Política

MERCADO DO CORPO E O SILÊNCIO DO ESTADO

Escrito por figurasnegocios

É indisfarçável o estado de desânimo generalizado dos angolanos nos dias que correm. A pressão social, derivada do elevado custo de vida e da escandalosa perda do poder de compra, é esmagadora. Os cidadãos esperam — e desesperam — por medidas que devolvam a esperança, já muito envelhecida. Não há oxigénio para quase nada.

Por: Rui Kandove ⁄ Fotos: Arquivo F&N

Na incapacidade das maratonas e do futebol amortecerem o desalento, uma nova “modalidade” tem vindo a captar a atenção dos angolanos: dia sim, dia não, o espaço público virtual é inundado com vídeos íntimos de jovens que se deixam filmar em actos sexuais explícitos ou em poses totalmente despidas. Muitas dessas jovens provêm de famílias estruturadas, o que, por si só, invalida a tese de que se trata de um fenómeno movido apenas pela fome. Não. Não e não.

Estes episódios ilustram, por um lado, a desvalorização e o desrespeito pelo corpo humano — especialmente o da mulher — e, por outro, maximizam a audiência das jovens expostas, elevando assim o seu “valor” num mercado onde a nudez é explorada com fins comerciais. É realmente preocupante este sinal de desvio acentuado.

A questão é que essa desvalorização não surge do nada, nem de forma repentina.

Está claramente associada à ausência de bons exemplos. O espaço público está refém de modelos positivos. Parece haver uma espécie de praga contra os bons costumes. Jovens em posições intermédias, em instituições públicas, desenham com pormenor o bloqueio de quadros que poderiam servir de referência, pelo mérito e pela integridade. O pior é que esta postura desonesta — dominada pelo status quo — é consentida por quem tem autoridade para a corrigir e desencorajar a falta de pudor que hoje se banaliza em escala nacional.

Cada um de nós tem irmã, filha e/ou sobrinhas. Estamos todos sujeitos a cruzarnos com imagens dos nossos parentes mais próximos. Nem mesmo os dirigentes escapam à selva moral em que a sociedade se transformou.

Estamos mal. Mas muito mal mesmo.

Quando os elementos que compõem a sociedade decidiram organizar-se em comunidade, fizeram-no, antes de mais, por uma necessidade de segurança. Mas também foi necessário instituir regras — algumas com força de lei, outras como obrigações morais. Aliás, a moral precede a lei. O sistema político tem uma responsabilidade acrescida na gestão da colectividade. Não é aceitável que bandidos estejam ao serviço do Estado. Quer se queira quer não, os actos praticados por essas pessoas têm sempre o potencial de ser replicados.

Sem qualquer intenção preconceituosa, mas com clareza, todos temos noção de quando começou a massificação da prostituição através dos mass media. E não se trata apenas de prostituição: há um desvio ainda maior que começa na inveja, na intriga, na invenção de histórias para bloquear a ascensão de um João ou de um Francisco.

Perdoem-me a ousadia — faço-o sem autorização dos visados — mas, para mim, é evidente: não é aceitável que quadros como Osvaldo e Isata, Benjamim Duda, Osvaldo Boco, Manuel da Rocha, Arlindo Dala, Folino Sicato— indivíduos qualificados técnica e politicamente — não estejam integrados em funções que lhes permitam, pelo exemplo, replicar uma geração de quadros por todo o país.

O compromisso com a sociedade não pode ser subalternizado à agenda de grupos.

Não pode ser, meus senhores. É urgente proteger o bem colectivo — tanto o material como o moral.

Hoje, há mais predisposição por parte de uma jovem em seguir o exemplo de certas influencers e vender o seu corpo nas redes sociais, do que em inspirar-se no percurso de uma médica bem-sucedida. Alguém está a falhar — e a falhar gravemente..

Sobre o autor

figurasnegocios

Deixe um comentário