Agências humanitárias alertam que cortes no financiamento e violência jihadista incessante são a combinação perfeita para gerar insegurança alimentar na nigéria.
A Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que o norte da Nigéria enfrenta uma crise de fome sem precedentes.
Estima-se que mais de cinco milhões de crianças estejam a sofrer de desnutrição aguda, numa região que, ironicamente, é o coração agrícola do país.
Só no nordeste da Nigéria, que inclui o estado de Borno, por exemplo, mais de um milhão de pessoas passam fome. E segundo Margot van der Velden, directora regional para a África Ocidental do Programa Alimentar Mundial (PAM), cerca de 31 milhões de nigerianos precisam de ajuda urgente para sobreviver.
“Estamos a enfrentar uma situação crítica, justamente quando os fundos para a África Ocidental estão a diminuir”, acrescenta Margot van der Velden.
FINANCIAMENTO REDUZIDO- A falta de financiamento, depois do encerramento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) pela administração de Donald Trump, está a obrigar o encerramento de vários programas de ajuda.
O PAM já avisou: sem novos apoios, a distribuição de alimentos pode parar.
Para Dauda Muhammad, coordenador humanitário no nordeste da Nigéria, “a maior preocupação é como ajudar quase dois milhões de pessoas que estão sem comida no noroeste e noutros estados da Nigéria”.
Dauda argumenta que, somada à fome e à falta de empregos, a redução do financiamento agravaria a insegurança alimentar, o que pode reverter anos de esforços contra os grupos jihadistas.
“Sem ajuda urgente, corremos o risco de novos conflitos e de perder os progressos já conseguidos,” relata.
Samuel Malik, investigador da ONG sul-africana Good Governance Africa, considera que a crise é resultado da má governação e da insegurança prolongada.
“O que está a impulsionar a crise de forma mais persistente é o fracasso do Estado nigeriano em garantir a segurança e a governação básica das suas populações rurais,” critica.
NA LINHA DE FRENTE– A prova de como a precária situação de segurança na Nigéria influencia a crise alimentar pode ser encontrada em Gurnowa. Situada a cinco quilómetros da cidade de Monguno, no estado de Borno, que faz fronteira com Camarões, Níger e Chade, Gurnowa está abandonada há anos, na sequência de ataques jihadistas. Os residentes procuraram abrigo em campos improvisados em Monguno.
Monguno, 140 quilómetros a norte da capital regional Maiduguri, acolhe dezenas de milhares de pessoas deslocadas internamente, que fugiram das suas casas para escapar à violência — que, segundo a ONU, já matou mais de 40 mil pessoas e deslocou mais de dois milhões das suas casas nos últimos 16 anos. Vivem em acampamentos extensos sob protecção militar.
Muitos estão sem comida, sem trabalho e sem esperança. Musa Ibrahim, é um dos deslocados:
“Estamos numa situação difícil. Alguns dizem que é melhor juntar-se ao Boko Haram do que continuar a passar fome,” relata.
ENTRE A VIOLÊNCIA E A FOME- Enquanto os governos locais pedem que os deslocados voltem às suas terras para cultivar, as agências humanitárias alertam para o risco de novos ataques, e os jovens, sem emprego e sem apoio, continuam vulneráveis, observa Samuel Malik.
“Na ausência de segurança, as pessoas deslocadas não podem ou não querem regressar às suas terras agrícolas, ficando assim privadas do seu principal meio de subsistência. E, neste contexto, a fome não é apenas o subproduto da guerra, mas também da negligência sistémica,” pontua o investigador. Foram encontrados mais casos de jovens no Estado de Borno que dizem continuar sem emprego e com fome, apesar das alegadas promessas do Governo nigeriano de os recompensar por abandonarem os grupos jihadistas.
Cai Nebe| DW
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