Conjuntura

Erro! O objecto incorporado é inválido. A “Visita adiada” de Joe Biden a Angola: IMPLICAÇÕES PARA AS RELAÇÕES ECONÓMICAS E AS INFRA-ESTRUTURAS DO PAÍS

Escrito por figurasnegocios

A relação entre os Estados Unidos e Angola tem evoluído ao longo das últimas décadas, passando por altos e baixos que reflectiram não apenas as dinâmicas geopolíticas, mas também as transformações internas de Angola, um país rico em recursos naturais, especialmente petróleo e minerais. A recente adiada visita do presidente Joe Biden a Angola, ainda que devidamente justificadas, devido ao furacão Milton, poderão ter gerado falhas expectativas tanto em Luanda quanto em Washington, uma vez que as discussões sobre um aprofundamento das relacções económicas e o incentivo a investimentos bilaterais estavam colocadas na mesa das conversações.

Por: Eugénio Costa Almeida* / Fotos: Arquivo F&N

Apesar disso, o adiamento dessa visita não deixa de levantar questões pertinentes sobre as repercussões que isso poderá ter nas relações bilaterais, especialmente no contexto de grandes infra-estruturas económicas, como o “Corredor do Lobito” e o porto do Lobito.

1. O contexto da visita

A visita de líderes mundiais a países africanos é, muitas vezes, um marco importante para fortalecer laços diplomáticos e acentuar a importância da cooperação económica. Para Angola, um país que está em busca de diversificação económica e que depende fortemente das receitas do petróleo, a visita de Joe Biden– e não deixa de representar, dado que, no momento que se escreve estas linhas, nada indica que não possa vir acontecer a visita em nova data mais próxima – representava uma oportunidade significativa para alinhar interesses e atrair investimentos norte-americanos. O governo angolano tem tentado atrair investidores internacionais à medida que procura modernizar a sua economia, reduzir a corrupção e implementar reformas mais eficazes.

Noutras circunstâncias a adiamento da visita, como referi, devidamente justificado por obrigações internas, poderia ser interpretado como um sinal de que Angola não seria uma prioridade na agenda diplomática dos Estados Unidos. Por esse facto poderia ter implicações profundas, tanto nas relações bilaterais quanto nas investidas angolanas em infra-estrutura. O interesse dos EUA em Angola é, em grande parte, impulsionado por considerações económicas, e a ausência de interações de alto nível poderia enfraquecer essas conexões. O que, à partida, tudo parece indicar que não será assim. Veremos. Até porque, não esqueçamos, estamos peto das eleições presidenciais norte-americanas – que tudo indicam serão imprevisíveis – e de alterações parciais no Congresso e no Senado.

2. Impacto nas relações económicas e financeiras

Apesar de tudo indicar, como já referi, que poderá haver a visita um pouco mais tarde, não podemos de deixar de ter em consideração o momento temporal, ou seja, o presente imediato. E este, ate por razões montante, como se verificará, indica que o adiamento da visita de Biden pode ter várias consequências para as relações económicas e financeiras entre os EUA e Angola. George W. Bush e Barack Obama já haviam enfatizado a necessidade de fortalecer relações económicas com os países africanos, mas a abordagem de Biden sugere uma possível mudança na dinâmica. A política externa dos EUA sob a administração Biden tem se concentrado em grandes desafios globais, como a mudança climática, a segurança alimentar e a rivalidade com a China. Angola, embora rica em recursos, pode tornar-se menos visível nesse cenário se não houver um reconhecimento explícito do seu potencial económico.

Uma efectiva parceria económico-financeira entre os dois países poderá levar a uma maior colaboração em várias áreas, como exploração de petróleo – que já existe há mais de 60 anos –, energias renováveis e agricultura. Sem o diálogo necessário e a presença física do líder norte-americano, as oportunidades para estabelecer novos acordos, cooperar em políticas ambientais e promover novos investimentos directos poderão estar comprometidas. Os investidores e empresários dos EUA podem hesitar em comprometer recursos financeiros ou tecnológicos em Angola se não houver claras demonstrações de apoio e interesse por parte do governo americano.

3. O Corredor do Lobito e o Porto do Lobito, importantes para a economia ocidental…

Um dos principais activos económicos de Angola é, apesar de ainda não ser das melhores, quer na SADC, quer a nível africano, a rede de infra-estruturas que suporta suas actividades económicas; e o “Corredor do Lobito”, que inclui Caminho-de-ferro de Benguela (CFB) e o porto do Lobito, é um exemplo claro disso. Esta infra-estrutura foi projectada não apenas para facilitar o transporte de cargas dentro de Angola, mas, principalmente – e foi sempre a visão de Robert Williams – também para estabelecer conexões com os países vizinhos, facilitando o comércio regional, em geral, e o transporte de minérios, em particular. Um dos objectivos do Corredor do Lobito é desenvolver a exportação de recursos naturais e minerais para os mercados internacionais, incluindo, principalmente, agora, para o mercado norte-americano.

O adiamento, por muito tempo, da visita de Biden pode afectar o andamento de projetos críticos relacionados a esta infra-estrutura. A presença dos EUA em termos de assistência técnica, investimentos e mesmo parcerias público-privadas podem ser um impulso necessário para modernizar e expandir as capacidades do Corredor do Lobito. Sem esse apoio, Angola pode enfrentar dificuldades em manter seus planos de desenvolvimento, o que, por sua vez, pode afectar a competitividade do país na atractividade de investidores internacionais.

A conexão marítima oferecida pelo porto do Lobito é crucial, não só para o transporte de mercadorias, mas também para a segurança energética e alimentar do país. O envolvimento dos EUA em melhorias e expansão desse porto poderia significar uma abordagem holística à relação comercial, facilitando uma maior movimentação não apenas de recursos naturais, mas também de produtos agrícolas e outras mercadorias. O adiamento da visita pode sinalizar uma lentidão no progresso desse tipo de colaboração e numa consolidação das relações comerciais.

Acresce que o Corredor do Lobito, poderá vir a ser, também – e para o Ocidente isso é importante, na actual situação geopolítica e geo-securitária –, um importante “escape” do índico para o Atlântico através da rede ferroviária entre os portos de Dar-es-Salam (Tanzânia), na Costa Leste, e o Atlântico, pelo porto do Lobito, diminuindo, substancialmente o tempo que as mercadorias teriam de fazer ao tornearem o Cabo.

4. A rivalidade económica entre norte-americanos e chineses…

Outro aspecto a considerar é a crescente influência da China em Angola. Nos últimos anos, a China tem sido um dos principais parceiros de Angola, investindo massivamente em infra-estrutura, fornecendo empréstimos substanciais e importando grandes quantidades de petróleo. Se a visita de Biden fosse adiante, poderia ter representado uma oportunidade para os EUA reafirmarem sua presença na região e combaterem a influência chinesa, que tem se demonstrado tanto positiva quanto negativa em suas consequências para a soberania econômica do país.

A falta de uma manifestação clara de interesse por parte dos EUA poderia – teria de o fazer, quase que obrigatoriamente – levar Angola a aprofundar ainda mais os laços com a China. Além disso, a percepção de que os Estados Unidos não estariam dispostos a se comprometer poderia influenciar a política interna angolana, potencialmente reduzindo a pressão para as reformas necessárias que tornariam o país mais atractivo para investimentos norte-americanos, em particular, mas para a generalidade dos investimentos ocidentais (onde se incluem, geopoliticamente falando, Japão, Coreia e Singapura). Isso se traduziria num dilema para o governo angolano: como equilibrar as suas relações com potências globais, particularmente quando uma delas pareceria estar ausente ou hesitante?

Além do mais, um eventual adiamento “sine die” da visita de Joe Biden a Angola – até porque não se sabe que será o próximo inquilino da White House na 1600 Pennsylvania Avenue, Washington, DC, se a democrata Kamala Harris ou o republicano Donald Trump que já mostrou, antes, ter pouca simpatia para com alguns países africanos (diria, com todos…) – também poderá ser visto como uma oportunidade perdida para discutir questões cruciais que vão além do comércio e das finanças.

A interacção nas esferas de direitos humanos, boa governança e sustento da democracia é igualmente importante para moldar um futuro sustentável para Angola. O ambiente empresarial em Angola, embora promissor, ainda é permeado por desafios, como a corrupção e a burocracia excessiva. O diálogo sobre essas questões é importante para solidificar confiança e transparência nas relações comerciais.

Além disso, o envolvimento de líderes de diversas esferas do governo dos EUA em discussões com seus homólogos angolanos poderá – sempre – fomentar uma maior consciência sobre as especificidades do mercado angolano, facilitando um alinhamento em áreas susceptíveis a conflitos, como exploração de recursos naturais e questões ambientais.

5. Recordemos que nas relações Angola-China, pode vir a ser tornar num cenário [pouco ou nada] alternativo…

Um dos aspectos mais complicados do adiamento da visita de Biden, seria poder se tornar ainda mais potencial a influência chinesa nas relações com Angola, já de si, como referido, demasiado impactantes. Como se sabe Angola tem uma dívida elevada com a China, estimada em dezenas de milhões de dólares, uma situação que, se não revertida rapidamente, poderá vir a gerar numa relação de quase dependência económica. A China tem sido um parceiro crucial no desenvolvimento de infra-estruturas em Angola, muitos dos quais foram financiados através de empréstimos que têm como garantia os recursos naturais do país, especialmente o petróleo.

Neste contexto, enquanto os EUA parecem, por vezes, hesitar em firmar um relacionamento mais sólido, a China pode continuar a expandir sua influência económica em Angola. O governo chinês é conhecido por desenvolver políticas pró-activas, como a criação de zonas económicas especiais e a mobilização de investimentos directos, que podem beneficiar a Angola significativamente, mesmo que a um custo elevado em termos de compromissos de dívida.

Além disso, a presença da China em Angola, ao contrário de um modelo financeiro mais liberal e menos intervencionista, como o americano, acabará por solidificar laços que podem ser mais confortáveis para a “neo” liderança angolana, particularmente numa era onde a diplomacia americana poderá continuar a ser vista como condicionada a questões de direitos humanos e governança.

6. Em conclusão…

A visita adiada de Joe Biden a Angola não é apenas uma questão de protocolar encontros diplomáticos, mas é um indicador vital do estado das relações bilaterais entre os dois países. O adiamento poderá ter repercussões significativas em áreas económicas e financeiras, particularmente em relação ao Corredor do Lobito e ao porto do Lobito, essenciais para a infra-estrutura angolana. À medida que Angola navega pelas complexidades da sua realidade económica e busca diversificação e modernização, a presença e o apoio dos Estados Unidos são cruciais.

A ausência de um compromisso demonstrado pode não apenas atrasar projetos de infra-estrutura, mas também impactar a política interna angolana e levar o país a abraçar mais fortemente parcerias com outras grandes potências, especialmente a China, com quem já temos uma enorme – talvez demasiada – ligação económico-financeira.

Para Angola, é – continua a ser – vital que o diálogo com parceiros internacionais se mantenha aberto e produtivo, garantindo que as oportunidades para desenvolvimento e crescimento não sejam comprometidas por adiamentos e hesitações diplomáticas – ainda que, repete-se, tenha havido uma razão superior e muito forte para o referido adiamento –. A história recente fornece lições valiosas, mas o futuro das relacções económicas entre os EUA e Angola depende, e dependerá sempre, acima de tudo, da capacidade mútua de compromisso e colaboração.

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade Agostinho Neto*
*Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

Sobre o autor

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