Falar do Corredor do Lobito já não é novidade. A primeira e única viagem do Presidente cessante dos Estados Unidos, Joe Biden, a África, em 13 de outubro, será a Angola. Um dos motivos desta viagem é precisamente celebrar a parceria estratégica no Corredor do Lobito, que envolve os Estados Unidos, a Europa, Angola, Zâmbia e República Democrática do Congo.
Por: José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola
O projecto do Corredor do Lobito, com início previsto para o início de 2026, irá transportar recursos minerais essenciais para a transição energética, incluindo cobre e cobalto, por via-férrea desde minas na República Democrática do Congo (RDC) e na Zâmbia até ao porto do Lobito, para serem exportados daí para os Estados Unidos e para a Europa.
O corredor do Lobito tornou-se uma parte importante do quadro geopolítico e geoeconómico global, em que os EUA e a Europa competem com a China pelo acesso a minerais críticos em África.
Hoje, iniciamos uma série de 4 artigos dedicados ao tema do ponto de vista dos países africanos envolvidos na parceria: i) República Democrática do Congo, ii) Zâmbia, iii) Angola e, um artigo final sobre iv) o Corredor Índico-Atlântico na África.
Transição energética versus pobreza energética: o paradoxo dos recursos naturais da RD Congo
A RD Congo é um dos maiores fornecedores mundiais de minerais essenciais para a transição energética, mas não consegue desenvolver o seu próprio potencial energético.
Segundo dados do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), a energia hidroelétrica, uma energia renovável, é o principal recurso energético da República Democrática do Congo. A RD Congo ocupa o primeiro lugar em África em termos de potencial hidroelétrico e detém 13% do potencial hidroelétrico mundial.
O rio Congo, principal fonte de energia hidroelétrica do país, tem a particularidade de receber chuvas durante todo o ano, pois no seu percurso serpenteia pelos hemisférios Norte e Sul.
Estes recursos são uma grande mais-valia para o fornecimento de energia renovável de baixo custo, fazendo da RD Congo um potencial interveniente estratégico na indústria elétrica do continente africano.
Apesar deste potencial, o subsector da eletricidade permanece largamente inexplorado. A taxa de eletrificação de 6% da RDC é uma das mais baixas do mundo e o país não beneficia plenamente das possibilidades de exportação deste recurso. Os níveis de pobreza energética do país são alarmantes. Apesar do enorme potencial hidroelétrico, a biomassa representa 90% da matriz energética do país, sendo a lenha a principal fonte de combustível doméstico, principalmente para cozinhar.
Segundo o BAD, isto decorre da incapacidade do governo em explorar plenamente o potencial hidroelétrico do país, que é atualmente de 3%; do sistema de transmissão e distribuição pouco desenvolvido; do estado de abandono da infraestrutura devido à falta de manutenção e a sua posterior deterioração, e da má gestão do subsector elétrico, bem como dos problemas financeiros da Corporação Nacional de Eletricidade (SNEL).
A RD Congo, um dos maiores sumidouros de carbono no mundo
Para além do seu potencial na energia hidroelétrica, a RD Congo está entre os países com as maiores florestas e a maior biodiversidade do mundo. O país tem uma área florestal estimada em 155 milhões de hectares (62% do território nacional), uma grande rede hidrográfica, uma das mais ricas e variadas mega biodiversidades, significativo potencial pesqueiro.
De acordo com dados recentes da Universidade de Ghent, na Bélgica, a floresta tropical da RD Congo é o sumidouro de carbono mais importante do mundo – mais importante ainda do que a Amazónia na América do Sul. Na verdade, a RD Congo tem as emissões de carbono per capita mais baixas do mundo.
Estima-se que a capacidade de absorção de carbono das florestas e turfeiras congolesas poderá gerar até 200 mil milhões de dólares anuais através da venda de créditos de carbono.
Um gigante com pés de barro
A RD Congo tem todo o potencial para se tornar um interlocutor importante nas discussões internacionais sobre alterações climáticas e transição energética, mas tem uma base extremamente frágil que a torna vulnerável a quase todos os indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo climáticos. Está entre os 5 países mais pobres do mundo com níveis de desenvolvimento humano baixíssimos.
De acordo com o Banco Mundial, a RD Congo ocupa o 164º lugar entre 174 países no Índice de Capital Humano de 2020, refletindo décadas de conflito e fragilidade e restringindo o desenvolvimento. O Índice de Capital Humano da RD Congo é de 0,37, o que está abaixo da média da África Subsariana de 0,4.
Isto significa que uma criança congolesa nascida hoje pode esperar atingir apenas 37% do seu potencial de capital humano, em comparação com o que teria sido possível se tivesse beneficiado de uma experiência escolar plena e de qualidade e de condições de saúde ideais. Os principais contribuintes para a pontuação baixa são as baixas taxas de sobrevivência das crianças com menos de cinco anos, o elevado atraso no crescimento infantil e a baixa qualidade da educação.
A transição energética e a procura de minerais críticos, dos quais o país é rico, são vistas como um novo paradigma que poderá contribuir para impulsionar o desenvolvimento económico do país e erradicar a pobreza extrema.
A RD Congo e a Zâmbia, também parceiro do Corredor do Lobito, adoptaram medidas para incentivar o processamento de minerais em território nacional antes de serem exportados, e aumentar o valor acrescentado das cadeias de produção ligadas à transição energética.
Ironicamente, um dos principais elementos que bloqueiam este processo na RD Congo é precisamente a energia, num país que tem um enorme potencial energético. A fraca capacidade de produção de energia e os cortes intermitentes no fornecimento de energia afectam negativamente as operações nos sectores mineiro e industrial.
As empresas mineiras da RD Congo foram forçadas a importar eletricidade de locais tão distantes como o Quénia e a Etiópia, num contexto de escassez de oferta, o que é irónico para um país que poderia abastecer a maior parte de África se a sua capacidade hidroelétrica fosse aproveitada.
Kinshasa também solicitou a Brazzaville um fornecimento de reserva de 25 MW. A Tanzânia prometeu fornecer 100 MW. O ministro dos Recursos Hídricos e Electricidade disse haver também planos para importar eletricidade de Angola.
O fornecimento de eletricidade tem sido uma verdadeira dor de cabeça há anos, com o sector mineiro a enfrentar um défice entre 500 MW e 1.000 MW, segundo dados da Câmara de Minas, um órgão da Federação Empresarial do Congo (FEC).
Algumas empresas mineiras ajustaram-se à auto-suficiência. Por exemplo, a Sicomines, com sede no sul do Congo, tem a sua própria central eléctrica com quatro turbinas desde 2021, cada uma produzindo 60 MW.
Durante anos, tanto a indústria como as famílias têm lutado para satisfazer as suas necessidades de eletricidade, e agora as empresas com insegurança energética começaram a importar eletricidade ou a utilizar outras fontes de energia para manter a produção.
O Presidente do Congo, Tshisekedi, reuniu-se em setembro, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, com membros da administração Biden para discutir o desenvolvimento de cadeias de abastecimento de minerais críticos na RD Congo. Tshisekedi procurou o apoio dos Estados Unidos para construir uma refinaria de cobre e cobalto na República Democrática do Congo, antes de o mineral ser exportado.
O resultado das discussões não é conhecido, mas é certo que a construção de uma refinaria para aumentar o valor acrescentado dos minerais críticos terá de fazer face à falta de infraestruturas e de electricidade, e aos baixos níveis de capital humano.
O paradoxo reside no facto de o país que fornece minerais essenciais para garantir a transição energética global e que tem o maior potencial hidroeléctrico do continente africano ser incapaz de impulsionar o seu próprio desenvolvimento sustentável e erradicar a pobreza, incluindo a pobreza energética.
Este balanço da situação energética na República Democrática do Congo contrasta fortemente com o objectivo anunciado da visita de Joe Biden a Angola, onde provavelmente também estarão presentes os Presidentes da RD Congo e da Zâmbia, para “celebrar um projecto (o Corredor do Lobito) emblemático da Parceria do G7 para as Infraestruturas e Investimentos Globais (PGI), que faz avançar a visão conjunta para a primeira rede ferroviária transcontinental de acesso aberto em África, que começa no Lobito e acabará por ligar o Oceano Atlântico ao Oceano Índico; reforçar a democracia e o envolvimento cívico; intensificar a ação em matéria de segurança climática e de transição para energias limpas; e reforçar a paz e a segurança.”
NOVO FÔLEGO DO CORREDOR DO LOBITO, 98 ANOS DEPOIS DA CRIAÇÃO
O Corredor do Lobito, de uma forma genérica, é um trajecto de pessoas e mercadorias, composto por infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, que atravessa o País do Lobito ao Luau, passa por Kolwesi e Lunbumbashi na RDC, entra na Zâmbia por Chingola e termina em Ndola, onde estão as ligações ferroviárias de ligação aos portos no Oceano Índico, Dar es Salam (Tanzânia), Beira (Moçambique) e Durban (África do Sul).
A ideia deste trajecto nasceu de um irlandês em 1906, Robert Willians, que assinou uma concessão de 99 anos para a parte em território de angolano com o então governo português, iniciando o desenvolvimento das infraestruturas neste eixo. Tal como hoje, o grande objectivo era transportar os minérios da região de Katanga na RDC e de Copperbelt na Zâmbia, para o porto de Lobito, abrindo assim uma porta no Oceano Atlântico para exportação destes materiais. Apesar disso, em 1973, o último ano em que funcionou antes da independência, 50% da carga transportada já eram produtos agrícolas e industrializados produzidos em Angola.
Em 2018, quando se assumiu que o sector dos transportes seria um pilar fundamental para a diversificação económica, uma das componentes era a recuperação da importância do Corredor do Lobito. Depois das primeiras conversas com os países vizinhos em que projectava a recuperação do corredor como um todo, havendo alguns constrangimentos em ter uma estratégia comum, o governo de Angola optou por tratar da sua parte. Ou seja, iniciou a recuperação e modernização do trajecto ferroviário Lobito-Luau independentemente do que se estava a passar fora das nossas fronteiras.
Em Setembro de 2021 abriu o concurso internacional para a concessão da gestão do Corredor do Lobito, tendo assinado o acordo com o novo concessionário, Lobito Atlantic Railway (LAR) em Novembro de 2022, e que engloba três entidades – Trafigura, Mota Engil e Vectorius (empresa belga especializada em transportes ferroviários). O concessionário está suportado por dois financiamentos, um de 500 milhões USD de uma entidade americana e outro de 200 milhões USD de um banco sul africano.
Dentro do plano de investimentos do novo concessionário estão programados 455 milhões USD para a compra de 1.500 vagões de mercadorias e 35 locomotivas para a parte angolana, e 100 milhões USD para a modernização da linha férrea existente entre o Luau e Kolwezi (400 km) na RDC, uma vez que esta não tem hoje a capacidade para aguentar o mesmo peso que a linha angolana, não sendo possível maximizar a rentabilidade do transporte a partir do Luau.
O contrato de concessão, com uma duração de 30 anos e possibilidade de se estender por mais 20, prevê também a construção e exploração de dois terminais de mercadorias para apoio aos serviços ferroviários, um no Lobito e outro no Luau, a gestão do porto de minério na margem leste da Baía do Lobito, tem um calado de 15,3 m e 310 m de zona de atracação, a gestão do centro de formação no Huambo, sabendo-se que existe hoje um déficit de pessoal qualificado para as diversas fases das operações ferroviárias. A extensão da linha ferroviária do Corredor do Lobito tem 1.289 km até à nossa fronteira, um tempo médio de trânsito do Luau ao Lobito de 36 horas, sendo que a capacidade total de carga actual/mês é de 2.000 toneladas, estimando- -se que com os investimentos a efectuar, daqui a 5 anos possa ser de 1.600 toneladas. Vai ter uma segunda linha a partir de Luacamo até ao Jimbe (fronteira), ligando-se directamente à Zâmbia, passando por Solwesi e finalizando em Chingola (ver texto principal).
Embora não sendo da responsabilidade do novo concessionário, estão em construção as plataformas logísticas da Caála-Huambo e do Luaa-Moxico, que juntamente com os centros de distribuição logística ao longo do percurso, darão apoio às mercadorias a transportar no corredor. Servirão fundamentalmente para armazenar os produtos, fazer ou desfazer cargas, e estabelecer a ligação com os meios de transporte rodoviários.
O CFB só é um bom negócio para quem está a emprestar dinheiro sem a garantia do Estado angolano
ANGOLA ESTÁ A ENDIVIDAR-SE PARA CONSTRUIR UMA INFRA-ESTRUCTURA PARA TRANSPORTAR UMA MERCADORIA QUE NÃO TEM
Gracelin Baskaran do Center for Strategic and International Studies de Washington, foi sincero quando disse:
“This is an easy entrance for US soft power,”
O estado angolano está a cometer o mesmo erro duas vezes:
1-Endividou-se com a China.
2-Está a endividar-se com os EUA e União Europeia.
Nenhum dos três credores pode garantir que o cobre será transportado pelo CFB.
Os únicos que podem garantir que o cobre seja transportado pelo CFB são os donos do cobre, é a Gecamines da RDC e ela não investiu nem $1,00 USD no CFB.
O que Angola está a fazer construindo esse caminho de ferro seria o mesmo como se RDC construi-se um pipeline de Kinshasa ao posto fronteiriço do Luvo, sem participação da Sonangol, para levar petróleo de angolano para às suas refinarias. A garantia que a Sonangol lhe enviaria petróleo por esse pipeline seriam nulas.
O estado português não acreditou que cobre seria enviado por Angola por isso não colocou um tostão no CFB não correu riscos.
Por que razão o estado angolano acredita que o cobre da RDC vai ser enviado pelo CFB e se endivida tanto?
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