Por Vítor Norinha
Para Donald Trump tudo começou na campanha eleitoral para ganhar a presidência norte-americana. A 20 de janeiro último, Trump afirmava em Washington que iria “impor tarifas e impostos aos países estrangeiros”. Esta era, segundo afirmava, a única forma de os EUA serem “tratados como devem”, o país voltar a ser rico e grande (operação MAGA). Passaram 100 dias e a turbulência é geral, a começar pelos consumidores norte-americanos que arriscam preços mais elevados em produtos de consumo, tecnológicos e em matérias-primas, até ao risco de uma eventual recessão.
Trump, tal como todos já se habituaram, tem uma técnica que se tem revelado infalível, em que ataca todos, a começar pelos amigos e depois espera que estes lhe peçam para negociar. Começou pela imposição de tarifas de 25% a produtos mexicanos e canadianos, os seus melhores vizinhos, para depois se lançar sobre a União Europeia e a China. Com a EU decorrem conversações e uma trégua de 90 dias, enquanto com a China a história é outra e depois de tarifas e tarifas recíprocas, vigoram taxas alfandegárias de produtos importados da China da ordem dos 145%. Entretanto, foram criadas exceções, sob pena dos produtos tecnológicos que empresas e os cidadãos comuns americanos utilizam, poderem ter acréscimos de preços da ordem dos 100%. Trump quis enviar uma mensagem simples: nos EUA pode vir a produzir-se produtos que hoje são fabricados na Europa, na China e muitos outros países para depois serem exportados para os EUA. Trump promete uma América que tem “alguns dos impostos mais baixos do mundo.”
As ondas de choque na economia global mantêm-se em suspenso. De entre as declarações que têm sido feitas por responsáveis chineses, relevamos um artigo saído no jornal oficial do Partido Comunista Chinês no início de abril último, em que dizia que as tarifas alfandegárias adicionais resultarão numa “redução do comércio bilateral” e num impacto negativo para as exportações. Acrescentava que muitos produtos norte-americanos têm grande dependência da fabricação chinesa. Dizia o artigo que os EUA dependem da China em termos de bens de consumo e de investimento e produtos intermédios, com uma dependência superior a 50%, o que torna difícil encontrar alternativas no mercado internacional. A China está menos dependente dos EUA em termos de vendas ao exterior, e se o comércio bilateral em 2018 significava 19,2% das exportações da China, hoje é de 14,.7%, e a tendência é para a redução. Também é verdade que alguns dos produtos chineses fazem “viagens”, ou seja, têm valor acrescentado em países de mão-de-obra barata como o Vietname ou Camboja, o que levou a administração Trump a “carregar” nas tarifas destes países que servem de intermediários.
Entretanto, é expetável que um dos braços direitos de Trump, o empresário Elon Musk e que tem dirigido a área de modernização administrativa e que levou à supressão de dezenas de milhar de empregos na função pública, venha a deixar funções. Para Musk, o dono da marca de carros elétricos Tesla, a experiência não foi gratificante pois os mercados externos aos EUA têm respondido com menores compras destes veículos, o que levou Trump a aproveitar o espaço da Casa Branca para uma demonstração de solidariedade com a marca, transformando os jardins num stand de vendas durante algumas horas e cativando a comunicação social! Aliás, entre Musk e o arquiteto do plano comercial dos EUA, Peter Navarro, há uma crescente má disposição. Musk quer com a União Europeia uma zona de comércio livre (a EU quer o mesmo), o que contraria a política protecionista total de Navarro e que é orientadora das decisões de Trump.
Paz podre
O momento atual é de expetativa com investidores, empresários e consumidores na expetativa sobre o futuro. Afirma Martins Hochstein, economista sénior da Allianz Global Investors, que o chamado “dia da libertação” proclamado por Trump, possa afundar a economia global, podendo reduzir a produção global em pelo menos 1%, e uma maior escalada do conflito comercial pode levar a uma recessão. Diz aquele gestor que “uma retaliação generalizada poderá desencadear uma guerra comercial ltotal e, combinada com a queda do sentimento das empresas e dos consumidores, empurrar a economia global para uma recessão.”
Refere uma nota do segurador Crédito y Caución que “embora a política comercial da nova administração norte-americana seja errática, no contexto de anúncios que são adiados ou apenas parcialmente implementados, a mera incerteza já está a atrasar a tomada de decisões empresariais.” Na UE todas as economias serão afetadas pelas políticas comerciais agressivas, caso não se chegue a um entendimento de taxação zero, pois há países mais expostos nas exportações, mas todos os países europeus serão afetados pelo “ricochete” que as decisões terão sobre os “motores” da economia europeia. O maior impacto na Europa será nos setores farmacêutico e automóvel, pois os EUA absorvem 15% da produção farmacêutica europeia, e nos casos da Irlanda e da Dinamarca o peso é de 40% e 30%, respetivamente. Na área automóvel os EUA representam 20% das exportações e pode fazer cair o setor na ordem dos 5% em Itália e Alemanha. Refere o diretor de risco da Crédito y Caución, Jens Stobbe, que não há possibilidade de compensação das vendas europeias para outros mercados, e isto porque “há diferenças na procura do mercado e preferências do consumidor, barreiras logísticas, regulamentações e concorrência crescente de países como a China e a Coreia do Sul.
E, por incrível que pareça, há um novo risco comercial na Europa, América do Sul e África: a China pode virar a onda de bens para estas regiões para compensar a perda do mercado dos EUA, e isso arrasará com muitas indústrias destes continentes.
Por enquanto, e até julho, o mundo estará em standby, depois de Trump adotar uma estratégia de prémios e castigos, moderando temporariamente uma guerra comercial com o mundo, com a aplicação de tarifas de 10% a todos os países, excetuando a China para a qual mantém tarifas de 145%, depois de ter subido inicialmente as tarifas para 54% e depois para 125%. A China retaliou com tarifas de 84%, e para além de tarifas recíprocas pode obrigar à perda de negócios importantes de americanos na China, caso dos casinos da Região Especial de Macau, enquanto Trump está a forçar a venda de entidades chinesas, como o Tik Tok ou a gestora dos portos do Canal do Panamá, a empresas americanas.
Um relatório recente do segurador de crédito Coface diz que “o custo das trocas comerciais entre EUA e China “tornou-se proibitivo, e os efeitos colaterais já estão a ameaçar a estabilidade económica global.” A China irá mitigar o impacto com estímulos à economia doméstica que representa 81% da faturação da indústria local, enquanto tenta o estreitamente de relações com a UE e o Japão. A economia dos EUA dá sinais de abrandamento, diz a Coface, que acrescenta a projeção de uma inflação neste país da ordem dos 4% e uma subida do desemprego para 6%, a par da quebra do consumo interno. Conclui a Coface, em nota, que “o mundo está
à beira de uma rutura no sistema de comércio internacional construído nas últimas décadas. O impacto será profundo, prolongado e exigirá um reposicionamento estratégico por parte de todos os atores económicos.”
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