No passado dia 13 de Março, em Luanda, Ana Maria Cabral viúva do fundador do PAIGC, Amílcar Cabral, foi uma das mais de 200 personalidades presentes no colóquio internacional em homenagem ao Centenário de seu falecido esposo.
Por: Venceslau Mateus / Fotos: Arquivo NET
Presidido pelo Presidente da República, João Lourenço, o evento realizado no Auditório da Academia Diplomática Venâncio de Moura que visou celebrar a trajectória de Cabral, como indivíduo, líder político, guerrilheiro e diplomata, foi estruturado em quatro debates: ” A diplomacia interventiva de Amílcar Cabral: Pontos de contacto com a luta de Libertação desenvolvida pela FRELIMO”, com o académico nacionalista moçambicano José Óscar Monteiro; “A casa dos Estudantes do Império e a Concertação Ideológica e Nacionalista entre Neto e Cabral”, apresentado pelo professor e historiador angolano Cornélio Caley; “PAI, O MAC e o PAICG: da Clandestinidade à Luta de Libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde”, elaborado e exposto pelo professor e historiador da Guiné-Bissau, Julião Soares de Sousa; e “A Trajectória e dimensão política, ética, humanista e pan-africanista de Amílcar Cabral”, sob responsabilidade de Pedro Pires, ex-Presidente de Cabo Verde.
Considerado o pai das nacionalidades cabo-verdiana e guineense, Amílcar Cabral foi um dos mais carismáticos líderes africanos. A sua acção não se limitou ao plano político mas desempenhou um importante papel cultural tanto em Cabo Verde, terra de origem de seu pai, como na Guiné-Bissau, onde nasceu e combateu.
Além disso, influenciou os nacionalismos nas colónias portuguesas, particularmente em Angola, onde chegou a viver e foi amigo e companheiro de Agostinho Neto e Lúcio Lara.
A vida do homem – a quem o prestigiado jornal Financial Times chamou “Che Guevara de África” – está recheada de peripécias. Nascido em Bafatá, na Guiné-Bissau, mudou-se com a família (o pai era cabo-verdiano e a mãe guineense) para a ilha de Santiago, em Cabo Verde, no início dos anos 30. Ali, viveu grande parte da sua infância e juventude, na localidade de Santa Catarina.
Entrou para o liceu em São Vicente onde completou os estudos secundários. Amante do desporto, chegou a ser secretário do “Boavista Futebol Clube”. Após terminar o liceu obtém uma bolsa de estudos para o Instituto Superior de Agronomia e viaja para Portugal em 1945, onde acaba por conhecer e casar com a sua primeira mulher Maria Helena de Ataíde Vilhena Rodrigues. Frequenta o Instituto de Agronomia com uma bolsa de estudo e, em 1950, termina a parte curricular do curso. Depois, apresenta a tese de licenciatura, “O Estudo da Erosão e Defesa da Terra na Região de Cuba”, no Alentejo, dedicada aos jornaleiros da região. A escolha do tema da erosão teria certamente em mente os problemas agrícolas cabo-verdianos, onde a chuva é rara.
Em Portugal, Cabral participou activamente na luta antifascista conjuntamente com outros estudantes africanos. Foi militante do Movimento de Unidade Democrático da Juventude (MUD Juvenil) da qual se afastou por divergências em relação às questões coloniais. Amílcar sempre defendeu os seus ideias de libertação das colónias africanas de uma forma muito activa, assim sendo eleito presidente do Comité da Cultura da Casa dos Estudantes do Império (CEI). Conjuntamente com outros estudantes africanos (Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade) cria em Lisboa, o Centro de Estudos Africanos. Mais tarde, em Bissau, cria o PAI – Par tido Africano da Independência, que mais tarde viria a chamar-se PAIGC – Partido Africano para a Independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau.
Ainda na década de 50, regressa a Bissau, onde trabalha no posto experimental de Pessubé e realiza o recenseamento agrícola, o que viria a servir de base à preparação da estratégia da luta armada em 1963. Na Guiné Bissau, Amílcar Cabral casa com a sua segunda mulher Ana Maria Fossa de Sá.
O então governador da colónia, Melo e Alvim, reconhece no jovem engenheiro agrícola um inimigo político e afasta-o da Guiné. Amílcar Cabral foi trabalhar para Angola onde contacta com nacionalistas. Em 1957, vai a Paris, onde com os angolanos Lúcio Lara e Mário Pinto de Andrade e o moçambicano Marcelino dos Santos estuda uma estratégia comum para a a independência das colónias portuguesas. Regressa a Lisboa, mas exila-se em 1960 e vai para a Guiné-Conacri onde estabelece a sede do PAIGC. Em Janeiro de 1963, começa a luta armada na Guiné-Bissau. Numa entrevista à Voz da Liberdade, nesse mesmo ano, quando já era o Amílcar Cabral que ficou na História, afirmou na rádio que era ouvida pelos opositores portugueses à guerra colonial: “Antes de começarmos a lutar pelo nosso povo, lutámos pelo povo português. Alguns camaradas meus, como o Vasco Cabral [político e escritor guineense], Agostinho Neto e outros, estiveram anos e anos presos nas cadeias de Salazar… Não é porque lutavam por Cabo Verde e Guiné ou por Angola. Não! Lutavam pelo povo português.”
No dia 1 de Julho de 1970 o Papa Paulo VI recebe em audiência Amílcar Cabral (PAIGC), Agostinho Neto (MPLA) e Marcelino dos Santos (FRELIMO). No mesmo ano, Cabral recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Lincoln, Estados Unidos. A 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, na Guiné-Bissau, por dois membros de seu próprio partido.
Amílcar Cabral chegara a profetizar a sua morte. “Se alguém me há de fazer mal, será alguém que está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios.” Aristides Pereira, substituiu-o na chefia do partido. Após a morte de Cabral a luta armada intensifica-se e a independência da Guiné-Bissau é proclamada unilateralmente em 24 de Setembro de 1973. O seu meio-irmão, Luís de Almeida Cabral, é nomeado o primeiro Presidente do país.
CABRAL FUNDOU A UDEMU
A UDEMU é a organização das mulheres do PAIGC, criada em 18 de Junho de 1961, por Amílcar Cabral, antes do início da luta armada de libertação nacional, com o objectivo de mobilizar as mulheres para a luta pela sua emancipação ou plano de igualdade em relação aos homens. A União tem hoje como tarefa fundamental a consciencialização das mulheres, através da sua integração no trabalho produtivo e nas diversas formas de trabalho social, político, económico e cultural.
O PAIGC, particularmente, Amílcar Cabral, sempre soube valorizar o papel fundamental desempenhado pelas mulheres. Também continua a ser firme convicção do PAIGC que a mulher constitui o pilar de desenvolvimento da Sociedade Guineense. No quadro partidário, o PAIGC é das poucas formações políticas do País que tem um número considerável de mulheres no topo da direcção. Aliás, no IV Congresso Extraordinário do PAIGC foi decidido que, pelo menos, 25% dos lugares nos diferentes órgãos de direcção do Partido devem ser ocupados pelas mulheres.
CRONOLOGIA DA
VIDA DE AMÍLCAR CABRAL
Nasceu a 12 de Setembro de 1924 na Guiné
Em 1932, a família mudou se para a ilha de Santiago, Cabo Verde.
Em 1942 Escreve os primeiros cadernos de poesia: “Nos Intervalos da Arte da Minerva” e “Quando Cupido Acerta no Alvo”
1944: Presidente da Associação dos Estudantes do Liceu de Cabo Verde. Termina o Liceu com média de 17 valores (máximo 18).
1944/45:Secretário do “Boavista Futebol Clube” da Praia.
1950: Termina o curso de Agronomia com uma tese final sobre “A erosão dos solos agrícolas, a partir de uma investigação do concelho alentejano de Cuba”.
1952: Amílcar Cabral termina os seus estudos e começa a trabalhar na Estação Agronómica de Lisboa, onde vive.
Em 1953, como engenheiro agrónomo, trabalhou em Portugal, Angola e Guiné, onde procedeu ao 1º e único recenseamento agrícola existente no país.
1955: Funda o Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING). Realiza trabalhos agronómicos em Angola.
1956, 19 de Setembro – Criação, em Bissau, do PAI (Partido Africano da Independência), que mais tarde vem a adoptar o nome de PAICG, Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Os comandantes eram praticamente todos cabo-verdianos.
Funda em Paris, com Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e outros, e por inspiração do MPLA e do PAI, o Movimento pela Libertação dos Povos das Colónias Portuguesas (MLPCP).
Em Agosto de 1959, uma manifestação dos trabalha dores do porto da Bissau é violentamente reprimida pelas tropas coloniais. Cerca de 50 mortos e uma centena de feri dos marcam o “Massacre de Pidjiguiti” l Em Janeiro de 1960 Amílcar Cabral deixa definitivamente Lisboa. l 1963: Início da luta armada de libertação
1965: Primeiro encontro de Amílcar Cabral com o Comandante Ernesto Che Guevara.
1 de Julho de 1970: O Papa Paulo VI recebe em audiência Amílcar Cabral (PAIGC), Agostinho Neto (MPLA) e Marcelino dos Santos (FRELIMO).
1971: Amílcar Cabral intervém perante a VIII Conferência dos Chefes do Estado e de Governo africanos em Adis Abeba.
A 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, por dois membros de seu próprio partido.
Deixe um comentário