Sociedade

MITOS E FALÁCIAS DA APRENDIZAGEM

Escrito por figurasnegocios

A aprendizagem dos alunos, nomeadamente a que ocorre, ou deve ocorrer, em contexto educacional, pode ser confusa e complexa.

Texto: Édio Martins /Fotos: Arquivo F&N

Frequentemente e para lidar com essa complexidade, têm sido desenvolvidas teorias, mais ou menos ingénuas e crenças não científicas – a que chamamos Mitos e Falácias – sobre como “ajudar” os alunos a aprender.

No entanto, a ciência da aprendizagem testou muitas dessas crenças e, as evidências actuais mostram que alguns dos nossos conceitos mais comuns estão errados. Esses equívocos sobre a aprendizagem podem fazer com que desperdicemos tempo e esforço educacionais ou, pior ainda, prejudiquem a aprendizagem dos estudantes.

Apresentamos três dos mitos mais comuns sobre a aprendizagem, que procuraremos desconstruir e reinterpretar com base nas evidências mais recentes.

No essencial, importa conhecer bem, como é que as pessoas, particularmente os jovens, processam informações, orientando os educadores a utilizarem estratégias baseadas em evidências para ajudar os alunos a aprender de forma mais eficaz.

Mito 1: Cada estudante tem um ‘estilo de aprendizagem’

Muitos professores acreditam que os estudantes possuem estilos de aprendizagem individuais e que a aprendizagem é otimizada quando o ensino é adaptado a isso. Será assim?

Os estudantes, frequentemente, expressam uma preferência por uma maneira específica de obter informações. Por exemplo, alguns podem dizer que são aprendizes verbais, enquanto outros afirmam que aprendem melhor com informações visuais. Às vezes, teorizamos sobre estilos de aprendizagem de forma ainda mais ampla, incluindo aprendizes concretos ou abstratos, ativos ou reflexivos, analíticos, criativos ou práticos.

Existem testes online, não científicos, que atribuem aos alunos um estilo de aprendizagem, e as escolas até podem adquirir ferramentas caras que classificam a turma em diferentes estilos.

No entanto, não há boas evidências que sugiram que os estilos de aprendizagem estáveis e úteis dos estudantes existam. Além disso, não há evidências de que os estudantes aprendam melhor quando as informações são apresentadas de uma forma que corresponda às suas preferências. De acordo com a pesquisa, tentar adaptar o ensino para corresponder ao modo de processamento preferido de cada aluno é uma perda de tempo e de recursos.

Conceito baseado em evidências: Em vez disso, a pesquisa sugere que os estudantes aprendem, lembram e aplicam melhor informações novas quando processam informações de maneiras múltiplas e diferentes. Processar informações de formas múltiplas e variadas (incluindo múltiplos sentidos, representações abstratas e concretas, exemplos diversos e atividades variadas) cria memórias elaboradas e detalhadas, o que melhora a retenção e a generalização de longo prazo desse conhecimento.

Prática em sala de aula: Os alunos que aprendem frações usando símbolos matemáticos, palavras, informações visuais e experiências cinestésicas devem dominar as frações melhor do que os alunos que experimentam apenas uma abordagem. Da mesma forma, os que processam traduções de francês adquirem o idioma melhor se veem, ouvem, tocam e experimentam as traduções de alimentos.

Mito 2: Provas/testes devem ser usadas apenas para avaliar a aprendizagem dos estudantes

Professores e estudantes frequentemente encaram as provas/testes como um mal necessário – um meio de avaliar (tanto de forma formativa quanto somativa) o que os alunos sabem e não sabem. No entanto, as provas têm um papel mais importante do que apenas avaliar o conhecimento dos alunos.

Conceito baseado em evidências: Inúmeros estudos mostram que as provas não apenas avaliam a memória, mas também a modificam. Os testes são uma forma de recuperação da memória, na qual os estudantes recuperam informações da memória de longo prazo para responder a perguntas. Essa prática de recuperação altera a memória de uma maneira que torna as informações menos propensas a serem esquecidas no futuro.

De facto, a pesquisa demonstra que uma das melhores maneiras de garantir que você se lembre de informações é praticar repetidamente a recuperação dessas informações da memória de longo prazo.

Além de ajudar os alunos a lembrar informações, a prática de recuperação também os ajuda a organizar o conhecimento em suas mentes, aplicar o que aprenderam a novos problemas e perguntas, identificar o que entenderam e o que não entenderam e até mesmo aprender mais informações nas próximas aulas.

Prática na sala de aula: Os professores têm várias maneiras de incentivar a prática de recuperação (o que também pode ajudá-los a avaliar o domínio dos alunos). Os alunos podem expressar-se livremente, e sem restrições, escrevendo tudo o que lembram no final de uma aula, resolvendo uma pergunta da semana passada usando apenas a sua memória, criando um mapa mental das informações de um texto, respondendo a perguntas em quadros brancos individuais, desenhando uma ilustração das ideias principais da lição para auxiliar na memória e muito mais.

A prática de recuperação melhora a aprendizagem, independentemente de ser usada para avaliação ou não, e seja fornecido ou não feedback corretivo (embora mais feedback seja melhor), em diferentes idades e disciplinas. O único requisito é que os alunos realmente recuperem as informações da memória (em vez de simplesmente reler, repetir, destacar ou copiar as informações).

Se quisermos que os alunos sejam capazes de se lembrarem de informações no futuro, faz sentido que eles pratiquem a recuperação dessas informações agora. A prática leva à perfeição, afinal.

Mito 3: Conceitos facilmente aprendidos são facilmente lembrados Professores e alunos normalmente acreditam que se as ideias são aprendidas rapidamente ou facilmente, serão lembradas a longo prazo. Essa crença de “fácil de aprender, fácil de lembrar” é generalizada e afeta as escolhas dos professores e estudantes em relação às atividades de aprendizagem.

Estudantes escolhem técnicas de estudo que permitem a rápida aquisição de novas informações, como reler ou copiar notas (em vez de tentar recuperar), focar num único conceito de cada vez (em vez de misturar ideias similares) e praticar um conceito em uma única sessão de aprendizagem (em vez de distribuir a prática em várias sessões).

Conceito baseado em evidências: Técnicas que aceleram a aquisição de ideias frequentemente fazem o mesmo com o processo de esquecimento. Por outras palavras, a pesquisa mostra que facilmente aprendido muitas vezes significa rapidamente esquecido.

Prática em sala de aula: Algumas dificuldades durante a aprendizagem ajudam na recuperação de informações a longo prazo. Desacelerar a aprendizagem criando dificuldades desejáveis pode resultar em uma melhor retenção a longo prazo do que a aquisição mais fácil.

Por exemplo, a prática de recuperação aumenta os erros durante a aprendizagem e é mais exigente do que reler ou copiar notas, mas produz grandes benefícios de aprendizagem ao longo do tempo. Da mesma forma, os alunos que respondem a uma série de problemas matemáticos do mesmo tipo seguidos (instrução em bloco) cometem menos erros durante a aprendizagem do que os alunos que respondem a uma mistura de problemas diferentes (instrução intercalada). No entanto, os alunos que respondem a uma mistura de problemas diferentes acabam lembrando mais. Por fim, estudar um conceito em uma única sessão (instrução massiva) parece mais fácil e rápido do que espalhar essa aprendizagem por sessões menores e distribuídas (instrução distribuída). No entanto, distribuir a prática ao longo do tempo é muito benéfico no final.

É importante ressaltar algumas considerações importantes:

1. a dificuldade por si só não é suficiente. Introduzir complexidade desnecessária ou reter informações de forma excessiva apenas aumenta o esforço dos alunos, sem, no entanto, promover a aprendizagem;

2. em contraste, ser desafiado durante o processo de aprendizagem pode ser produtivo se os alunos estiverem a lidar com aspectos importantes do problema. Por exemplo, aprender a distinguir entre problemas matemáticos semelhantes é um desafio produtivo e relevante;

3. da mesma forma, a recuperação de informações da memória de longo prazo segue a mesma lógica, uma vez que queremos que os alunos sejam capazes de recuperar informações no futuro.

Portanto, se desejamos que os alunos colham os benefícios do esforço que investem na aprendizagem, é importante adoptar práticas de ensino que enfatizem a abordagem multifacetada das informações, a prática de recuperação e o desafio desejável, promovendo assim uma aprendizagem mais eficaz e uma retenção a longo prazo do conhecimento adquirido.

Apoiar a aprendizagem dos alunos pode ser uma tarefa complexa. Com frequência, desenvolvemos intuições sobre o que funciona melhor, mas às vezes essas intuições podem levar-nos ao equívoco. Derrubar mitos sobre a aprendizagem e alinhar nossas práticas com abordagens baseadas em evidências pode abrir caminho para um processo de ensino mais eficaz e eficiente.

Reflexão: Como é que o processo ensino-aprendizagem pode ser mais efetivo para os alunos?

A desconstrução e reinterpretação dos mitos e falácias mais frequentes nos processos de aprendizagem permitem-nos fazer uma sintética reflexão para que a mesma seja significativa e efetiva. No fundamental, é necessário que o professor crie um ambiente em sala de aula que seja propício à aprendizagem, com aulas práticas, demonstrativas e investigativas, tornando-se mediador e motivador dos alunos.

Para que isso se concretize importa utilizar a aprendizagem significativa como uma metodologia ativa, com focos múltiplos: Sentir; Perceber; Compreender; Definir; Argumentar; Discutir; Levar para a vida…

Complementarmente, importa referir que, como dissemos logo no início do artigo “a aprendizagem dos alunos, nomeadamente em contexto educacional, pode ser confusa e complexa”. Uma dessas complexidades prende se com as diferentes escalas em que os processos de aprendizagem devem ser analisados.

A análise que efetuámos no presente artigo centrou-se no que acontece, ou que deve acontecer, na sala de aula. Uma outra dimensão que importa desmitificar leva-nos a mudar de escala: do aluno/sala de aula para a escola/sistema educativo.

Nessa outra escala – escola/sistema educativo – podemos listar um conjunto de mitos, tais como: o mito meritocrático (meritocracia); o mito do esforço (pelo esforço); o mito do aluno tábua-rasa; o mito competitivo; o mito da qualificação; o mito das áreas de primeira (e das outras); o mito do rigor e exigência (associado a mais ou menos testes/exames/ficha/rankings); o mito da inteligência unidimensional (lógico-dedutiva); o mito da igualdade de circunstâncias; o mito da capacidade (ou da falta dela).

E…

Mas, para esta temática propomos outra oportunidade/artigo.

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