos recursos, é percebermos o sistema de compensação aos mineradores. Há uma quantidade finita de moedas para compensar a rede de mineradores. Atualmente o valor é de 450 BitCoins por dia, e este valor diminui para metade de 4 em 4 anos o que significa que em 2028 passará a ser apenas um valor de 225 Bitcons por dia, e dividindo o numero a cada 4 anos, fazendo com que haja moedas para compensar mineradores até 2140.

O problema é que com um valor alto de valor de cada BitCoin (cerca de 86 Mil USD –  Mar/2025), há muitos mineradores voluntários a por recursos para obter compensação (e mantendo assim a tal rede distribuída) mas como o numero de moedas a distribuir é finita, é aumentada a complexidade dos cálculos a validar (Proof of Work) para que sejam considerados para compensação, e só os sistemas com muitos processadores (e que naturalmente tem grandes consumos de energia) vão ser compensados.

E a tendência não é melhorar… Ou seja, já percebemos. Se o valor for muito baixo poucos terão a motivação de por sistemas seus a minerar (mas os que se mantiverem são na mesma compensados por isso); se o valor da BitCoin aumenta, muitos vão tentar obter compensação e só os sistemas mais potentes a nível de processamento vão lograr ser compensados.

Podemos dizer que, à medida que o tempo passa e o valor do Bitcoin aumenta, o sistema torna-se menos sustentável em termos de consumo de recursos.

Isso acontece porque:

1-Mais mineradores entram na rede – Com o aumento do valor do Bitcoin, mais pessoas e empresas investem em mineração para obter lucro.

2-A dificuldade da mineração ajusta-se automaticamente – Quanto mais mineradores competem, mais difíceis se tornam os cálculos matemáticos, exigindo maior poder computacional.

3-O consumo de eletricidade cresce exponencialmente – Para acompanhar o aumento da dificuldade, mineradores investem em mais equipamentos, consumindo cada vez mais energia.

Existe assim por natureza do desenho deste sistema um problema crônico de sustentabilidade, lembrando que já foi pensado e desenhado em 2008, portanto há 17 anos…, e como experiência global que começou com a BitCoin, é natural haver aspetos que não foram vistos no desenho pensando nos problemas de escalabilidade e sustentabilidade que iriam existir.

O sistema de Proof of Work (PoW)  – que é o usado pelos mineradores com os seus sistemas –  para registar blocos no registo descentralizado suportado por Blockchain – incentiva um ciclo de competição intensa por recompensas cada vez menores, elevando os custos e impacto económico e ambiental, pelo enorme consumo de recursos. Seja em energia para os CPUs mas também para arrefecimento das unidades, pois no nosso país é preciso arrefecer as unidades. (nos países nórdicos, este aspecto de arrefecimento, consome muito menos recursos de energia por motivos óbvios)

Hoje, a mineração de Bitcoin, mundialmente, já consome mais eletricidade do que muitos países inteiros, tornando-se um sério problema ambiental e económico de sustentabilidade.

Porque então se está a identificar tanto este fenómeno em Angola?

Por várias razões, que se alinham e favorecem esta tendência que tem sido crescente.

1-Com a proibição da mineração na China (2021) e com uma moldura penal muito mais penalizadora do que em Angola, bem como as restrições noutros paises, muitos mineradores procuraram novos destinos com menor controle estatal.

2-Energia Elétrica barata, sendo o custo da eletricidade em Angola subsidiado, e muito inferior ao de países com regulamentação mais rígida, tornando a mineração mais rentável.

3-Facilidade de ligações ilegais e roubo de energia – alguns mineradores recorrem ao roubo de eletricidade (nem chegam a pagar os elevados consumos), ligando-se ilegalmente à rede nacional para reduzir custos operacionais, e alguma fragilidade de fiscalização e controlo de rede, permitem isso no nosso país infelizmente.

4-Disponibilidade de espaço –  Algumas áreas industriais e zonas rurais oferecem espaço físico e capacidade elétrica suficiente para instalações de grande escala.

Estes fatores em conjunto têm atraído uma série de operações de mineração para Angola.

E então vamos responder à pergunta base, pois já temos todos os dados.

Se gera dinheiro e dividendos, porque não legalizar esta práctica de mineração em Angola?

Há diversas razões pelas quais a mineração em Angola deve ser proibida e criminalizada, a começar pela crescente pressão energética e económica que a mineração de BitCoins constitui, por ser uma atividade que consome enormes quantidades de eletricidade, que sobrecarrega a rede nacional e que gera prejuízos ao Estado com o facilitar a tentação de ligações clandestinas.

Adicionalmente, a mineração não contribui significativamente para a economia do país, pois não sendo uma atividade regulada, quem a pratica não a tem declarada, e portanto os lucros são “enviados” para o exterior sem gerar empregos significativos (ou legais) ou arrecadação fiscal.

Por ultimo, pela esfera de acção muitas vezes usadas com estes activos digitais de “resistência” e não regulados mundialmente, acabam por estar por vezes ligados a operações com ligações a esquemas de lavagem de dinheiro e crime organizado, e esta prática representa um risco crescente para a estabilidade financeira do país, tornando a sua proibição, a meu ver, uma medida necessária para proteger os interesses nacionais.

Temos outras prioridades muito mais importantes onde aplicar os nossos recursos!

Uma ultima nota, é a diferença entre o que é a mineração, neste caso aplicado à BitCoin como vimos em cima; e o que são as criptomoedas propriamente ditas, e como  se interligam com o restante sistema financeiro, e a sua circunstância de activo 100% especulativo, entre outros importantes detalhes; mas irei abordar num próximo artigo.

 

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