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Escrito por figurasnegocios

João M.G. Lourenço em entrevista a revista francesa “Jeune Afrique”

O Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, concedeu a revista francesa Jeune Afrique uma entrevista no momento em que também a revista Figuras & Negócios pediu outra ao Presidente da República, mormente para endereçar a juventude africana uma mensagem de conforto para o presente e o futuro nos nossos países alcançando um emprego para contribuir no desenvolvimento sustentável de África.
Mas, paciencia, a direcção da comunicação da presidencia da República achou (bem !?) priorizar a revista estrangeira em detrimento da nacional e eis aqui a entrevista que concedeu ao Jeune Afrique que os meios de informação oficial retomaram. Evidentemente, pediram-nos para divulgar e segue na integra:


J

EUNE AFRIQUE – Bom dia, Senhor Presidente!

Obrigado por receber a Jeune Afrique, alguns dias antes da sua ascensão à presidência da União Africana. O Senhor começará o seu mandato com um dossier muito pesado para gerenciar, que, aliás, já está gerenciando desde 2022: a crise no Leste da República Democrática do Congo. Ouvi o seu colega, o Presidente do Burundi, e vários observadores dizerem que temem que esse conflito se transforme num conflito regional. Essa também é sua preocupação? Isso também é algo que o Senhor teme?

P..R. João Lourenço – De facto, eu vou encontrar, tão logo assuma a presidência da União Africana, um conjunto de dossiers preocupantes que têm a ver com a segurança do nosso continente.

O nosso continente está a atravessar uma fase complicada, de vários conflitos: terrorismo, mudanças inconstitucionais de regimes democráticos. E gostaria de destacar outros, para além deste que acaba de citar (o conflito entre a RDC e o Ruanda), nomeadamente a guerra no Sudão e o conflito em Moçambique, em Cabo Delgado. Mas, falando especificamente deste conflito RDC-Ruanda, de facto, existe o perigo de o mesmo se generalizar para os países vizinhos.

É necessário que tudo seja feito, no sentido não apenas de evitar que isso aconteça, mas de regressarmos a um ponto, não diria bom, em que nos encontrávamos, mas que vigorou, pelo menos, um cessar-fogo. Havia negociações aqui, no quadro do chamado Processo de Luanda, a nível ministerial, aonde foram conseguidos importantes ganhos.

A RDC considera que a presença de tropas das Forças de Defesa do Ruanda em território seu é algo inaceitável. E nesse encontro de Luanda, do dia 14 de Dezembro passado, conseguiu-se o compromisso de o Ruanda abandonar ou retirar as suas forças do território do Congo Democrático.

De igual forma, o Ruanda considera que as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda [FDRL] constituem uma ameaça à sua segurança e, a esse nível ministerial, conseguiu-se também, na mesma data, o compromisso, por parte do Governo congolês, de neutralizar as FDLR.

Eu creio que foram dois grandes ganhos que cada uma das partes conseguiu alcançar e que não deveríamos desperdiçá-los. Portanto, devia partir-se desta base, deste compromisso assumido ao nível dos ministros, para que os Chefes de Estado dos dois países assinassem o Acordo de Paz de Luanda, para pôr fim a este conflito.

Eu vou encontrar este dossier e outros, e naturalmente que continuarei a empenhar-me, embora considere que, na minha nova condição de Presidente pro tempore da União Africana, não me devo dedicar exclusivamente a um conflito.

Para ser mais claro, quero dizer que devia passar o testemunho a um outro país, a um outro Chefe de Estado, para ser o medianeiro deste conflito, de forma que o Presidente da União Africana se possa dedicar a este, mas também a outros conflitos.

Jeune Afrique – Este Presidente a quem o Senhor vai passar o bastão pode ser, por exemplo, o Presidente William Ruto?

P.R. João Lourenço – Eu prefiro não citar nomes, porque não será uma indicação minha. Primeiro, tem que haver países e Chefes de Estado que se disponibilizem para tal. Tem que haver vontade. E a decisão será tomada a nível da União Africana e nunca por uma simples indicação minha.

Jeune Afrique – Há algo novo na posição de Angola: pela primeira vez, disseram explicitamente, em comunicado, que as tropas do Ruanda estavam na República Democrática do Congo e pediram a sua saída. Porquê?

P.R. João Lourenço – Não é novo, porque as próprias autoridades ruandesas publicamente admitiram a presença das suas tropas em território da República Democrática do Congo em mais do que uma ocasião. Para além das informações que temos, que as Nações Unidas têm, e até de números estimados de soldados ruandeses que estarão em território congolês, o próprio Chefe de Estado ruandês, publicamente, mais do que uma vez, admitiu que tem tropas em solo congolês.

Jeune Afrique – Ele disse não saber disso à CNN, numa entrevista…

P.R. João Lourenço – Digo eu. Quando digo “disse”, ao longo do tempo, não me estou a referir especificamente a uma entrevista que ele terá dado muito recentemente. Estou a referir-me a um passado recente. E a delegação ministerial ruandesa, ao aceitar assumir o compromisso a esse nível ministerial – estou a referir-me à retirada das Forças de Defesa do Ruanda do território congolês – está a aceitar que ela está lá. Caso contrário, nem seria assunto de conversa.

Se diz “nós aceitamos. Vocês congoleses assumem o compromisso de neutralizar as FDLR e o Ruanda assume o compromisso da retirada das suas forças de defesa…”. Portanto, isso é tão claro quanto a água, não é?

Jeune Afrique – o Senhor falou sobre as FDLR. Mas há outro problema: o M23. Acha que se deve negociar com o M23? O Governo de Kinshasa considera o M23 um grupo terrorista. O M23 faz parte da solução?

P.R. João Lourenço – Bom, o mandato que eu recebi da União Africana era para trabalhar na normalização das relações entre os dois Estados, dois países

vizinhos, que devem, como regra, ter boas relações de vizinhança, de amizade, cooperação económica, preferencialmente. Este é o mandato que eu recebi. E é sobre este mandato que eu tenho vindo a trabalhar.

A nossa proposta de acordo de paz, que Angola apresentou às duas partes, assenta na necessidade de alcançarmos este desiderato. É evidente que a questão do M23 também é para ser resolvida. Só que o assunto M23 tem vindo a ser tratado no quadro de um outro processo, não do Processo de Luanda, mas no chamado Processo de Nairobi.

As autoridades congolesas têm consciência, e nós temos dito, temos aconselhado, o Presidente Tshisekedi para a necessidade de conversar com todas as partes em conflito, incluindo o M23, uma vez que eles são cidadãos congoleses. E temos dado o exemplo do nosso próprio caso de Angola, que teve um conflito bastante prolongado e, quando chegou o momento, tivemos que dialogar com todas as partes.

Dialogámos com a parte externa, o país vizinho que nos estava a agredir, que na altura era o regime do Apartheid da África do Sul, dialógamos com eles. Isso levou-nos a ter que falar até com os americanos. Assinámos o chamado Acordo de Nova Iorque para nos entendermos com a África do Sul. Mas como tínhamos um movimento, mais concretamente a UNITA, que acabava por ser parte do problema, nós tivemos de negociar internamente também com a UNITA.

E este bom exemplo de Angola tem sido, reiteradas vezes, lembrado ao Presidente Tshisekedi que, mais tarde ou mais cedo, não há como fugir a isso. Tratando-se de filhos da mesma pátria, vão ter que falar.

Se falam no quadro do Processo de Luanda ou no quadro do Processo de Nairobi, isto é outra questão. Mas, em princípio, o que está definido é que seja no quadro do Processo de Nairobi.

Jeune Afrique – Senhor Presidente, se o Senhor pede a retirada das tropas do Ruanda, mas essas tropas não se retiram, o Senhor seria favorável à imposição de sanções, visto que a República Democrática do Congo pede sanções contra o Ruanda? Como Presidente da União Africana, concordaria com o estabelecimento de sanções?

P.R. João Lourenço – Eu não sou ainda Presidente da União Africana. Isso vai acontecer nos próximos dias. Mas antes de se chegar a uma posição extrema como esta, de solicitar sanções, eu creio ainda haver espaço e oportunidade de se evitar que isso possa vir a acontecer e que voltemos à mesa das conversações para que, já ao mais alto nível, entre os Chefes de Estado dos dois países, haja a conclusão do Acordo de Paz de Luanda.

Jeune Afrique – Há um grande desafio que o Senhor terá que enfrentar à frente da União Africana, que é a questão do financiamento dos programas da organização. Gostaria de citar uma frase que o Presidente da Comissão, Faki Mahamat, disse recentemente. Ele afirmou que “a nossa dependência financeira em relação ao exterior é insustentável”. O que o Senhor pretende fazer para melhorar essa situação?

P.R. João Lourenço – Nós vamos trabalhar com as instituições financeiras internacionais, nomeadamente com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Vamos trabalhar igualmente, e sobretudo, com os países do Ocidente, com os Estados Unidos da América, com a Europa, com o Japão, no sentido de conseguirmos fazer a reforma, a tão necessária reforma dessas instituições de Bretton Woods, para que passem a ter outra forma de trato dos nossos países, que ao longo dos séculos foram pilhados, foram colonizados. Portanto, precisamos de uma espécie de compensação, um trato diferenciado, para não tornar o serviço das nossas dívidas tão pesado quanto é.

Jeune Afrique – Durante o seu mandato à frente da União Africana, o Senhor pretende concretizar a reivindicação de um assento permanente para a África no Conselho de Segurança da ONU?

P.R. João Lourenço – Com certeza, vamos bater-nos por isso, porque consideramos que a África está a ser injustiçada. A África – não apenas a África – está a ser injustiçada pelo facto de não ter presença e nem voz que seja determinante junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O actual formato está desactualizado. O actual formato colocou como membros permanentes apenas os vencedores do último conflito mundial. Estou a referir-me à Segunda Guerra Mundial. São os vencedores que estão representados na condição de membros permanentes no Conselho de Segurança. Só que o mundo de hoje, quase um século depois do fim da Segunda Guerra Mundial, é um mundo completamente diferente daquele que era naquela altura.

Portanto, é preciso que outras regiões do nosso planeta estejam também representados e, desta forma, poderem defender melhor os seus interesses. Essa é uma questão pela qual nos vamos bater.

Eu recordo que na Cimeira Estados Unidos da América – África, que teve lugar em Washington, houve, na altura, a promessa dos Estados Unidos da América de ajudarem a desbloquear esta situação, esta reivindicação antiga do continente africano. Nós continuamos à espera de que os Estados Unidos da América, que têm um papel determinante, não só oiça o nosso clamor, mas que dêem passos concretos para que realmente isso venha a acontecer.

Jeune Afrique – Angola é um país membro activo da Comissão do Clima da Bacia do Congo. Como Presidente da União Africana, o Senhor pretende defender que os serviços que essa bacia do Congo presta a toda a Humanidade sejam justamente remunerados?

P.R. João LourençO – Sim! Não apenas por sermos parte, mas porque, de facto, esta bacia contribui de forma considerável para a melhoria do clima mundial, da luta contra as alterações climáticas, que é um tema do dia, hoje, em praticamente todas as conferências internacionais, uma vez que a ameaça dessas alterações climáticas é cada vez mais evidente, com danos visíveis todos os dias e em praticamente todos os continentes. Temos que levar isto muito a sério. Quer o Amazonas, quer a Bacia do Congo, sendo os principais pulmões do nosso planeta, enquanto Presidente da União Africana, vou, com certeza, bater-me para que o nosso contributo seja reconhecido.

Jeune Afrique – A suspensão da ajuda americana por três meses, decidida pelo Governo Trump, impactará directamente muitos países africanos que precisam dessa assistência para acções de desenvolvimento. Essa é uma decisão que o Senhor lamenta? Qual é a sua posição em relação a essa decisão?

P.R. João Lourenço – É evidente que lamentamos que essa posição tenha sido tomada. Nós, enquanto países beneficiários dessa ajuda, vamos ser penalizados. Devemos trabalhar com a Administração Trump no sentido de reconsiderar a medida tomada. Sempre pode ser considerada, uma vez que os nossos países necessitam bastante dessa ajuda americana que, de alguma forma, podemos considerar que faz alguma diferença.

Jeune Afrique – Obrigado! Agora, sobre economia, passo a palavra à Estelle Maussion… Recentemente, o Senhor insistiu na necessidade de mobilizar fundos para financiar a agricultura no continente. De maneira concreta, como pretende avançar nesse assunto? Angola, onde a agricultura representa apenas 10% do PIB, não deveria dar o exemplo?

P.R. João LourençO – Quanto à necessidade de mobilizar recursos para o desenvolvimento do continente, eu não me referi nesta entrevista concretamente ao sector agrícola. É evidente que o continente africano é um continente essencialmente agrícola, os nossos países são essencialmente agrícolas, mas para darmos o salto e começarmos a falar realmente em desenvolvimento, precisamos de recursos para desenvolver infra-estruturas viárias (rodoviárias, caminhos-de-ferro) e infra-estruturas energéticas, produção de energia e transportação dessa mesma energia de países que já produzam para outros países que necessitem, para darmos o salto necessário da industrialização do nosso continente.

Nós temos a ambição de, algum dia, vermos o nosso continente, os países do nosso continente industrializados, porque, de facto, só a indústria desenvolve, só a indústria, ou sobretudo a indústria, dá as oportunidades de emprego de que a nossa juventude está a necessitar.

Jeune Afrique – Vou continuar com o tema económico e focar em Angola. A diversificação da economia angolana é um objectivo há anos. Ela avançou desde a sua chegada ao poder em 2017?

P.R. João Lourenço – Sim! Os progressos são visíveis, de 2017 até à presente data, em termos de diversificação da nossa economia. A economia não petrolífera hoje contribui mais para o Produto Interno Bruto do nosso país do que há uns anos. E mesmo assim não estamos satisfeitos ainda. Não está tudo feito. Vamos continuar a trabalhar para que essa diversificação seja cada vez mais ampla, mais profunda, até ao ponto em que o Produto Interno Bruto petrolífero passe para segundo plano. Esta é a nossa meta, o nosso objectivo: fazer com que o contributo do sector petrolífero no Produto Interno Bruto passe para segundo plano.

Jeune Afrique – A economia ainda é muito dependente dos hidrocarbonetos. O Senhor teme uma nova queda nos preços do petróleo por causa da política energética do Governo Trump?

P.R. João Lourenço – Os países não devem ter medo. Os países devem estar atentos ao que se passa no mundo, àquilo que pode ter impacto na sua economia e prepararem-se para o pior. Portanto, isto é uma preocupação de todos os governos do mundo: estarem sempre preparados para o pior cenário. Nós estamos a preparar-nos para este cenário. Não seria a primeira vez a acontecer. Nós já tivemos situações em que o preço do barril do petróleo esteve abaixo de 30 dólares. Sobrevivemos e não tínhamos tanta diversificação. Portanto, se voltar a acontecer, também vamos sobreviver, se calhar melhor do que antes. Não temos que ter medo, temos é que trabalhar para contrariar, digamos, esta adversidade que pode acontecer.

Jeune afrique – O apoio americano ao Corredor do Lobito, que é um grande projecto actualmente, lhe parece comprometido, pelas declarações do Governo Trump?

P.R. João Lourenço – Nós não ouvimos nada da parte da Administração Trump que diga que vai retirar ou desistir do apoio que os Estados Unidos da América estão a dar ao desenvolvimento do projecto Corredor do Lobito. Nós não ouvimos nada em contrário. Portanto, partimos do princípio de que, pela sua importância, os Estados Unidos da América vão continuar engajados neste projecto. Esta é a nossa convicção!

Jeune Afrique – Em relação à questão económica, o Senhor herdou uma dívida externa que, no ano passado, absorveu mais de um quarto das receitas do Estado. Como pretende lidar com essa situação?

P.R. João Lourenço – Em 2024, a dívida versus Produto Interno Bruto representou cerca de 75%. Mas, para o corrente ano, contamos que ela baixe para cerca de 62%. Nós temos vindo a honrar de forma religiosa, como se diz, o nosso serviço da dívida. A tendência tem sido, nos últimos anos, ir reduzindo cada vez mais o valor global da nossa dívida, quer da dívida externa, quer da dívida interna.

Nós contamos para este ano de 2025, em relação à dívida interna, baixar para cerca de 50%. Em relação à dívida externa, também passarmos o serviço da dívida para valores mais baixos do que aquele que aconteceu em 2024.

Jeune Afrique – A questão da dívida está fortemente ligada à China, já que ela é o vosso principal parceiro comercial e maior credor. Cerca de 40% da dívida externa foi contraída junto à China. Angola não está excessivamente dependente de Pequim? Como equilibrar as relações entre os dois países?

P.R. João Lourenço – As relações entre Angola e a China são boas e, em princípio, não têm nada a ver com o valor da dívida. Nós contraímos a dívida à China por necessidade de reconstrução que o país teve. Como sabe, quando terminou a guerra, em 2002, o país estava muito destruído. Precisávamos de reconstruir, sobretudo as infra-estruturas. E infra-estruturas são caras. Houve a promessa da organização de uma conferência internacional de doadores em Bruxelas, situação que nunca veio a acontecer, por razões que também nunca nos foram explicadas.

Angola recorreu à China, que prontamente se disponibilizou a fazer os empréstimos de que necessitava para a recuperação das suas infra-estruturas.

O valor máximo da dívida de Angola para com a China atingiu cerca de 24 mil milhões dólares. Não é o valor actual. Portanto, nestes anos, nós conseguimos baixar para o valor actual que se cifra em 14.9 mil milhões dólares. Este é o valor actual da dívida de Angola para com a China.

Estamos com um serviço da dívida para com a China, concretamente, de 3.4 mil milhões de dólares, de 2024, que deverá subir ligeiramente este ano de 2025 para 3.9 mil milhões de dólares.

JEUNE AFRIQUE – A eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis gerou, em 2023, uma onda de descontentamento social, resultando em manifestações no país. Essa retirada gradual continua este ano. O Senhor considera que o impacto dessa reforma já foi absorvido?

P.R. João Lourenço – Não! O choque não foi absorvido ainda, porque não conseguimos atingir o custo real de produção do petróleo. O valor dos combustíveis em Angola é dos mais baixos do mundo. E é uma situação que é insustentável para qualquer economia. Nós vamos continuar a trabalhar no sentido de, de forma gradual, irmos aproximando o preço dos combustíveis ao preço justo de mercado, porque o preço dos combustíveis é um preço como qualquer outro. E os preços, regra geral, não são fixos. O preço de um par de sapatos há dez anos não é o mesmo preço de hoje. O preço da habitação, há dez anos, não é o mesmo preço de hoje. Portanto, o combustível é um produto como quaisquer outros. Obedecem a um conjunto de factores. Hoje tem um preço, amanhã tem que ter outro preço. O preço não pode ser fixo e eterno!

Jeune Afrique – Desde a sua chegada ao poder em 2017, o Senhor lançou uma cruzada contra a corrupção. O Senhor tem uma estimativa do montante dos recursos que foram desviados ao longo do tempo?

P.R. João Lourenço – São uns bons mil milhões de dólares. Eu não quero correr o risco de lançar um número que não seja preciso, mas os valores são muito altos. Devo dizer que apenas em relação a um cidadão, por sentença do Tribunal, os bens financeiros e materiais desse cidadão revertem todos a favor do Estado. E esse cidadão tem fora do país, até aqui descobertos e comprovados, nada mais nada menos do que 900 milhões de Euros. Uma só pessoa! E há várias pessoas envolvidas nesses casos de corrupção, que estão a contas com a Justiça. Já conseguimos recuperar alguns valores. Logo no início do meu primeiro mandato, conseguimos recuperar 500 milhões que estavam num banco britânico. Conseguimos recuperar dois mil milhões que estavam também num banco britânico.

Com esses dois mil milhões, nós pudemos construir muitas infra-estruturas a nível local, municipal, no quadro de um programa que chamamos PIIM – Plano Integrado de Intervenção nos Municípios. Fizemos escolas, unidades hospitalares, enfim, outras importantes infra-estruturas sociais a nível local. Numa palavra, o valor é grande. Só nesses dois casos concretos já temos 500 milhões, dois mil milhões e mais mil milhões.

Jeune Afrique – Até ao momento, de acordo com os últimos números divulgados, foram recuperados 7,6 mil milhões de dólares. Essa quantia não é baixa em relação à magnitude dos valores que foram desviados?

P.R. João Lourenço – De facto, este número é inferior, porque nós temos a percepção de que muito mais descobertas vão ser feitas. Cada dia, quando menos esperamos, descobrem-se mais casos em paraísos fiscais. Temos tido alguma colaboração de alguns países. Lamentavelmente não de todos, mas de alguns países temos tido uma boa colaboração. Eu acredito que esse valor ainda vai acabar por subir.

Jeune Afrique – Essa luta contra a corrupção foi, por vezes, criticada por sua selectividade, supostamente mirando principalmente a família Dos Santos e seus aliados. O que o Senhor pode responder a isso?

P.R. João Lourenço – Isso é especulação alimentada pelos visados ou pessoas próximas dos visados, mas se eu citar os casos de entidades que estão a contas com a Justiça, então diremos que a família Dos Santos é composta por milhões de pessoas. Não sei se me está a entender…

Agora mesmo está a decorrer um caso de corrupção na Administração Geral Tributária, AGT. São familiares do Presidente Dos Santos? Não são! O ex-ministro dos Transportes teve um processo na Justiça, é familiar do Presidente Dos Santos? Não é! O caso que eu acabei de citar agora, dos 900 milhões que estão na Suíça, o detentor desse recurso é familiar do Presidente Dos Santos? Não é!

Então, é uma acusação sem fundamento e que procura dizer que é uma perseguição por razões políticas. Nós não entendemos porquê. O Presidente Dos Santos não nos fez mal a ponto de nós perseguirmos a família.

E quando são os tribunais a ditar sentenças, as sentenças são indiscutíveis. A única forma de se contestar a sentença de um tribunal é, a parte lesada, com os seus advogados, recorrerem junto das instâncias de recurso. E as instâncias de recurso dirão se as sentenças foram justas ou não foram justas.

Quem está sentado em frente a um tribunal com a toga preta – no caso de Angola é preta -, não é um político, é um juiz. Não é o Presidente da República que está lá sentado, não é nenhum ministro. Quem está a exercer aquela função de juiz, do júri, não é uma pessoa, é um júri. Esse júri não é composto por pessoas nomeadas por despacho pelo Presidente da República ou por qualquer outro político.

Então, as sentenças nunca são políticas. As sentenças são baseadas na Justiça, no Código Penal. Já temos tido casos de suspeitos de corrupção que chegam até ao tribunal e são absolvidos.

Se foi absolvido é porque o tribunal, que é o único órgão competente em dizer se houve crime ou não houve crime, concluiu, para aquele caso concreto, que, embora tivesse havido a suspeição, nada se prova. Já houve casos desses.

Jeune Afrique – Recentemente, o Senhor concedeu perdão ao filho do seu antecessor, José Filomeno dos Santos. Sua meia-irmã, Isabel dos Santos, poderia receber o mesmo perdão caso retornasse a Angola?

P.R. João Lourenço – Não me fale de casos concretos. Bom, primeiro é que o indulto só é dado a quem já foi julgado e condenado. Portanto, a resposta creio que está clara. Para quem não foi julgado nem condenado, não se pode sequer falar de indulto, de perdão, de amnistia.

Só é indultado quem foi julgado e condenado, depois de cumprida uma boa parte da pena que lhe foi atribuída. Não pode ser julgado hoje e amanhã ser indultado. São regras universais em qualquer país democrático do mundo.

Jeune Afrique – Vamos falar um pouco sobre política interna. As próximas eleições em Angola estão previstas para 2027. Mas vou me referir às anteriores, as de 2022, que foram eleições um tanto difíceis para o MPLA. O MPLA perdeu muitos votos e também perdeu cadeiras no Parlamento em comparação com as eleições de 2017. A que o Senhor atribui esse recuo do MPLA?

P.R. João Lourenço – O MPLA não perdeu as eleições. O MPLA obteve mais de 51% de votos, no geral. E é normal que perca num município, perca numa província. Mas o que conta, para ser governo, é o resultado definitivo, o geral, o global. Portanto, o MPLA ganhou, com esses mais de 51% obtidos, legitimidade suficiente para governar como se tivesse tido 75%. Não tem diferença.

Você ganha com 75%, tem legitimidade para governar. Ganha com os 51%, 52, 53, tem exactamente a mesma legitimidade. Nós temos visto, pelo mundo fora, particularmente na Europa, os mesmos que, às vezes, procuram insinuar que nós não ganhamos o suficiente para governar, até insinuam que devíamos fazer coligação com o segundo classificado, para podermos ter paz e governar em paz, nos países deles, esses mesmos governam sem sequer atingir 30%. Com menos de 30%, eles são governo. E não admitem que alguém de fora lhes diga que você não tem legitimidade suficiente para governar.

No entanto, ele nem chegou a 30%. E a diferença entre os votos que ele alcançou e o segundo classificado, às vezes, é inferior a 1%. Então, eu não entendo, às vezes, quando se coloca este problema da perda de votos. É normal! A conjuntura de Angola de hoje não é a mesma de há 40 anos. O que diriam se o MPLA continuasse a ganhar por 70%, 75, 80?

Nós já tivemos eleições em que alcançámos 83.4% dos votos, 83. O que é que o mundo diria se, em todas as eleições, o MPLA mantivesse esse nível de votação de mais de 80%? O que é que diriam? Falariam bem, ou falariam mal? Aí sim, diriam que é fraude.

Jeune Afrique – Senhor Presidente, houve também um declínio na taxa de participação, o que é algo importante. Em 2017, a taxa de participação era de 76%, mas em 2022 caiu para 46%. Não há, de certa forma, uma perda de adesão da população à democracia eleitoral? Talvez as pessoas não acreditam mais no processo?

P.R. João Lourenço – Senhor François Soudan, esse fenómeno é universal. Esse fenómeno que acaba de dizer é universal, e contra isso não há nada a fazer. É universal. Acontece em Angola, acontece nos outros países africanos, acontece muito mais na Europa e nos Estados Unidos do que no nosso continente.

É um fenómeno universal que está a acontecer. Bom, todo o mundo tem que reflectir sobre as razões do que está a acontecer e pensar o que fazer. Mas não me parece que haja alguma coisa a fazer.

Países desenvolvidos, não desenvolvidos, países ricos, países pobres, este fenómeno do elevado número de abstenção, da fraca participação no processo eleitoral, na votação, é um fenómeno que é universal, não é de Angola.

Jeune Afrique – O MPLA não é o único. Vimos a FRELIMO em Moçambique, vimos o Congresso Nacional Africano na África do Sul. Em todas as últimas eleições, esses partidos perderam apoio. Será que há um problema com esses partidos que nasceram durante a Luta Armada de Libertação e agora enfrentam dificuldades para renovar as suas propostas e conexão com a população? Não seria o momento para esses partidos, originários da Luta Armada de Libertação, fazerem uma autocrítica, uma introspecção?

P.R. João Lourenço – Cada um que faça a sua introspecção. Mas eu repito dizendo que as sociedades de hoje não são as mesmas de há 30, 40 anos. É normal que isso aconteça. Eu vejo isso com a maior normalidade, que o eleitorado dos partidos políticos seja flutuante, não seja permanente. O número não pode ser sempre o mesmo. É normal que assim seja. Se não fosse assim é que não seria normal. Isso acontece com todos os partidos, não apenas os das lutas de libertação. Acontece com todos os partidos no mundo.

Só assim se compreende que haja alternância, não é? O Partido Democrata nos Estados Unidos da América, de repente, perdeu votos a favor do outro partido, o Republicano. Então, essa preocupação não é só dos nossos partidos, é universal.

Jeune Afrique – Sobre a situação de segurança na província de Cabinda, que ainda preocupa os investidores, o Senhor considera a FLEC um movimento semelhante ao M23? Ou seja, um movimento político-militar com o qual é necessário dialogar e negociar?

P.R. João Lourenço – Não! Não, porque a FLEC não representa nenhum perigo para o território angolano e, em particular, para o território de Cabinda. E não é verdade que a situação de segurança em Cabinda desencoraje o investimento. Nós temos investimento privado em Cabinda. A petrolífera americana está em Cabinda há 70 anos. Nunca saiu. Nunca se sentiu ameaçada.

Houve uma tentativa de sabotagem ainda no tempo da guerra, feita por um comando especial sul-africano. Foi o único caso de ameaça à segurança da Chevron em Cabinda. Agora mesmo, está uma entidade privada a construir aquela que vai ser a única refinaria de Cabinda. Cabinda nunca teve uma refinaria de petróleo, vai ter até ao final deste ano. É investimento privado, não é investimento público.

Então, não entendo do que é que me está a falar. Que a situação desencoraja o investimento privado, os investidores a trabalhar em Cabinda? Isso não é verdade, porque, para ser verdade, tinha que me apresentar factos. Eu não conheço factos. E a prova de que há confiança da parte dos investidores privados é que está a ser construída uma refinaria com investimentos privados.

Jeune AfriquE – Senhor Presidente, permita-nos fazer uma pergunta delicada…

P.R. João Lourenço – Os políticos têm que estar preparados para todo o tipo de perguntas…

Jeune Afrique – A Constituição estabelece que um presidente não pode exercer mais de dois mandatos consecutivos. Portanto, este é, em princípio, o seu último mandato, que termina em 2027. O que o Senhor realmente pretende fazer?

P.R. João Lourenço – Bom, eu não sei porquê considera essa questão delicada. Para mim não é delicada. É delicada porquê? Se a Constituição diz isso, cumpra-se! Mas antes de dizer ‘cumpra-se’, deixe que lhe recorde que, se houvesse essa intenção por parte do MPLA – essa intenção nunca é das pessoas individualmente, é dos partidos políticos -, se tivesse havido a intenção da parte do MPLA em alterar a Constituição para permitir um terceiro mandato ao Presidente da República, tê-lo-ia feito. Porque, no meu primeiro mandato, por iniciativa do MPLA, que tinha maioria qualificada no Parlamento, tinha mais de 2/3, poderia ter alterado o artigo que estabelece que só tem dois mandatos. Teve essa possibilidade. A iniciativa de mexer na Constituição naquela altura foi nossa.

Mexemos em tudo o resto, não tocámos neste quesito da limitação dos mandatos em dois.

Fala-se aí muito, porque “quer terceiro mandato, quer o terceiro mandato” … Tê-lo-íamos feito. Teríamos mudado. Ali não haveria milagres a fazer. Ninguém conseguiria impedir que essa alteração fosse feita. Ninguém, porque o MPLA, naquela altura, tinha a maioria qualificada de 2/3 no Parlamento. Portanto, tinha, como se costuma dizer na gíria, a faca e o queijo na mão. E nós não usámos a faca para cortar o queijo na medida dos nossos interesses, se tivesse havido esse interesse de fazer com que o Presidente da República tivesse mais do que dois mandatos.

Jeune Afrique – Já pensou, para si mesmo, em um perfil de sucessor?

P.R. João Lourenço – Sim, com certeza que já. Não seria normal não o fazer. Já pensei. E em termos muito gerais, o que eu devo dizer é que o perfil do meu sucessor deve ser alguém que venha a servir o país, igual ou melhor do que eu estou a fazer. Alguém que faça o que eu estou a fazer, mas, de preferência, que faça ainda melhor do que eu estou a fazer.

Jeune Afrique – O que pretende fazer depois de 2027?

P.R. João Lourenço – Continuar a servir o país.

Jeune Afrique – Continuar a servir de que forma?

P.R. João Lourenço – De várias formas. Servir o país não é preciso ter funções adquiridas por via de uma eleição, adquiridas por via de uma nomeação. Como patriota que sou, e enquanto tiver saúde, de certeza eu vou continuar a servir o meu país da melhor forma que puder. Falando, escrevendo, estarei a contribuir para o engrandecimento do meu país.

Jeune Afrique – Estamos há 23 anos após o fim da guerra civil em Angola. Para o Senhor, a Reconciliação Nacional está concluída? A UNITA tornou-se um partido como os outros?

P.R. João Lourenço – A reconciliação nacional é um processo contínuo que não tem data de arranque e data de fecho. Ou melhor, data de arranque teve, mas não tem data de fecho. A reconciliação é um processo que é permanente. Daqui a 50 anos ainda vamos estar a falar da reconciliação. Isso aconteceu com outros países. Portanto, é um processo contínuo. É evidente que, à medida que os anos vão passando, talvez não haja tanta necessidade de as pessoas falarem em reconciliação, mas ela, mesmo subtilmente, sem as pessoas darem conta, vai continuar a acontecer.

E Angola não tem grandes razões de queixa em relação a esse nosso processo de reconciliação, sobretudo pelo facto de, em 23 anos, o país não ter voltado às armas. O país não voltou à guerra. Nem tudo foi uma perfeição nestes 23 anos, mas o simples facto de o país não ter voltado às armas já é razão suficiente para nos darmos por felizes. Porque também não há sociedades onde não haja, às

vezes, necessidade de alguém falar mais alto, de alguém dizer “você está errado”. Todas as sociedades têm coisas. Alguém tem sempre algo a apontar ao outro, mas desde que isso não leve a extremos, sobretudo ao retomar das armas, temos que nos sentir felizes por isso.

Jeune Afrique – O Senhor apresentou desculpas oficiais de Estado às vítimas da repressão da tentativa de golpe de Nito Alves em 1977. Isso é suficiente para acertar as contas e encerrar as feridas do passado?

P.R. João Lourenço – Senhor François Soudan, o pedido de desculpas não foi apenas e concretamente em relação ao 27 de Maio. A minha declaração é pública – escrita, voz e imagem. Eu pedi desculpas e o perdão dos angolanos pelas vítimas de todos os conflitos que se abateram sobre a nossa terra, o nosso povo, desde a proclamação da nossa Independência.

E é óbvio que, entre estes conflitos, um dos que mais visibilidade teve foi, sem sombra de dúvidas, o 27 de Maio, mas não só. Houve a história das mortes desnecessárias na Jamba, em que pessoas foram atiradas para a fogueira com o público forçado a assistir, até obrigados a alimentar as chamas da fogueira, indo buscar lenha.

Houve outras mortes de figuras nacionais, fora do quadro do 27 de Maio. Quando digo mortes, [quero dizer] assassínios, porque uma pessoa pode morrer com um paludismo. Não me estou a referir a isso. Estou a referir-me a assassinatos com pendor político de figuras como Tito Chingungi, Wilson dos Santos, para citar apenas esses. É em relação a tudo isso que eu entendi que devíamos pôr uma pedra por cima disso e começar uma nova página.

A estes conflitos está ligada a necessidade de o Estado, que é a única entidade que tem essa capacidade – evidentemente com a colaboração da sociedade civil, porque sem ela também o Estado não pode fazer tudo -, fazer um investimento no sentido de se localizarem os restos mortais dessas mesmas vítimas dos tais diferentes conflitos. Isso leva tempo, mas está sendo feito. Começou a ser feito e está a ser feito. Já houve alguns casos de sucesso em que o DNA das ossadas coincide com o DNA dos familiares mais directos. Esses restos mortais, essas ossadas, foram entregues às famílias, realizaram-se funerais condignos, as famílias sentiram-se aliviadas. Só que o número é tão grande que o Estado não pode parar.

Esse trabalho da CIVICOP, a comissão que foi constituída para tratar desse assunto, tem que ter continuidade e está a continuar a trabalhar. Das informações que tenho, creio que, muito brevemente, mais ossadas serão entregues a familiares das vítimas.

Jeune Afrique – Daqui a pouco fará 50 anos desde que, em 11 de Novembro de 1975, Angola proclamou a sua Independência. O Senhor Presidente lembra-se do que estava a fazer naquele dia? Como viveu esse momento? Onde estava e como experimentou essa jornada histórica?

P.R. João Lourenço – Eu passei a transição do dia 10 para o dia 11 de Novembro de 1975 na província de Cabinda, numa unidade militar onde me encontrava. E, na altura, estávamos a enfrentar a ameaça de uma invasão externa a partir do território do então Zaíre, hoje República Democrática do Congo

A ameaça não foi apenas aqui, na periferia de Luanda, em que os invasores chegaram até Kifangondo, onde foram travados e tiveram que recuar, como na província de Cabinda também. Houve, pelo menos, duas tentativas, uma pelo Sul, pela fronteira do Yema, onde a nossa unidade estava a enfrentar o avanço das tropas de Mobutu, como também pela parte Leste de Cabinda, em direcção ao Subantano, onde também foram travadas e tiveram que recuar.

No caso de Luanda, Kifangondo está aqui muito próximo de Luanda. No caso de Cabinda, a fronteira do Yema está a apenas 29 quilómetros da cidade. Está ainda mais próxima do que Kifangondo, em relação a Luanda.

Em qualquer dos casos, era uma questão de ganhar ou ganhar. Não se podia perder, porque as distâncias eram demasiadamente curtas. Se não se travam os invasores, em Kifangondo, facilmente chegavam a Luanda. Se não se travam os invasores ali na fronteira do Yema, do Ntó, fácil e rapidamente chegariam à cidade de Cabinda.

Jeune Afrique – Muitos dos nossos leitores não sabem ou talvez tenham esquecido que o Senhor também é militar, um general. O Senhor combateu em Cabinda contra o exército zairense, as forças de Mobutu. E, nos anos 1980, lutou no centro de Angola, desta vez contra a UNITA, correcto?

P.R. João Lourenço – Sim! O combate contra a UNITA foi permanente até 2002. Eu era militar, na altura. Tive um interregno de quatro anos em que estive na cidade de Moscovo, numa academia militar a formar-me militarmente. Regressado de lá, eu fui enviado para a Frente Centro, no Posto Comando da Frente Centro, onde fiquei pouco tempo e rapidamente chamado para exercer as funções de governador da província do Moxico, continuando a ser militar, obviamente, mas desempenhando a função de governador [Comissário Provincial, à época – nota da Redacção].

E, a partir daí, fui sendo puxado, digamos, para funções mais políticas do que propriamente operacionais. Então, fiquei três anos no Moxico como governador, três anos em Benguela, também como governador. Voltei de novo para a direcção das Forças Armadas, das FAPLA, onde assumi a função de chefe da Direção Política Nacional das FAPLA. Era o braço político do Exército, onde também fiquei pouco tempo. Fui imediatamente puxado para a direcção do partido [MPLA]. E aí, como Secretário para Informação, primeiro, e depois Secretário-Geral do partido, Primeiro Vice-presidente na Assembleia Nacional. Bom, a minha vida esteve sempre repartida entre funções militares e funções políticas.

Jeune Afrique – Mas o Senhor ainda se considera um militar?

P.R. João Lourenço – Sim, com certeza que somos. Com certeza que eu me considero. É verdade que ainda fui ministro da Defesa durante três anos. Essa foi a minha última função antes de concorrer a Presidente da República.

Jeune Afrique – Na sua página da Wikipédia, dois hobbies são mencionados: equitação e xadrez. O Senhor confirma isso? Ainda são seus passatempos?

P.R. João Lourenço – Sim, com certeza. Só que a equitação não se pode fazer no Palácio. É muito mais difícil. Xadrez ainda jogo, mas também o xadrez exige tempo. E um dos grandes inimigos desta função de Presidente da República é o tempo. É gerir o tempo. Como gerir o tempo? Tempo é sempre escasso.

Jeune Afrique – A política é um jogo de xadrez, não é?

P.R. João Lourenço – Sim! Ela em si, é. Sim, com certeza!

Jeune Afrique – Parece que sim.

P.R. João Lourenço – Sim. São da mesma família.

Jeune Afrique – O Senhor será o primeiro Chefe de Estado angolano a presidir à União Africana, já que, mesmo na época da Organização da Unidade Africana, nunca houve um presidente angolano nessa posição. Imagino que isso seja um motivo de orgulho para o Senhor, mas também um motivo de questionamento. O Senhor será o Presidente que conseguirá devolver eficácia e credibilidade à União Africana?

P.R. João Lourenço – Não! Não se pode chegar a essa conclusão, quando eu nem sequer ainda assumi. Esta análise, este julgamento, positivo ou negativo, só deve ser feito daqui a um ano, quando eu deixar de ser presidente temporário da União Africana. Portanto, eu acho que é cedo.

Que constitui para mim um motivo de orgulho, obviamente que sim, que constitui. Mas a Presidência da República dos países tem dessas coisas. A conjuntura, se calhar, não permitiu que os meus antecessores tivessem assumido este posto.

O Presidente Agostinho Neto esteve pouco tempo. Lamentavelmente, faleceu muito cedo. O Presidente José Eduardo dos Santos teve que, ao longo de muitos anos, enfrentar a agressão externa a Angola – a agressão sul-africana e mesmo o conflito interno com a UNITA.

Portanto, não podemos dizer que eu sou melhor que os outros, por isso. Não! Eles fizeram a parte deles, cada um na época em que desempenhou as funções de Presidente da República e, portanto, isso não é para se comparar. Porque é que só hoje Angola assume? Algum dia teria que ser. Calhou que vai ser agora, durante o meu mandato de Presidente da República de Angola, e vamos procurar fazer o nosso melhor, não por Angola só, mas sobretudo pelo continente.

Jeune Afrique- Muito obrigado, Senhor Presidente, por esta entrevista!

SECRETARIA DE IMPRENSA | PALÁCIO PRESIDENCIAL em Luanda, 5 de Fevereiro de 2025.

 

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