O ano de 2025, em Portugal, de certa forma, uma continuação de um recente debate que se vai propalando por este país nos últimos anos, com algumas intervenções mais incendiadas sobre a imigração, parece vir a se tornar num ano de profundas alterações, algumas das quais, ainda antes de passarem de meras conjecturas para o papel, já se vai afirmando que serão inconstitucionais.
Texto: Eugénio Costa Almeida*
Fotos: Arquivo F&N
Há em Portugal quem considere que a imigração está a subir exponencialmente e que há a necessidade de ser feito um travão, porque, de acordo com um relatório do Observatório das Migrações(OM), já representam cerca de 7,5% no total da população, sendo que este foi “o valor mais elevado de sempre”; mas os mesmos que levantam vozes sobre a imigração esquecem que Portugal foi – e ainda é – um país de emigração, nomeadamente, para o Brasil, para alguns países europeus (França, Reino Unido, Alemanha, Espanha ou Suíça, entre outros), EUA e Angola e Moçambique, só para citar alguns. Além disso, o relatório do OM recorda que os imigrantes contribuíram, em 2022, com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social portuguesa, representando, face ao ano anterior num saldo positivo de 1.600 milhões de euros,
Tendo por base esta questão que se coloca no rectângulo mais ocidental da Europa, e tendo por base dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM), estima-se que, actualmente, cerca de 281 milhões de pessoas vivem fora do seu país de origem (dos quais, 36,1 milhões de crianças migrantes e 4,4 milhões de estudantes internacionais), representando aproximadamente 3,6% da população mundial o que revela um aumento de quase 83 % desde 1990, quando os migrantes internacionais eram cerca de 153 milhões. Essa tendência é impulsionada por factores diversos, como a busca por melhores oportunidades económicas, fugir de conflitos armados, perseguições políticas e, ou, religiosas, desastres ambientais e mudanças climáticas.
A nível global, muitos migrantes atravessam fronteiras em condições extremamente precárias, expostos ao tráfico humano, exploração laboral e violência. As rotas do Mediterrâneo, do Sahel, da América Central e do Sudeste Asiático tornaram-se armadilhas mortais. Segundo a OIM, desde 2014, mais de 55 mil migrantes terão morrido ou tentar atravessar fronteiras internacionais.
Adicionalmente, políticas de contenção migratória em países do Norte Global (EUA, União , Reino Unido e Austrália) têm contribuído para a proliferação de centros de detenção, deportações em massa e externalização de fronteiras; como nos acordos entre UE e países africanos ou entre EUA e México. Isto levanta sérias preocupações sobre o respeito pelos direitos humanos e pela dignidade dos migrantes.
No geral, a imigração tornou-se um campo fértil para discursos políticos extremistas – Portugal será o caso mais recente em termos de evidência –. Nos EUA, na Europa, em particular em França, Alemanha e alguns países do Centro europeu, e em outras partes do mundo, partidos e movimentos populistas exploram o medo do “outro” para ganhar apoio, associando os imigrantes ao desemprego, criminalidade ou terrorismo. Esta narrativa ignora os dados: diversos estudos comprovam que os imigrantes, em média, contribuem mais em impostos e serviços prestados, do que consomem, e ajudam a sustentar economias onde já começam a multiplicar populações envelhecidas.
A migração, seja “im” ou “em” trata-se de um fenómeno multi-facetado e derivado de vastas razões: migração por razões económicas, ambientais, conflitos ou perseguições, quer levam à migração tanto regular, como, e principalmente, a irregular (ou ilegal). O World Migration Report 2024 destaca que 117 milhões de pessoas estavam deslocadas por força da violência ou desastres naturais, ainda que a migração regular continuasse a ser predominante.
As migrações estão, em geral, profundamente ligadas às assimetrias no desenvolvimento global. Milhões de pessoas abandonam os seus países em busca de oportunidades, melhores condições de vida e segurança. Países de baixo, e mesmo de médio, rendimento veem parte significativa da sua população activa emigrar, em particular especialmente jovens e qualificados. Por outro lado, nações mais ricas beneficiam-se dessa força de trabalho, mas frequentemente marginalizam os imigrantes e impõem barreiras à sua integração.
Do ponto de vista económico, o movimento migratório gera impactos expressivos. Segundo este relatório, as remessas internacionais cresceram mais de 650 % entre 2000 e 2022, somando US$ 831 mil milhões, ultrapassando até mesmo o fluxo de investimento directo estrangeiro em países de baixo e médio rendimentos. Estas transferências representam fonte de rendimento crucial para famílias em países de origem e estímulo ao desenvolvimento local.
Por outro lado, países de emigração beneficiam com aumento da força de trabalho, dinamização económica e inovação tecnológica. Um estudo da OCDE revela que há mais de 150 milhões de migrantes em países deste bloco económico, o que equivale a aproximadamente 11% da população.
Apesar desses ganhos, cresce o discurso anti-imigração em muitos países desenvolvidos, impulsionado por temores sobre segurança cultural, distribuição de recursos públicos e transformações demográficas e impactos religiosos.
Face a estes números globais, analisemos, de modo sintético, o caso de Angola
- Angola, entre Emigração e Imigração (de 1975 à actualidade)
Angola possui uma história marcada por conflitos, dificuldades económicas e desafios sociais. Esses factores influenciaram significativamente os movimentos migratórios no país, tanto em termos de emigração quanto de imigração, criando uma série de problemas específicos.
Em 1975, com a independência, Angola entrou em uma guerra civil que duraria até 2002. Grande parte da população — estimada em até 4,3 milhões de deslocados internos, cerca de um terço do total –, e refugiados cruzaram para países como Zâmbia e Congo-Kinshasa, entre outros. Muitos angolanos também migraram para Portugal, reforçando fluxos coloniais históricos.
Na década de 1980 e início dos anos 1990, milhares buscaram refúgio em países europeus, como Holanda e Bélgica, com grande contingente de menores não acompanhados relatado na Holanda em torno de 2001.
De acordo com o portal do Desenvolvimento Humano Integral (DHI) e citando o MIREX, actualmente estarão mais de 300 mil Angolanos emigrados.
Com o Acordo de Paz de 2002, o Governo de José Eduardo dos Santos tentou levar a efeito um grande processo de repatriamento; por exemplo, até 2006, cerca de 63 000 refugiados retornaram da Zâmbia. Embora muitos tenham voltado oficialmente, o regresso ao país natal não correspondia necessariamente à reintegração completa, pois muitos formaram novas vidas em abrigos ou assentamentos na África Austral.
O crescimento o económico angolano, alimentado pelo petróleo, atraiu emigrantes económicos, especialmente da RDC, Côte d’ Ivoire, República da Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, bem como mauritanos e libaneses. Segundo o DHI, em meados de 2020, Angola acolhia cerca de 656.500 migrantes internacionais, a grande maioria oriunda da RDC.
No plano nacional, e durante o conflito interno, a migração rural-urbana foi intensa. Devido ao conflito interno, cerca de já 65 % da população estava em áreas urbanas, com crescimento anual de 4 %. Este movimento deveu-se à busca de melhores condições de vida, acesso a serviços e empregos em Luanda e outros grandes centros urbanos, ainda que gerasse graves deficiências nos sistemas habitacionais e em infra-estruturas públicas.
A partir de meados dos anos 2000, o país começou a receber uma considerável comunidade brasileira — estimada em cerca de 15 000 pessoas entre expatriados e empresários — impulsionada por iniciativas da CPLP e investimentos em construção civil, mineração e agronegócio. Também houve fluxo de portugueses (nomeadamente angolanos de dupla nacionalidade e antigos colonos e novos investidores), em especial após a crise de 2008 económica, em Portugal.
- Impactos da Migração em Angola
A nível económico e social, a migração, de e para Angola, conduzi a impactos ambíguos: por um lado, muitos profissionais qualificados deixaram o país (imigraram), gerando carência de médicos, professores e técnicos, num caso típico de “brain drain” (fuga de cérebros). Por outro lado, as remessas enviadas por emigrantes – especialmente das comunidades na África Austral e Europa – tornaram-se fonte de recursos para famílias, embora sem uma estrutura político-bancária, como se verifica noutros países, principalmente naqueles onde a emigração é mais antiga.
A emigração também estimulou sectores como construção, comércio e serviços, mas, similarmente, provocou tensões sobre emprego – diferenciação de vencimentos entre expatriados e nacionais – e competição por recursos em contextos urbanos, como Luanda e Benguela.
Já cultural e demograficamente, os fluxos migratórios tornaram Angola, já de si, um magnífico mosaico multicultural, ainda mais pluricultural. O influxo de congoleses democratas e outros africanos e libaneses criou dinâmicas multiculturais e bilinguismo informal, embora sem uma política clara de integração.
A presença de estrangeiros em áreas informais de habitação gerou, por vezes, xenofobia e desigualdade de acesso a serviços públicos.
Acresce que a migração interna já tinha contribuído para a saturação de centros urbanos, dificultando os serviços público, nomeadamente em sectores como a educação, saúde, água, energia. As cidades não conseguiram acompanhar o crescimento populacional, exacerbando desigualdades sócio-espaciais e criaram fortes bolsas de precariedade.
- Angola Moderna e Migração Global
- Angola como destinatário e exportador de talentos:
Actualmente, e já como referido, e neste cenário, em que Angola tanto surge como receptor, como exportador de talentos, o país mantém mais de 400.000 cidadãos no exterior, entre África, Europa, América e Ásia. Os mais numerosos, ainda que sujeitos a uma plena verificação, estão na RDC (cerca de 80.000), Namíbia (70.000), África do Sul (20.000), Portugal (50.000), Brasil (20.000), EUA (20.000) e China (15.000).
Este cenário reforça o papel da grande Diáspora angolana como um elo entre diferentes economias, transmissão da nossa cultura, bem como fonte de captação de talentos em redes financeiras e académicas internacionais. Neste sentido, Angola pode tirar proveito das conclusões que, recentemente o World Bank apresentou sobre a diferente migração: elementos como remessas, redes da diáspora e transferência de habilidades podem ser estruturados para promover desenvolvimento sócio-económico dos países “fomentadores” de migração.
Promover programas de retorno e reintegração de profissionais nacionais, reforçar qualificação e integração económica dos emigrantes, pode sustentar a diversificação económica pós-petróleo (neste caso, de Angola).
- Desafios e reformas nece sárias – Naturalmente que isto implica reformas estruturais e desafios enormes que se consubstanciam na ausência de legislação migratória moderna, dificuldade em emitir documentos, falta de políticas de acolhimento e integração, especialmente para imigrantes sem documentação . Especial atenção requer a inclusão dos imigrantes na educação, saúde e num bom sistema tributário.
Internamente, o planeamento urbano precisa considerar a migração rural-urbana com integração de habitação, transporte e serviços básicos para garantir cidades resilientes.
Conclusão
A migração é uma realidade incontornável e constitutiva da experiência humana. Os desafios que colocam, desde os direitos humanos até às tensões sociais, são grandes, mas não intransponíveis. Com políticas públicas justas, cooperação internacional sólida e uma mudança de paradigma que coloque a dignidade humana no centro, a migração pode ser uma alavanca de desenvolvimento, justiça e prosperidade partilhada.
Reformar as estruturas que hoje marginalizam os migrantes não é apenas uma questão de eficácia económica — é um imperativo moral num mundo cada vez mais interdependente e vulnerável. O futuro será migrante. Cabe-nos decidir se será também mais humano.
Não esqueçamos que a nível global, a desinformação – a proliferação dos “fake news” na informação generalista e nas páginas sociais –, aliada à ausência de políticas de integração eficazes, tende a agravar o racismo estrutural, a exclusão social e a discriminação. O resultado é uma sociedade mais polarizada e menos preparada para lidar com a diversidade cultural e os desafios da convivência plural.
A nível angolano, a migração, global, moldou profundamente desde a independência. A guerra civil expulsou milhões e fragmentou social e militarmente o país. A paz trouxe retorno e também novos fluxos emigratórios, tanto regionais quanto lusófonos. Estes movimentos tendem a moldar a demografia, a cultura, a economia e a estrutura urbana do país.
No mundo contemporâneo, a migração global segue crescendo e se diversificando. Remessas são agora um pilar económico para países como, por exemplo, Angola; os fluxos de pessoas e capital humano , tendencialmente, transformar sociedades, desde que geridos com políticas públicas inteligentes.
Para Angola prosperar no século XXI, é necessário abraçar uma agenda de migração: quem sai, que regressa e quem chega deve ser valorizado. Investir em legislação, integração urbana, mobilidade de talentos e redes da diáspora será fundamental. Só assim Angola converterá a migração de um desafio em uma oportunidade sustentável e inclusiva, para si e para seus cidadãos, dentro e fora de suas fronteiras.
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