Conjuntura

ÁFRICA E AS VIAGENS DA PAZ DE JOÃO LOURENÇO NUM HEARTLAND EM CONSTANTE CRISE

Escrito por figurasnegocios

BREVE INTRODUÇÃO: A Região dos Grandes Lagos (RGL), particularmente a República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda, tem sido marcada por conflitos complexos e prolongados. A actuação diplomática de João Lourenço, Presidente de Angola, tem sido fundamental na busca por soluções pacíficas e sustentáveis para as tensões na região, especialmente no que diz respeito ao grupo rebelde M-23, que tem causado dura instabilidade em áreas do leste da RDC.

Por: Eugénio Costa Almeida * /Foto-: Arquivo F&N

Este texto/ensaio, aproveitando o recente Acordo de Cessar-Fogo de 30 de Julho de 2024, examinará as iniciativas diplomáticas do Presidente João Lourenço, incluindo os Protocolos de Paz de Luanda de 2019 e 2022 e o já citado recente acordo de cessar-fogo que entrou em vigor a 4 de Agosto de 2024, bem como analisará a resposta do M-23 a esses acordos e procurará emitir, caso hajam, os impactos dessas iniciativas na RDC, Ruanda e Angola, sem esquecer os países “co-limites”, como o Burundi e o Uganda e, de certa forma, o Quénia, ou não estivesse o seu presidente, William Ruto, entre os dois mais citados e “aplaudidos” por Paul Kagame – o outro foi João Lourenço – na sua tomada de posse, como os principais obreiros esforços em prol da paz LUSA/DW, 2024).

Actividades Diplomáticas e Protocolos de Paz – João Lourenço tem desempenhado um papel pró-activo na diplomacia regional, enfatizando o diálogo e a mediação. A assinatura do Protocolo de Paz de Luanda, em 2019, estabeleceu um quadro para a convivência pacífica entre a RDC e Ruanda, adiante descrito. Em 2022, ocorreu uma nova rodada de negociações que resultou em um segundo Protocolo que procurou resolver questões pendentes e reafirmou compromissos anteriores, além de introduzir mecanismos de monitoração e verificação.

O recente acordo de cessar-fogo de 30 de Julho passado e que entrou em vigor a 4 de Agosto, entre a RDC e Ruanda representa um marco significativo nas negociações. Este acordo, que surgiu em um momento crítico de escalada do conflito, foi visto como uma vitória para a diplomacia de Lourenço e a eficácia das iniciativas angolanas. Todavia, o M-23, que se manifestou inicialmente céptico em relação aos acordos e na véspera dos mesmo entrarem em vigor atacou e ocupou algumas localidades, parece estar aceitando o cessar-fogo, em um reconhecimento da necessidade de um ambiente estável para futuras negociações. Esta “cordial” aceitação só reforça o que alguns analistas e mesmo alguns funcionários das Nações Unidas (ONU) andaram a afirmar «se o M-23 aceitar o acordo e respeitá-lo, será prova inequívoca que depende do Ruanda» (Anjos, 2024).

Os Protocolos de Paz de 2019 e 2022 e o Acordo de paz de 2024- Sintetizemos os Protocolos de Paz assinados em 2019 e 2022: O Protocolo de 2019 foi assinado por seis países da região, a saber: Angola, RDC, Ruanda, Burundi, Tanzânia e Uganda, sendo que o objectivo principal deste protocolo era abordar a instabilidade e os conflitos armados que afectavam a região, promovendo a reconciliação e a colaboração em questões de segurança e desenvolvimento e focalizando a desarticulação de grupos armados e o fortalecimento da cooperação bilateral. Por sua vez o Protocolo de 2022 deu seguimento às iniciativas de 2019 e buscou reforçar os compromissos tomados anteriormente, como adiante será escalpelizado. Os países signatários foram os mesmos que assinaram o Protocolo anterior, com um foco renovado em efectivar as medidas de paz e reconciliação.

Em ambos Protocolos esteve subjacente – e continuam a estar – como objectivo encontrar soluções duradouras para os conflitos persistentes na RGL, visando não apenas à paz, mas também ao desenvolvimento económico e social dos países envolvidos. No entanto, a implementação efectiva dos acordos continua a enfrentar os vários e persistentes desafios, onde se incluem a desconfiança entre os dois principais países (RDC e Ruanda), aliada à pouca empatia entre Tshisekedi e Kagame, à presença de grupos armados que operam na RDC, agora “unidos” num suposto movimento político-militar denominado Aliança Rio Congo (AFC – Alliance fleuve Congo [que, estranhamente, houve quem traduzisse ou “adivinhasse” a sigla AFC, como Aliança Francesa do Congo!!]) – que Tshisekedi, em entrevista concedida à rádio congolesa Top Congo, na Bélgica, acusou de ter o apoio de Kabila Kabangu (LUSA/DW, 2024) e a que não será, talvez, alheio a suposta tentativa de golpe de Estado, de Maio passado – e a complexidade das questões sócio-económicas, em particular, à exploração ilegal mineira.

Já o recente Acordo de paz de 30 de Julho, visa levar as partes em conflito a acolher um denominado “Roteiro de Luanda” onde são apontados os caminhos para a pacificação do Leste da RDC. E este caminho passará, primeiro, pelos encontros ministeriais que se vão seguir, tendo o primeiro ocorrido a 12 de Agosto passado entre o MIREX angolano Teté António e a sua congénere democrata-congolesa Kayiwamba Thérèse Wagner, isto depois, do passado 6 de Agosto, ter estado em reunião com embaixador norte-americano, em Angola, Tulinabo Mushingi, com quem abordou, entre outros assuntos, questões ligadas à Situação de Paz e Segurança no Leste da RDC.

Impactos nas Relações Regionais: – As iniciativas do presidente João Lourenço têm um impacto profundo nas dinâmicas regionais. Na RDC, a implementação efectiva do cessar-fogo poderá resultar numa redução significativa da violência, permitirá, caso esteja para isso virado, que o governo do presidente democrata-congolês Tshisekedi se possa concentrar numa reconstrução e num necessário desenvolvimento do país. No entanto, a paz duradoura ainda depende da inclusão de todas as partes interessadas e do endereçamento das causas subjacentes do conflito, como questões de governação e do papel que os grupos armados possam – e deverão – ter no clima político, social e económico da RDC. Só que….

No Ruanda, a aceitação do cessar-fogo também pode representar uma mudança estratégica. Para o governo de Paul Kagame, a estabilização na RDC é crucial para a segurança nacional e pode abrir espaço para uma maior cooperação económica e comercial com a RDC, que é rica em recursos e que, como tudo o indica, o Ruanda tem estado a fazer uso abusivo daqueles, quer por via directa – segundo recentes notas de várias organizações internacionais, estarão entre 3000 e 5000 militares ruandeses na RDC –, quer através do M-23, como, recentemente, os acusou o presidente Tshisekedi (Bashi, 2024) solicitando, mesmo, à comunidade internacional que esta embarque todas as exportações minerais ruandesas não legitimadas (Bordalo, 2024).

Por outro lado, a liderança de Lourenço em processos de paz tem sido bem vista internacionalmente, solidificando sua imagem de mediador como um mensageiro da paz. No entanto, internamente, Lourenço enfrenta um cenário complexo. Em um contexto social e político onde sua popularidade é contestada, especialmente em relação a questões de governança e direitos humanos, a sua política externa pode não gerar os mesmos frutos positivos dentro do país. A percepção de que ele é mais respeitado fora do que dentro das fronteiras angolanas pode ocasionar desafios políticos.

Em jeito de conclusão – As actividades diplomáticas de João Lourenço são cruciais para a busca da paz entre a RDC e Ruanda. Os Protocolos de Paz de Luanda e o recente acordo de cessar-fogo são evidências do compromisso de Angola em promover a estabilidade na região e tentar que o Heartland, ou seja, a Região dos Grandes Lagos, em geral, e o Interland Africano, ou seja toda a RGL e a África Austral, em particular, não sejam afectadas pela instabilidade que persiste, a que, recente investida do Estado Islâmico da Província da África Ocidental, no Leste do Congo (AFP/VOA, 2024), e que pode “descair”, ainda mais – já estão em Cabo Delgado, Moçambique – para a África Austral, através das fluidas linhas ferroviárias…

Contudo, os efeitos destes acordos na realidade interna de Angola e na dinâmica sócio-política do país continuam a ser uma preocupação. A eficácia da diplomacia de Lourenço dependerá não apenas do sucesso das negociações internacionais, mas também de sua capacidade de equilibrar a elevada imagem externa e as expectativas internas, estas cada vez mais periclitantes, até dentro das “suas portas”.

Já agora, parece que, também o Sudão, procura cativar os ofícios de João Lourenço para ser mediador do conflito interno sudanês, a que não será alheio, provavelmente, o facto de em Junho passado a União Africana (UA), após a1218ª Reunião do Conselho de Paz e Segurança da UA (PCS-UA), ter designado o presidente Lourenço como membro do Comité Presidencial Ad-hoc para a República do Sudão, pela África Austral, “Noblesse Oblige”… internacionalmente, claro, porque em casa…


APONTAMENTOS BIBLIOGRÁFICOS:

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e Investigador associado do CINAMIL**
** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado.

Sobre o autor

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