Ciência & Tecnologia

QUANDO A IMERSÃO TECNOLÓGICA COMEÇA A SER PREJUDICIAL

Escrito por figurasnegocios

Num mundo crescentemente e avassaladoramente conectado com cada vez mais crescente acesso a banda larga móvel, onde quer que nos encontremos; associado a dispositivos com mais capacidade de processamento e armazenagem, temos como resultado crescentes horas médias de tempo de ecrã, não só em população adulta e por razões profissionais, mas também nas camadas mais jovens, daqueles a que se chama comumente de “Nativos Digitais”, ou seja as gerações mais recentes que já cresceram num ambiente onde a tecnologia digital, como computadores pessoais, a internet, smartphones e dispositivos electrónicos, já estavam amplamente disponíveis e integrados na vida cotidiana desde o nascimento ou desde uma idade muito precoce. Os nativos digitais são caracterizados por terem crescido num mundo digital e, como resultado, tendem a ter uma familiaridade natural com tecnologia digital e capacidades digitais.

Por: *Daniel Castanho Paes *
Consultor em Estratégia, Digitalização e Inovação. (dp@danielpaes.com)

Por: *Daniel Castanho Paes *
Consultor em Estratégia, Digitalização e Inovação. (dp@danielpaes.com)

Vivendo nós num mundo cada vez mais tecnológico, ao qual gerações anteriores tiveram que extensamente se adaptar e actualizar-se para poder funcionar proficientemente com as tecnologias actuais disponíveis, à partida, quem de pequeno já ficou familiarizado com um uso intenso de tecnologia, podemos então ver  como algo de positivo. Mas será assim tão óbvio?

Se por um lado, é inequívoco que há uma parte de vantagem nesta assimilação de capacidade de interação com novos meios e interfaces de tecnologia contemporânea, desde tenra idade, existe também o outro lado da equação, e que é, o que se está a perder em factores positivos de desenvolvimento infantil e juvenil, pela extensa utilização de meios tecnológicos desde tenra idade.

Estes temas têm gerado a curiosidade da comunidade cientifica, que de alguma maneira tem começado a estudar estes efeitos e impactos. Por exemplo, em 2019, foi escrito o livro “A Fábrica de Cretinos Digitais” (no título original em francês, “La Fabrique du Crétin Digital”) pelo neurocientista francês Michel Desmurget o autor aborda questões relacionadas com uso excessivo de dispositivos digitais e seus potenciais impactos negativos no desenvolvimento cognitivo e comportamental das crianças e adolescentes. O livro tem gerado debates significativos sobre o uso de tecnologia digital por jovens e as suas implicações para a saúde mental e a aprendizagem destas novas gerações.

Já iremos falar um pouco mais sobre as conclusões que se podem extrair destes estudos e destes livros, mas outro conceito que se têm discutido recentemente, é o facto de que pela primeira vez na história da humanidade se estima que o Coeficiente de Inteligência médio da população mundial decresceu; ou seja em média, pela primeira vez na história da humanidade teríamos, filhos com coeficientes de inteligência menores do que os seu pais ou do que as gerações anteriores.

Apesar de já existirem algumas referências a esta tendência (observada essencialmente de forma empírica), este último factor é de menor consubstanciação científica, até porque  os testes de QI podem ser revistos e actualizados periodicamente para refletir as capacidades necessárias em contextos sociais e culturais contemporâneo e portanto as naturais mudanças nos testes podem afectar as pontuações médias, sendo claro que as baterias de testes de QI aplicadas há 30 anos são diferentes das que se aplicam hoje. Adicionalmente as pontuações médias de QI podem variar entre diferentes regiões e culturas, tornando-se importante considerar contextos específicos; e por último, diferentes estudos podem usar metodologias variadas para avaliar o QI, o que pode resultar em diferentes conclusões.

Temos então, que a comprovação efectiva de que pela primeira vez na história da humanidade os coeficientes de inteligência médios estariam a diminuir (o que a ser certo, é preocupante), poder eventualmente não ser ainda uma certeza comprovada, (apesar de crescentemente aqueles que estudam estes temas, comecem  ser consensuais que assim parece ser) é certo que as continuamente crescentes horas médias de tempo de ecrã, e sem qualquer critério de conteúdos visualizados,  por parte das gerações mais novas, já tem impactos comprovados em algumas alterações de desenvolvimento cognitivo e social.

Voltando às conclusões a que chegou Michel Desmurget, no seu livro “Fábrica de Cretinos Digitais” podemos então extrair os seguintes efeitos de uso excessivo em tempo, de dispositivos tecnológicos (computadores, tablets, smartphones, etc…) por parte de crianças e adolescentes:

Impacto na Saúde Mental e Comportamento:

O uso excessivo de dispositivos digitais, especialmente entre crianças e adolescentes, está associado a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e distúrbios do sono.

Estudos mostram uma correlação entre o tempo gasto em frente dos ecrãs e maior incidência desses problemas.

Declínio Cognitivo:

O uso intensivo de dispositivos digitais pode levar a um declínio nas capacidades cognitivas, como a atenção, a memória e a capacidade de concentração.

Há diversas pesquisas que mostram como a multitarefa digital pode ser prejudicial para o desempenho cognitivo.

Redução da Leitura e da capacidade de aprendizagem:

O uso excessivo de dispositivos digitais pode competir com o tempo dedicado à leitura e à aprendizagem académica.

Há já inúmeras evidências estudadas, de que crianças que passam mais tempo em frente aos ecrãs, tendem a ler menos e a ter desempenho académico inferior.

Efeitos Prejudiciais no Desenvolvimento Infantil:

O cérebro das crianças está em desenvolvimento e é particularmente sensível à influência do ambiente digital.

A exposição excessiva a dispositivos digitais pode prejudicar o desenvolvimento social, emocional e cognitivo das crianças.

Efeitos na Saúde Física:

Além dos efeitos cognitivos e comportamentais.

O excesso de horas com dispositivos móveis tem impactos negativos no sedentarismo associado ao uso excessivo de dispositivos digitais.

Este factor pode contribuir para problemas de saúde física, como obesidade infantil ou atrofia muscular (pouco desenvolvimento muscular por excesso de sedentarismo)

Por outro lado, o facto de uma grande parte das gerações em idade juvenil e em idade de aprendizagem, terem hoje conectividade de banda larga em toda a parte, faz com que tenham a sensação de que não é preciso aprender realmente a fundo nenhum tema, basta, se necessário perguntar ao “Dr. Google” (ou outro motor de busca).

Esta sensação de que nem vale a pena estudar a sério e saber mais a fundo nenhum tema, pois se necessário “procuro na internet”, está a criar os seguintes problemas nestas gerações:

Aprendizagem Superficial:

Se os alunos dependem exclusivamente de motores de busca e motores de Inteligência Artificial (IA) para obter informações e gerar conteúdos, podem limitar-se numa aprendizagem superficial, procurando respostas rápidas sem aprofundar o conhecimento em nenhuma área ou disciplina. Isso pode resultar na falta de capacidade  de pensamento crítico e numa compreensão superficial dos tópicos.

Falta de Avaliação da Informação:

Nem todas as informações na internet são precisas ou confiáveis. Os alunos que dependem apenas dos resultados de pesquisas da internet podem não desenvolver as capacidades necessárias para avaliar criticamente fontes quanto à credibilidade e precisão, o que é crucial no mundo rico em informações de hoje, nem desenvolver pensamento e raciocínio critico autónomo.

Perda de Motivação Intrínseca:

Quando os alunos sentem que podem encontrar facilmente qualquer informação de que precisam online, podem perder a motivação intrínseca para aprender e explorar novos tópicos. A motivação intrínseca, impulsionada pela curiosidade e interesse, é essencial para a aprendizagem ao longo da vida.

Redução da capacidade de Resolução de Problemas:

A aprendizagem vai além da recuperação de informações; envolve a resolução de problemas, o pensamento crítico e a capacidade de aplicar conhecimento a situações do mundo real. Uma dependência excessiva de motores de busca pode prejudicar o desenvolvimento das mesmas.

Dependência da Tecnologia:

Uma forte dependência da tecnologia para recuperar informações pode levar à dependência. Se o acesso à tecnologia for interrompido, os estudantes podem ter dificuldade em encontrar soluções para problemas ou concluir tarefas. Ou seja, apenas terem alguma capacidade operacional, se estiverem “on-line” e poderem perguntar “na internet”, sendo absolutamente dependentes e facilmente manipuláveis.

Capacidades de Pesquisa Subdesenvolvidas:

Capacidades de pesquisa, incluindo pesquisa eficaz, avaliação de fontes e citação, são essenciais para o sucesso académico e profissional. A falta de motivação para aprender pode resultar em capacidades de pesquisa subdesenvolvidas.

Criatividade Limitada:

A criatividade muitas vezes requer uma base de conhecimento e capacidades. Se os estudantes não estiverem motivados para aprender e explorar novas áreas, as suas capacidades criativas serão muito menores e capazes, tendo todos a perder com isso. (quanto menos criativos tivermos, menos conteúdos pertinentes e evolutivos teremos amanhã)

 Dificuldade na Aprendizagem Adaptativa:

Num mundo em constante mudança, a capacidade de se adaptar e aprender novas habilidades é crucial. A falta de motivação para aprender pode dificultar a adaptabilidade e a prontidão para desafios futuros.

Percebemos facilmente, que desta forma é natural que gerações que crescentemente têm acesso a quantidades de informação ilimitada, podem, pelo uso excessivo e indiscriminado da mesma, auto limitarem-se, sendo muito negativo o efeito final.

É importante abordar estas preocupações promovendo uma abordagem equilibrada à aprendizagem na era digital, enfatizando a importância de desenvolvimento de Pensamento Crítico; incentivando os jovens a questionar as informações que encontram online, verificar várias fontes e avaliar a credibilidade das fontes.

Igualmente importante que se fomente a Motivação Intrínseca; cultivando o interesse pela aprendizagem (e não apenas, a abordagem “se precisar procuro na web…”); potenciado o relacionar de tópicos de interesse dos alunos, envolvendo-os em projectos práticos e promovendo a aprendizagem impulsionada pela curiosidade.

É importante ensinar “Literacia Digital”, e não deixar que usem por horas excessivas sem critério ou  orientação sobre o uso eficaz e responsável da tecnologia e assim conseguir promover uma mentalidade de crescimento, incentivando as crianças e jovens a abraçar desafios e a ver a aprendizagem como uma jornada contínua já que uma mentalidade de crescimento promove resiliência e adaptabilidade.

Para estimular a Resolução de Problemas, devem ser  desenhadas tarefas e actividades que exijam que os jovens apliquem conhecimento e resolvam problemas do mundo real, promovendo capacidade de resolução de problemas.

Devemos reconhecer que a tecnologia é uma ferramenta valiosa, que deve complementar, e não substituir de todo os métodos de aprendizagem tradicionais,

Embora a Inteligência  Artificial e os motores de busca ofereçam ferramentas poderosas para acesso a conhecimento e  informação, é crucial encontrar um equilíbrio e garantir que os jovens alunos permaneçam motivados para aprender, desenvolvam capacidade de pensamento crítico e se tornem aprendizes ao longo da vida, capazes de se adaptar às exigências em constante evolução da era digital

O estado (há sempre partes de um identificado problema que podem e devem ser regulamentados pelo estado), mas sobretudo os pais, os tutores, os professores (por estarem mais perto das crianças e jovens neste processo de crescimento);  têm um papel fundamental  na necessidade consciencialização dos potenciais problemas e riscos associados ao uso indiscriminado e excessivamente longo em horas/dia, de dispositivos digitais por parte de crianças e jovens, sendo fundamental  que se estabeleçam limites de tempo e de se incentivarem actividades complementares, não digitais e tecnológicas, mais saudáveis e equilibradas.

Apesar das tecnologias serem maravilhosas em muitos aspectos do nosso dia a dia contemporâneo, temos muito mais a ganhar em utilização equilibrada e limitada no tempo de acesso por crianças e jovens, do que no “liberalismo inconsciente” a que muitas dessas crianças e jovens estão “entregues”, por falta de acção de pais e educadores.

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