Conjuntura

A adjudicação directa: UM MEIO PARA FUGIR AOS CONTRATOS PÚBLICOS?

Escrito por figurasnegocios

Recentemente, a comunicação social e os “media” sociais nacionais enveredaram por uma maré de comentários, a maioria com muito sentido, sobre alguns ajustes directos que o Governo do Presidente João Lourenço estava a praticar, Dois desses ajustes ou adjudicações seriam a compra de machimbombos e a “fortificação” da linha férrea para o aeroporto internacional António Agostinho Neto (que no caso das linhas férreas, e face ao que se vai vendo, deveriam ser em todas elas, não vamos, um dia, chorar por um eventual gravíssimo acidente ferroviário, devido à incúria de muitos nossos compatriotas que fazem da linhas férreas pontos de venda).


Por: Eugénio Costa Almeida*

Todavia, ainda que não possa deixar de relevar estes casos, recordemos que num relatório datado de Abril deste ano, elaborado pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA, Angola era criticada pelo abuso do uso de adjudicações directas que estava a ser praticado.

Recordemos, por exemplo, que entre o último trimestre de 2022 e os dois primeiros meses de 2023, o governo terá autorizado mais de uma vintena de contratações por ajuste directo, no valor de cerca de 3,7 mil milhões de US Dólares (mais de 2 biliões de AOA), sendo que, no entanto, desde o início dos mandatos do Presidente João Lourenço terão ocorrido mais de uma centena de contratações por adjudicações directas, seja por necessidade imperiosa de tempo, seja por razões não explicitadas.

Ressalve-se, ou complemente-se, que muitas vezes estes ajustes directos são vistos como uma das vias para o desenvolvimento da corrupção e compadrio. Isto não significa que o sejam sempre. Como referi, por vezes – e não poucas vezes – o tempo de execução não é coadunável com a o tempo que demora um concurso público interno e, ou, internacional para a realização da obra. Ou seja, nem sempre o ajuste directo é um meio para fugir a contratos públicos ou para “ajudar” eventuais “amigos” ou “interesses” próximos. Ainda assim, era conveniente que estas adjudicações directas fossem reduzidas…

Tentemos, sinteticamente, definir o que é uma adjudicação ou ajuste directo para  melhor compreensão do leitor ou do estudante.

De uma maneira geral, a adjudicação directa é um procedimento muito comum na área de compras públicas, em que um contrato é atribuído directamente a um fornecedor específico sem a necessidade de um processo de licitação. Essa prática é regulamentada por leis e normas que estabelecem as condições em que a adjudicação directa pode ser realizada, visando garantir a transparência e a legalidade na contratação de bens e serviços.

As adjudicações, ou ajustes directos, são feitas quando uma entidade contratante decide atribuir um contrato a um fornecedor específico sem a necessidade de um processo de concorrência pública. Esta decisão pode ser tomada com base em critérios como a urgência da necessidade, a singularidade do fornecedor, ou a existência de patentes ou direitos exclusivos. As adjudicações directas são geralmente utilizadas em situações de emergência, ou quando há uma relação de confiança estabelecida entre a entidade contratante e o fornecedor.

No geral, a maioria dos países que mais utilizam a adjudicação directa, estão vistos como aqueles que possuem um histórico de corrupção e falta de transparência nos processos liciatórios. Em muitos casos, a adjudicação directa é vista como uma forma de ludibriar os controlos institucionais e, ou, parlamentares e favorecer determinados fornecedores, em troca de vantagens indevidas

Contudo, e como já referi acima, nem sempre isso é realidade, havendo, até, vantagens nas adjudicações directas já que estas estão relacionadas com a agilidade na contratação de bens e serviços, uma vez que não é necessário realizar um processo de concorrência, que pode ser demorado e burocrático. Vejamos algumas das vantagens em usar – não abusar – dos ajustes directos:

  1. A “agilidade” é um dos principais benefícios da adjudicação directa dada a rapidez com que um contrato pode ser fechado. Em situações de emergência, ou quando o produto ou serviço é único e não demanda concorrência, a adjudicação directa pode ser a melhor opção para garantir a eficiência e a celeridade na contratação;2. Pode haver uma “redução de custos”; em alguns casos, a realização de um processo de licitação pode demandar recursos financeiros e humanos significativos, pelo que com a adjudicação directa, esses custos são reduzidos, uma vez que não é necessário realizar uma concorrência pública para seleccionar o fornecedor;
  2. O melhor “conhecimento do fornecedor” pode, em determinadas situações, ser muito útil por já haver conhecimento da qualidade dos produtos ou serviços específicos a prestar e nesses casos, a adjudicação directa pode ser uma escolha acertada, garantindo a continuidade da parceria de forma directa;
  3. Na “flexibilidade” a adjudicação directa permite que a entidade contratante negociei directamente com o fornecedor as condições do contrato, como prazos de entrega, formas de pagamento e garantia, o que poderá possibilitar uma maior flexibilidade na definição das cláusulas contratuais, adaptando-as às necessidades específicas do projecto.

No entanto, se há vantagens, também aparece, malefícios ou se tornam evidentes quando não há transparência nem exista uma justificativa para a escolha do fornecedor. Nesses casos, a contratação directa pode ser utilizada de forma indevida, favorecendo empresas ligadas a agentes públicos ou que ofereçam vantagens ilícitas em troca de contrato comerciais e ou, financeiros. Deixemos alguns dos principais aspectos negativos, ou desvantagens, de uma adjudicação directa:

  1. Desde logo a “falta de concorrência” que se apresenta como um dos principais problemas da adjudicação directa, devido à ausência de concorrência, o que pode resultar em preços mais elevados e na falta de transparência na contratação, já que a concorrência é essencial para garantir a eficiência do mercado e a obtenção dos melhores produtos e serviços pelo menor preço possível;
  2. A existência de uma “possibilidade de favorecimento” devido à falta de transparência na adjudicação directa que pode abrir espaço para o favorecimento de determinados fornecedores, sem a devida justificação da escolha e isso pode gerar eventuais e admissíveis desconfianças por parte da sociedade e comprometer a credibilidade da entidade contratante;
  3. Pode haver um “risco de corrupção” pela falta de controle e fiscalização adequados na adjudicação directa o que poderá facilitar a ocorrência de práticas corruptas, como o pagamento de “bónus! (ou gasosa) ou a manipulação de processos para beneficiar determinados fornecedores, representando um grande risco para a integridade e a reputação da entidade contratante;
  4. A possibilidade de haver “limitação do acesso de novos fornecedores” uma vez que os contratos são atribuídos directamente a fornecedores já estabelecidos, o que arriscará prejudicar a competitividade e a inovação no sector, impedindo a entrada de novos players (fornecedores ou investidores) com propostas mais vantajosas.

Ou seja, e em resumo, a adjudicação directa apresenta tanto vantagens quanto desvantagens, e cabe à entidade contratante avaliar cuidadosamente esses aspectos antes de optar por esse tipo de procedimento. É fundamental que os processos de contratação sejam transparentes, éticos e eficientes, garantindo a melhor relação custo-benefício para a administração pública e a sociedade como um todo.

Em última análise, combater o abuso das adjudicações directas requer medidas para aumentar a transparência, promover a concorrência, combater a corrupção e melhorar a capacidade institucional de um qualquer Governo.

Há países – na realidade, a maioria dos países – que têm normativos que regulam os ajustes directos, só que, nem sempre, são devidamente aplicados. Em Angola, por exemplo, temos a Lei dos Contratos Públicos, a Lei n.º 40/20, de 23 de Dezembro de 2020, que estabelece os procedimentos e critérios para a realização de contratos públicos, incluindo a adjudicação directa em determinadas circunstâncias previstas na lei.

Para muitos, esta Lei não estará a ser devidamente bem aplicada…

 *Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL e Pós-Doutorado da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**
 ** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado. 

 

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