Cultura

Jerónimo Haleinge: REI QUER RESGATAR ORGULHO DOS OUKWANYAMAS

Escrito por figurasnegocios

Quatro anos depois de ser entronizado como rei Oukwanyama, Jerónimo Haleinge defende a restauração do antigo Reino de Mandume, recuperando a sua história, para manter o seu legado, a sua identidade cultural, bem como os seus hábitos e costumes. Jerónimo Haleinge foi entronizado rei do ouakwanhama 102 anos após a morte de Mandume. O antigo vice-governador da província do Cunene, entre 2010 a 2012, oriundo da comunidade tradicional ouakwanhama, assumiu o trono a 2 de Fevereiro de 2019, em acto solene de entronização ou coroação no Palácio do Rei, construído na vila de Oipembe, nas proximidades da cidade de Ondjiva.

Mantivemos uma conversa com o rei Jerónimo Haleinge que revelou, entre outros assuntos, que se não tivesse sido o cumprimento da escolha dos súbditos, não assumiria o trono de livre e espontânea vontade. Eis a entrevista.

Por: Venceslau Mateus (Textos e Fotos)

Figuras&Negócios (F&N) – Três anos depois de assumir o trono, que avaliação faz do estado actual da organização do Reino Oukwanyama?

Jerónimo Haleinge (JH) – Os primeiros passos dados, assim que assumimos o trono, foram os relacionados com as infra-estruturas. A primeira foi a construção  do  Conselho do Reino, ou seja, a corte do reino, a estrutura executiva, com 60 membros, que reúne regularmente para traçar estratégias para se encontrar os melhores caminhos para o bem-estar das populações e o que representa o reino nas comunidades.

Estabelecemos a interacção com as comunidades, para explicarmos os objectivos do reino e darmos a conhecer que o reino já tinha um soberano empossado, passados mais de 102 anos depois da morte do rei Mandume Ya Ndemufayo.

Tínhamos a noção de que iríamos encontrar uma instituição completamente destruída. Sabíamos que as dificuldades eram enormes e, também, que o reino a instaurar já não era dos moldes antigos.

F&N – O reino ficou 102 anos sem um soberano, com alguma divisão entre os membros localizados e a viverem em Angola e os do lado namibiano. Está ultrapassada essa divisão?

JH – Até à morte do Rei Mandume Ya Ndemufayo, não havia fronteiras entre o território de Angola e da Namíbia. Trata-se somente de um espaço territorial único, cujo soberano era o Rei Mandume Ya Ndemufayo.

Infelizmente, depois da Conferência de Berlim, foram definidas fronteiras entre Angola e a Namíbia e, com isso, a separação das comunidades do Reino Oukwanyama, ficando uns do lado angolano e outros do lado namibiano. É uma situação que, infelizmente, perdura até hoje, pois o longo conflito angolano não permitiu a restauração do reino num único espaço.

Ainda não tivemos tempo de promovermos um encontro entre os membros das duas cortes, mas estamos a trabalhar no sentido de não haver divergências. Eles reinam no lado da Namíbia e nós reinamos no lado angolano

É assim que, do lado da Namíbia, há uma rainha Oukwanyama. Eles conseguiram reorganizar-se mais rápido do que nós, que só o fizemos há quatro anos. Durante esse período, já visitámos todas as localidades que fazem parte do território Oukwanyama, em Angola, recebemos a visita dos nossos irmãos da Namíbia e já fomos recebidos pelo Presidente da República, João Lourenço.

Infelizmente, devido às restrições vividas nos últimos dois anos, por causa da Covid-19, ainda não tivemos tempo de promovermos um encontro entre os membros das duas cortes, mas estamos a trabalhar no sentido de não haver divergências. Eles reinam no lado da Namíbia e nós reinamos no lado angolano, mas partilhamos um mesmo espírito: a manutenção, perpetuação, promoção, divulgação e valorização do Reino Oukwanyama e dos seus anteriores soberanos.

Para nós, o mais importante é trabalharmos dentro dos marcos da Constituição de Angola e da Namíbia, ajudarmos o nosso Governo a resolver os problemas dos angolanos de uma forma geral. Dentro dos nossos propósitos e objectivos é trabalharmos em conjunto, porque somos da mesma tribo.

F&N – Sua Majestade, que perspectivas para o Reino do Oukwanyama, depois da sua entronização?

JH – Vamos trabalhar sempre nos marcos da Constituição, do direito e respeito da dignidade da pessoa humana, nos marcos do direito consuetudinário. Colaborar e cooperar com os poderes públicos em matérias ligadas aos sectores da saúde, educação, água, roubo e furto de gado, e bem-estar social dos povos. O rei faz parte do Conselho de Concertação Social do Governo da província do Cunene e, é neste espaço onde leva as preocupações do povo.

Uma das nossas propostas para o poder judicial é agravar as penas para quem for condenado por roubo ou furto de gado. Como é sabido, a maior riqueza do povo do Cunene é o gado. Portanto, quem mexe com o gado alheio merece a mão pesada da lei, para se desencorajar a continuação de práticas contrárias aos bons costumes dos povos kwanhamas. Quem toca no boi está a tocar na vida do povo. Portanto,  deve ser punido severamente.

F&N – Face ao actual momento que se vive no país, que mensagem deixa aos angolanos ?

JH – Serenidade, solidariedade, harmonia, tolerância. Estamos num país de direito e de democracia. Vivemos num país onde a democracia reside no povo, portanto, todos nós, independentemente da nossa etnia,  das nossas diferenças políticas e religiosas,  estamos condenados a viver juntos. Temos que ser mais tolerantes, mais solidários para com os que não têm quase nada. Temos que nos unir para a construção e desenvolvimento do país, visando a melhoria das condições de todos os angolanos e que cada angolano, independentemente da localidade em que estiver a viver, deve usufruir das riquezas deste país.

F&N  – E para os súbditos oukwanyama?

JH – Para os oukwanyama, quero sublinhar que devem seguir os bons costumes, os valores da nossa cultura. Aconselho que abandonem os valores que não dignificam a pessoa humana, que concorrem para desestabilizar e desunir as famílias.

Cada um deve trabalhar e viver com o fruto do seu esforço, colocando de lado os elementos nocivos à fé e à crença do povo.


A ORIGEM DO REINO, O TERRITÓRIO, OS TÍTULOS E SIGNIFICADOS

Os cuanhamas (em cuanhama: kwanyama ou uukwanyama) são um grupo étnico que vive no sul de Angola e no norte da Namíbia.Trata-se de um subgrupo dos Ovambos.Eles fixaram-se na região conhecida por bacia dos ovambos, que abrange uma grande parte da província do Cunene, em Angola, e uma região mais pequena do norte da Namíbia, conhecida por Ovambolândia.

Na região, cultivavam massango, massambala, feijão macunde, abóboras e outros produtos agrícolas.

Túmulo – O túmulo do Rei Mandume, em Oihole, foi erguido com materiais e adornos que conservam vários significados na tradição do povo kwanhama. A sua entrada principal,  feita de paus,  simboliza acolhimento a todos os que homenageiam o rei.

Já o cerco,  em primeiro plano,  feito em betão armado, com característica de pau-a-pique, representa a principal riqueza do Reino de Oukwanhama, sobretudo o gado. Os degraus que circundam a campa simbolizam os três poderes que eram concentrados no rei, nomeadamente o legislativo, o executivo e o judicial.

As três folhas da árvore “omufyati” representam os comandantes Príncipe Shipa sha Weyulu, Shikololo sha Hangula e Uhela ya Lomboleni, que preferiram morrer com o rei,  nessa Batalha de Oihole,  a render-se aos invasores.

O anel superior representa a unidade do povo ovawambo, que o rei procurou concretizar para o combate aos invasores. No mesmo, observam-se as unidades militares.

Ao paço (residência) do cerco interior, junto da campa, representa a comunidade ovakwanyama unida ao seu rei. E,  por norma,  é feito exclusivamente para os reis e com paus secos. A árvore “omufiati” representa a resiliência das comunidades que vivem em zonas de clima semi-árido, e tem variadíssimas aplicações no quotidiano dos ovakwanyama, servindo de material de construção, de efeitos terapêuticos, ao mesmo tempo que resiste bem a secas cíclicas. V.M.


MEMORIAL REI MANDUME

O Complexo Memorial do Rei Mandume localiza-se na vila de Oihole, no município de Namacunde, província do Cunene, no sul de Angola e foi erguido em homenagem a Mandume ya Ndemufayo, último Rei dos Cuanhamas.

Inaugurado em 2002, pelo então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, na presença do ex-presidente da Namíbia, Sam Nujoma, o Memorial situa-se a 45 quilómetros da cidade de Ondjiva, capital da província, e foi erguido no local onde o Rei estava antes de ser derrotado pelos portugueses e britânicos, em 1917.

O complexo inclui o túmulo do Rei e um palácio de congressos para empresários que queiram iniciar negócios no Cunene. Prevê-se a construção de uma biblioteca para o arquivamento das principais obras relacionadas com o Rei Mandume Ya Ndemufayo. V.M.


ESTÁTUA DO REI MANDUME

A estátua equestre do Rei Mandume Ya Ndemufaho, soberano dos oukwanhama (1911-1917), inaugurada este ano, conta com cinco metros de altura e quatro de comprimento. Encontra-se implantada na Praça Central da cidade de Ondjiva, local onde o soberano fixou a sua Ombala (Palácio Real).

A peça foi construída em bronze e representa o rei vestido de uma peça de cor preta e um chapéu, montado num cavalo, empunhando na mão direita uma espingarda.

A espingarda simboliza a guerrilha contra o colono português, enquanto o cavalo, com as suas quatro patas firmes, simboliza a posse territorial e nos pés o seu cão de guarda, sentado, dando o sinal de submissão. V.M.


COMPLEXO OIHOLE À ESPERA DE INVESTIMENTO

Localizado no município de Namacunde, a 39 Km de Ondjiva, o Complexo Oihole (Memorial do Rei Mandume ya Ndemufayo) espera por investimento para restaurar as suas infra-estruturas (27 quartos, sala de lazer, cozinha e outros compartimentos), que correm o risco de se degradar completamente.

Nos seus tempos áureos, o espaço rendia cerca de um milhão 800 mil kwanzas por mês, segundo o historiador e guia do parque, Dias Sinedima.

“Hoje, a rentabilização é nula, devido ao seu encerramento, esperando-se que o vencedor do concurso público promovido pelo Governo Provincial do Cunene traga uma nova gestão e possa dar novamente vida ao complexo turístico”, acrescentou.

Inaugurado em 2002, o memorial foi erguido em homenagem ao 17º rei dos kuanhamas, no local onde Mandume ya Ndmufayo se encontrava antes de ser derrotado pelos portugueses e britânicos, em 1917.

O complexo inclui o túmulo do soberano e um palácio de congressos para empresários que queiram iniciar negócios no Cunene.

Prevê-se a construção de uma biblioteca para o arquivamento das principais obras relacionadas com o Rei Mandume Ya Ndemufayo.V.M.

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