A costa atlântica de Benguela nas localidades do Cuio, Vitula, Caota, Quioche, Damba-Maria, Praia-Bebé, Lobito-Velho e Hanha da Praia, outrora altar de vida marinha, tornou-se palco de pilhagem.
Texto: Sampaio Júnior / Fotos: Arquivo F&N
Essas águas, que durante gerações foram manancial autêntico, viram-se transformadas em cenário de saque.
Havia um tempo em que os barcos regressavam abarrotados de peixe, e cada chegada ao cais era celebração,
Hoje resta a memória, o eco de um passado farto, enquanto o presente se debate com a escassez e a indiferença.
As águas que embalavam tradições e sustentam famílias, hoje choram redes de arrasto que varrem tudo, do peixe grande ao mais pequeno, do cardume ao ninho, da esperança ao futuro.
Nos últimos tempos, até os armadores têm de se deslocar aos mares de Moçâmedes em busca de peixe, missão antes impensável a todos os títulos. A Baía Farta ficou para trás como memória viva do Atlântico em diálogo com a história de Benguela. Desde tempos imemoriais, os seus recursos marinhos sustentaram famílias inteiras, ergueram comunidades e moldaram culturas que aprenderam a viver ao ritmo das marés. Cada peixe puxado à rede não era apenas alimento, mas símbolo de dignidade, esforço colectivo e pertença.
E hoje? Onde anda essa economia real, que deveria pulsar nas águas da Baía Farta? Para quando o crescimento sólido e transparente das empresas de pesca locais?
As vozes das comunidades sussurram segredos incómodos, os mafiosos da pesca de arrasto, que tratam o mar como mina de ouro sem dono, continuam a devastar ecossistemas. Navios estrangeiros, sobretudo asiáticos, lançam artefactos destrutivos que não poupam viveiros nem estuários, apagando em poucas horas o que a natureza levou décadas a gerar. Até zonas outrora consideradas sagradas para a reprodução marinha como as próximas da base aérea da Catumbela e da Baía do Lobito perderam protecção assim que o poder que as guardava se retirou. O exemplo era o mais velho, Carlos Gomes, de feliz memória “pancadaria” como também era conhecido. O silêncio das autoridades transformou-se em convite à pilhagem.
O país, nesse cenário, parece uma nau sem leme. Políticas públicas sérias e regulamentações firmes são urgentes para travar a destruição dos ecossistemas marinhos. Afinal, a pesca não é apenas um sector económico, é o pão de cada dia de milhares de famílias, é a engrenagem de outras indústrias, como a de transformação e a náutica, é a herança cultural que dá identidade a toda uma região.
Mas por que razão não há uma intervenção enérgica capaz de deter este ciclo de destruição? Por que o mar é tratado como terra de ninguém, entregue ao saque, enquanto comunidades inteiras ficam à margem, sem defesa nem futuro?
Empresários do sector denunciam com desalento a lenta agonia da chamada economia azul. Relatos falam de cardumes juvenis dizimados, de poluição causada por embarcações obsoletas, de redes abandonadas que jazem como fantasmas no fundo do Atlântico. E tudo isso sob o “olhar silencioso de Lenine”, como se o país tivesse perdido não só a capacidade de agir, mas também a coragem de se indignar.
Não se trata apenas de economia. Trata-se de dignidade. Cada peixe roubado é um prato vazio. Cada rede criminosa é uma tradição perdida. Cada embarcação podre que polui o mar é também metáfora de um Estado à deriva.
A costa marítima de Benguela clama por protecção. Clama por justiça ambiental, por fiscalização séria, por políticas que devolvam ao mar o respeito que ele merece. Porque o oceano não é recurso infinito, é herança colectiva, é promessa de futuro, é o coração azul de Angola.
Desperdiçá-lo é crime não apenas contra a economia, mas contra a própria alma de um povo.



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