Importa reflectir sobre o papel das elites na condução da prometida ‘construção da nação’ e na criação das condições para reverter as suas fraquezas intrínsecas, porque resultantes das disfunções introduzidas pela dominação colonial, entre as quais a destituição da maioria africana…
Aqui entre nós, e não só, há um tema repetido e mobilizado em vários grupos de cidadãos, nas redes sociais, que é a necessidade de ‘alternância de poder’. Directamente relacionado com o conceito de Democracia – o poder do povo – e a sua aplicação, ou seja, a vontade do soberano em colocar no poder quem considera que irá, em seu nome, implementar os programas propostos e escolhidos para melhorar as condições de vida de todos e criar mais oportunidades para o futuro. A alternância de poder, refere-se à mudança, de tempos em tempos, dos escolhidos para governar em nome do soberano.
Numa sociedade, a necessidade desta alternância constrói-se, tanto pela cidadania politicamente organizada – a sociedade civil – quanto pelas organizações que integram o sistema político, desde que se dediquem a estudar a sociedade para conhecer as suas necessidades e os seus interesses, gizar programas que permitam responder aos mesmos, e transformar esses programas em propostas de projectos políticos a apresentar ao eleitorado, nas diversas instâncias de realização de eleições. Em sociedades de facto democráticas, as eleições acontecem regularmente e aos diversos níveis de governação – local, regional e nacional -, e para os três poderes: legislativo, executivo e judiciário.
De uma maneira simplificada, a introdução acima exposta visa chamar a atenção para o seguinte: alternância de poder não significa, apenas, a eleição de outra força política. Alternância de poder significa, acima de tudo, a eleição da mudança na maneira de fazer política, na maneira de articular necessidades e possibilidades e responder gradualmente às primeiras com base na criação de condições para expandir as segundas, de uma maneira inclusiva e sustentável.
Este entendimento de ‘alternância de poder’ dialoga bem com o argumento, emprestado de Anne Applebaum segundo o qual, para haver uma transição política dois elementos são cruciais: uma elite disposta a abrir mão do poder e uma elite alternativa suficientemente organizada para assumi-lo.
No caso de Angola, importa reflectir sobre o papel das elites na condução da prometida ‘construção da nação’ e na criação das condições para reverter as suas fraquezas intrínsecas, porque resultantes das disfunções introduzidas pela dominação colonial, entre as quais a destituição da maioria africana, o que impediu o exercício da cidadania devido à segregação institucional com base na distinção identitária.
Esta situação não se alterou substancialmente após a independência, uma vez que a substituição do governo colonial pelo ‘governo angolano’ não conduziu à democratização do Estado. Pelo contrário, o Estado continua tão distante da maioria da população como o era o estado colonial, perpetuando as distinções entre “a sociedade” – moderna, urbana, que se rege pelo sistema de direitos – e “a comunidade” – tradicional, não urbana/rural, que se rege pelos costumes -, mantendo formalmente excluída da cidadania, da esfera pública, e da tomada de decisão a maioria da sua população. Mantêm-se os traços da separação entre cidadãos e não-cidadãos, entre o urbano e o rural, entre o direito com base na constituição e o direito com base nos sistemas de valores (ou dito de outro modo, entre as leis e os costumes), caracterizando ‘mundos’ que não se reconhecem como fazendo parte de uma mesma sociedade, e que se tornam cada vez mais incomunicáveis à medida que as desigualdades sociais – escancaradamente crescentes – acentuam as diferenças nos modos de (sobre)viver, estar e comunicar-se, cada vez mais distantes devido à inexistência de instituições geradoras de confiança social e à ausência de descodificadores semânticos nas relações sociais e de poder.
Retomando o argumento de Applebaum, uma pergunta se impõe: e com que elites se pode contar, em Angola, para operar essa transição/mudança?
O mais recente Elite Quality Index 2024, da Universidade de St. Gallen (Suíça), classifica as elites angolanas na posição 139 em 151 países, e no último nível de cinco possíveis, isto é, elites atrasadas(3). Mais preocupante: o “Barómetro de Criação de Valor NextGen 2024: Dar prioridade às oportunidades para os jovens”, na sua 3.ª edição, apresenta o estado global da equidade intergeracional. O Barómetro é a componente EQx que se centra nos aspectos dos modelos de elite nacionais que proporcionam um legado de Criação de Valor ou, pelo contrário, extraem valor dos jovens e das gerações futuras. Nesta componente do Index, Angola ocupa a última posição em 151 países.
As elites contribuem significativamente para a criação da estabilidade ou instabilidade política e institucional, devido ao efeito dos produtos e resultados das suas acções na qualidade da consciência colectiva e no modus operandis da sociedade, particularmente devido à preocupação, ou não, com o desenvolvimento de uma cultura de respeito e de reconhecimento da diversidade que nos caracteriza. Os mecanismos mais efectivos para a construção da estabilidade político-institucional são aqueles que permitem exercitar democracia, criando um ambiente favorável ao reforço de cidadania e a uma inclusão social cada vez mais ampla. Estes arranjos institucionais não são dados nem estáticos. Resultam de entendimentos entre público e privado, na ‘distribuição de tarefas’ entre Estado e sociedade.
Do ponto de vista da mudança institucional seria necessário considerar, entre outras mudanças fundamentais, a criação de sistemas de controlo social, introduzindo as ideias de avaliação, correção e prestação de contas das políticas, a construção de confiança como bem público, e a coragem de iniciar um processo de experimentação institucional, mobilizando novas forças sociais de maneira a garantir a inclusão de novas formas de pensar e de fazer política.
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