O presidente Marcelo Rebelo de Sousa não quer ficar atrás do seu homólogo francês, Emmanuel Macron, e aproveitou um evento recente em Lisboa, concretamente o jantar anual dos correspondentes de jornais e televisões de todo o mundo acreditados em Lisboa, para relançar o tema das reparações do colonialismo, nomeadamente a escravatura e a apropriação de obras de arte.
Por: Vítor Norinha (Jornalista)
Foto: Arquivo F&N
Para os menos atentos que acreditam que o presidente português aproveitou o evento dos 50 anos da “Revolução do 25 de Abril” para abrir a “caixa de pandora”, isso não é verdade. Marcelo Rebelo de Sousa já tinha lançado o tema há um ano, sensivelmente pela mesma altura. Aquilo que o Presidente da República (PR) quer é não ser apanhado em contrapé, depois de este ser um tema que tem sido uma referência em alguns países europeus e que foram antigas potências coloniais.
O primeiro senão foi que o tema não caiu bem entre o recente Governo que tomou posse há algumas semanas, liderado por Luís Montenegro da Aliança Democrática, nem nos partidos do centro e da direita, enquanto os partidos à esquerda desvalorizaram, argumentando que há temas bem mais sensíveis e urgentes para tratar no país. Apenas o partido mais à direita, o Chega, tem “cavalgado” sobre o tema de forma a criar um caso político no país.
A segunda questão é que este tem sido um tema importante para países como a França, Alemanha e os Países Baixos, enquanto o Reino Unido tenta desvalorizar a questão, sobretudo devido aos problemas dos saques e “compras agressivas” feitas ao Egipto no século XIX e início do século XX, e cujas peças são a coqueluche de grandes museus britânicos. E, por último, mas não menos relevante, é que os países africanos envolvidos, nomeadamente os de expressão portuguesa, não têm sido activos no assunto. A excepção é algumas declarações de responsáveis do Brasil e de Angola mas, com pouco vigor.
Vamos detalhar cada uma destes temas.
O pedido de Marcelo Rebelo de Sousa para que o actual Governo continue o trabalho do Governo anterior com o levantamento dos bens patrimoniais das antigas colónias para devolução, tem como contraposição o impacto reduzido que o tema tem tido no espaço lusófono. Portugal ajudou e ajuda, e financiou e financia, monumentos alusivos ao período colonial como foi o complexo do Tarrafal, em Cabo Verde; ou a recuperação da rampa dos escravos na Ilha de Moçambique; e mais recentemente uma iniciativa do Governo angolano para a criação do Museu da Luta de Libertação Nacional de Angola no valor de 34 milhões de euros. Aliás, em Angola tem havido algumas manifestações deste desiderado sem grande insistência. Encontrámos declarações da antiga ministra da Cultura de Angola, Carolina Cerqueira, e que são de 2018, onde afirmava que deve a diplomacia angolana dar início a consultas multilaterais para regularizar a questão da propriedade e da posse, para além da exploração de bens culturais angolanos no estrangeiro. Em 2020, o então ministro da Cultura, Filipe Zau, dizia que se a temática entrar na agenda política, será discutida, mas nunca foi feito nenhum pedido de restituição de património cultural. Há meia dúzia de meses foi a a vez de Adão de Almeida, ministro de Estado e chefe da casa civil do PR João Lourenço, considerar que as reparações aos países africanos vítimas de colonialismo fazem sentido e são justificadas como gestos de reconhecimento da verdade histórica com isenção e imparcialidade. A afirmação foi feita em Novembro, em Accra, Gana, na Conferência de Reparações.
Perdão de dívidas – Aquilo que o PR português sugeriu depois de ter afirmado que Portugal tem de pagar os custos do colonialismo por acções que não foram punidas e pelos bens saqueados e não devolvidos, foi um perdão de dívidas como reparação e ainda a concessão de linhas de crédito e financiamento, algo que já existe, e ainda através da cooperação, também algo que existe e que é cada vez mais intenso. O chefe do Governo português já respondeu que sobre o tema das reparações do período colonial não esteve, nem está, em causa nenhum processo ou programa de acções específicas com esse propósito. Recorda o primeiro-ministro Luís Montenegro com o pouco tempo de governação que tem, que as relações com os povos dos Estados das antigas colónias são excelentes e assentes no respeito mútuo e na partilha da história comum, tendo ainda afirmado que o Estado português “tem tido gestos de reconhecimento da verdade histórica com isenção e imparcialidade”. Do lado do Brasil apareceram reacções recentes com analistas a considerarem que as reparações podem ser feitas com a intensificação de ajudas a nível do conhecimento e da cultura, nomeadamente com o aumento das bolsas de estudo e outros programas do género.
Mas esta cooperação tem sido crescente com programas de financiamento e co-financiamento para a execução de dezenas de projectos nos PALOP e em Timor-Leste e que até 2027 somarão cerca de 1200 milhões de euros, destacando-se os 750 milhões de euros com Angola, a par dos 170 milhões de euros com Moçambique, os 70 milhões de euros com Timor-Leste, os 60 milhões de euros com S. Tomé e os 19 milhões de euros com a Guiné-Bissau. As áreas privilegiadas são a educação, saúde, justiça, segurança, infra-estruturas e agricultura. Ainda em termos de financiamentos, o Governo de António Costa aumentou a linha de financiamento a Angola para dois mil milhões de euros, a par de se manter uma dívida reconhecida de Angola para com empresas fornecedoras portuguesas da ordem dos 700 milhões de euros.
França e Alemanha – E o que fizeram outras antigas potências coloniais? A Alemanha foi o único país que criou um fundo para ressarcir os países onde exerceu o seu domínio colonial. O país já devolveu objectos furtados ao Benim em 2022 e depois fez o mesmo à Namíbia e deverá ainda concretizar devoluções que resultaram de saques à Tanzânia. Mas foi a França, de Emmanuel Macron, aquela que fez a maior publicidade sobre as reparações coloniais, tendo em 2017 afirmado que o património africano não pode ficar aprisionado nos nossos museus, e pouco depois devolveu algumas dezenas de objectos pilhados ao antigo Reino do Benim, actual Nigéria. Por seu lado, a Suíça devolveu objectos ao Egipto e os Países Baixos fizeram o mesmo com artefactos pilhados na Indonésia. Em contraste, o Reino Unido tomou iniciativas com pouco impacto como seja o empréstimo de peças ao Gana quando deveria devolvê-las, e pouco mais fizeram. De facto os museus britânicos, dos mais famosos do mundo, estão recheados desse tipo de peças. Mas há outros países que esperam devoluções, caso das Caraíbas e países da América do Sul. Este é um tema que vai continuar a fazer “correr tinta” e onde as desculpas estão longe de serem suficientes. Aliás, grande parte dos países com pouco mais de meio século de independência estão a passar grandes dificuldades e vão precisar da ajuda das antigas potências administradoras e colonizadoras e esse é um modo de reparação que vai agradar a ambos os lados.
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