Depois da assinatura de um texto preparatório, a 18 de Junho, em Washington, actores congoleses duvidam da probabilidade de uma paz entre a RDCongo e o Ruanda. Uma nova plataforma criada, na véspera, pela sociedade civil denuncia a falta de transparência das negociações, associando interesses económicos ao teor dos compromissos de Washington.
Parte da imprensa congolesa vê tal facto como um golpe contra a coligação rebelde AFC-M23 (Aliança das Forças Congolesas-Movimento 23), enquanto outra produz comentários mais prudentes.
Organizações humanitárias reportam a transferência de mais de 1500 pessoas da RDCongo para o Ruanda, atribuída à AFC-M23, sinal propenso a sustentar recrutamento de combatentes, contrariando certo optimismo de alguns sectores em Kinshasa.
Determinado a destruir a imagem do antigo chefe de Estado da RDCongo, Joseph Kabila, acusado de aproximação e apoio à rebelião, o governo de Kinshasa intensificou a investigação judicial à chamada “rede financeira” deste dignitário ligado ao negócio dos minérios.
PAZ E NEGÓCIOS
Sinergia da Sociedade Civil para a Transparência do Processo de Paz na RDCongo, uma plataforma civil, diz haver “opacidade” nas negociações com o Ruanda.
Christian Moleka, porta-voz, exigiu “transparência das iniciativas de paz e dos acordos económicos internacionais”.
Criticou a falta de consultas às populações das regiões onde se situam os recursos minerais.
Actores congoleses relacionam o controlo dos negócios dos minérios estratégicos às ofertas de patrocínio internacional do processo de paz por “estes serem os primeiros tocados pelas iniciativas de paz e pelos acordos económicos”.
Depois do texto aprovado em Washington, seguir-se-ão negociações para a versão final de um acordo a ser formalmente assinado em Julho pelos chefes de Estado dos dois países, havendo antes uma versão assinada pelos ministros dos negócios estrangeiros da RDCongo e do Ruanda.
“Nenhum debate público houve, nem mesmo no Parlamento, para discutir os compromissos que o país celebra”, lamentou Christian Moleka, citado pela rádio Okapi.
De acordo com a estação radiofónica, a RDCongo e os Estados Unidos da América “negociam um acordo sobre os minérios estratégicos que visam reforçar a presença americana no sector mineiro congolês em troca do apoio em matéria de segurança”.
Entre outros, os produtos alistados são o cobalto, cobre, lítio, “recursos essenciais para a transição energética mundial”, indica a rádio Okapi.
A plataforma “Sinergia” interroga-se acerca dos termos do acordo previsto, nomeadamente a duração dos contratos, os benefícios para a RDCongo e as garantias de transparência, de acordo com a mesma fonte.
Citando um comunicado emitido em Washington, Okapi descreve o teor do acordo RDCongo-Ruanda: respeito da integridade territorial e interdição das hostilidades, desengajamento, desarmamento e integração dos grupos armados não estatais. Prevê-se, ainda, um mecanismo conjunto de coordenação de segurança, a facilitação do regresso dos refugiados, de pessoas deslocadas e acesso à ajuda humanitária.
Inclui também o respeito pela integração económica regional.
Recorde-se que o processo de negociações contou com a mediação inicial do Qatar, país apoiado pela França e os Estados Unidos, além do Togo (como mediador indicado pelos africanos).
Na altura, a oposição ao presidente Félix Tshisekedi (RDCongo) exigiu uma diálogo com os próprios congoleses à mesa e a publicação do conteúdo dos acordos negociados com a finalidade de assegurar o respeito pela “soberania”.
Em Abril último, a imprensa francesa sustentou que a concretização da estratégia havia iniciado com os interesses no Katanga (Sul da RDCongo) e com o corredor do Lobito (Angola).
A crer na perspectiva de análise da rádio francesa RFI, a estratégia norte-americana pretende obter como resultado “conjugar a estabilidade regional e os interesses económicos americanos, congoleses e ruandeses”.
Nas regiões de Kivu (Norte e Sul), onde a guerra se realiza, na RDCongo, existem minerais tais como as chamadas terras raras, ouro, tântalo, nióbio e tungsténio.
O negócio dos minerais colocou o ex-presidente Joseph Kabila e o actual governo de Félix Tshisekedi em pé de guerra.
KABILA: NEGÓCIOS E REBELIÃO
Autoridades de Kinshasa anunciaram a continuação de investigações com a intenção de “desmantelar” o que consideram “redes financeiras” de Joseph Kabila.
Iniciadas há quatro meses, detenções e audições procuram reunir provas do envolvimento de várias personalidades ligadas ao mandato de Joseph Kabila.
Sobre o ex-presidente pesa ainda a acusação de traição à pátria pela sua ligação à rebelião da AFC-M23. A acusação foi formalizada por um tribunal militar.
A justiça militar solicitou ao senado a anulação das imunidades de Kabila para ser julgado igualmente por associação aos rebeldes devido à suposta ligação com a Alliance du Fleuve Congo, comando político dos rebeldes.
A acusação inclui ainda o crime de guerra e contra a humanidade.
Ao defender-se, Kabila alegou tratar- se de cabala.
MUITAS DÚVIDAS
Enquanto o jornal Le Potentiel qualifica as discussões de Washington “aprofundadas e construtivas” e “um passo decisivo”, o prémio Nobel da paz, médico congolês Denis Mukwege, criticou o carácter de exclusão das negociações.
Na opinião do também ex-candidato às presidenciais de 2023, em comunicado, o acordo representa “um prémio à agressão e legitima a pilhagem dos recursos naturais congoleses”.
Segundo Mukwege, o acordo obriga “a vítima a alienar o seu património nacional, sacrificando a justiça com vista a assegurar uma paz precária e frágil”.
Em reacção ao texto de Washington, o antigo chefe de Estado da RDCongo, Joseph Kabila, propõs um “diálogo entre congoleses”, já que “se trata de uma iniciativa que se diz pretender a integridade do território, a soberania e a protecção da população”.
A publicação Info 27 taxa o acordo como “um fracasso para a AFC-M23 e seus seguidores”, acreditando que “foram por água abaixo todas as manobras que visavam contrariar o processo de paz”.
Para Forum des As, outra publicação congolesa, “a grande vitória do acordo significa a reafirmação da soberania e integridade das fronteiras da RDCongo. Isto dissipa os receios da balcanização que ameaça o país antes e depois da independência”.
Para o jornal Le Potentiel, o acordo que pretende pôr “fim aos anos de tensões e de violência na região dos
Grandes Lagos” suscita “muitas interrogações”: “qual é o amanhã do grupo rebelde AFC-M23? Será um grande ausente ou pião sacrificado?”.
Um comentarista exprimiu “inquietação” em relação à integração dos rebeldes nas forças armadas congolesas, enquanto Le Quotidien lamenta o facto de a “dinâmica interna” ter sido “esquecida” num momento em que se pretende “pôr fim à guerra injusta”.
As dúvidas da imprensa, dos actores da sociedade civil e da liderança na oposição política parecem estar sustentadas por algumas actividades no leste.
A organização não-governamental Human Rights Watch denunciou a deportação para o Ruanda de mais de 1500 pessoas pela coligação rebelde AFC-M23.
O movimento rebelde alega tratar-se de ruandeses em situação irregular no território da RDCongo, mas a ONG, depois de se ter encontrado com as vítimas, diz ser um acto forçado que viola o direito internacional. Antes da deportação, as vítimas, congoleses e ruandeses, foram concentradas num estádio, em Goma (cidade controlada pela rebelião), tendo antes sido recolhidos e queimados os respectivos documentos de identidade sob a acusação de serem falsos.
Este tipo de rusgas alimenta suspeitas de recrutamento forçado e preparativos para assegurar a capacidade militar da coligação, lançando incredulidade quanto à paz.
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