Conjuntura

Cólera e Paludismo: O QUE SÃO E QUE IMPACTOS ECONÓMICOS NA ACTUALIDADE PANDÉMICA DE ANGOLA

Escrito por figurasnegocios

A saúde pública mundial enfrenta diversos desafios, entre eles doenças infecciosas que continuam a afectar milhões de pessoas, especialmente nos países em desenvolvimento. Dentre essas, a cólera e a malária (ou paludismo, como se diz em Angola) permanecem como ameaças significativas, causando mortes, sobrecarregando os sistemas de saúde e afectando negativamente as economias nacionais. Este pequeno ensaio tentará abordar o que são essas doenças, como elas se propagam, as estratégias de combate e seus efeitos na economia, com foco na situação actual de Angola, que enfrenta desafios simultâneos de cólera e paludismo.


 

Por: Eugénio Costa Almeida*

O que é a Cólera?

A cólera é uma doença infecciosa causada pela bactéria *Vibrio cholerae*. Ela é caracterizada principalmente por uma diarreia aguda severa, que pode levar à desidratação rápida e, se não tratada, à morte. A transmissão ocorre principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes de pessoas infectadas.

De uma maneira geral a cólera é transmitida principalmente por vias fecais-oral, o que significa que a ingestão de água ou alimentos contaminados é a principal via de contágio. Ambientes com saneamento básico precário, falta de água potável e condições de higiene inadequadas favorecem a propagação da doença. Outras formas de transmissão incluem o consumo de frutos do mar crus ou mal cozidos provenientes de áreas contaminadas.

Eventos como inundações, conflitos armados, migrações em massa e falhas no sistema de saneamento são factores que aumentam o risco de surtos de cólera. A doença tende a ocorrer em regiões com infra-estrutura sanitária deficiente, como muitas áreas rurais e periferias urbanas de países em desenvolvimento.

De uma maneira geral, o combate à cólera baseia-se em medidas de saneamento, acesso à água potável, higiene pessoal e vacinação. As acções específicas incluem, no essencial em:

– Melhorias do saneamento básico, através de bons sistemas de esgoto e abastecimento de água potável;

– Numa clara e bem vincada higiene pessoal, por via de lavagem frequente das mãos com água e sabão;

– Tratamento de água, seja por via de fervura como por uso de produtos químicos para desinfecção;

–  Vacinação plena, especialmente em áreas de alto risco;

– Conscientização da população e vigilância epidemiológica.

– Até uma plena vacinação, a alternativa é o uso de antibióticos ainda que só nos casos graves ou complicados;

– Reidratação oral é fundamental para o tratamento de desidratação;

O que é a Malária?

O paludismo, como dizemos em Angola, é uma doença parasitária causada por protozoários do género Plasmodium, transmitidos por mosquitos do género Anopheles. Ela representa uma das maiores ameaças à saúde global, especialmente na África, Ásia e América Latina.

A sua transmissão ocorre quando um mosquito Anopheles infectado pica uma pessoa, inoculando os parasitas na circulação sanguínea. Os parasitas se alojam no fígado, onde se multiplicam, e posteriormente invadem os glóbulos vermelhos, causando seus sintomas característicos.

Factores ambientais, como áreas de alta humidade, presença de corpos de água estagnada (cacimbas) e clima quente, favorecem a proliferação do mosquito vector. A urbanização sem planeamento adequado é igualmente à sua transmissão.

Há várias estratégias para o combate e controle do paludismo, como:

– O uso de redes mosquiteiras, de preferência, impregnadas com insecticida;

– Uso de um spray de insecticidas em paredes internas de residências;

– Controle do ambiente através da eliminação de criadouros de mosquitos (cacimbas e poças de água);

– Uso de medicamentos anti- palúdicos eficazes;

– Monotorização e vigilância epidemiológica por via da identificação de potenciais áreas de risco;

– A prevenção é fundamental, pois não há uma vacina universal contra o paludismo, ainda que já que, recentemente, tem ocorrido introdução de vacinas, como a RTS,S, para o controle palúdico.

 Efeitos na Economia – Naturalmente que estas duas doenças têm impactos económicos significativos, especialmente em países de baixo rendimento, onde a saúde pública é frágil.

A cólera pode causar custos elevados com tratamento médico, perda de produtividade devido à incapacitação e despesas relacionadas ao controle do surto. Além disso, surtos de cólera podem prejudicar outras actividades económicas como o turismo, desencorajar investimentos estrangeiros e comprometer o desenvolvimento económico de regiões afectadas.

Por sua vez, o impacto do paludismo, uma das principais causas de mortalidade infantil e de baixa produtividade, especialmente em áreas rurais, leva à redução da força de trabalho, aumenta os custos de saúde e limita o crescimento económico, estimando-se que cause perdas económicas de milhões de dólares por ano, devido a dias de trabalho perdidos, custos com tratamento e investimentos em controle. Além disso, o paludismo perpetua o ciclo de pobreza, pois as famílias gastam recursos significativos no tratamento e na prevenção, muitas vezes em detrimento de outras necessidades básicas.

De acordo com um inquérito do PNUD, de 2019/2020, citando um Relatório da OMS, 80% dos 207 milhões de casos estimados de paludismo em todo o mundo ocorreram em África, sendo que, 90% das 627.000 mortes estimados a nível mundial por paludismo registaram-se em África ((UNDP), s/d). O paludismo continua a ter um grave impacto socioeconómico nas nossas populações.

Situação Actual em Angola: Cólera e Paludismo  – Angola tem enfrentado desafios complexos no combate a doenças infecciosas, agravados pela pandemia de COVID-19. Desde 2018, que  país vinha registando alguns surtos de cólera, principalmente nas regiões de Luanda, Benguela e Huíla, onde as condições de saneamento básico ainda são precárias. Todavia, uma recente – desde 7 de Janeiro de 2025 – e rápida propagação da cólera na capital, Luanda, depressa se estendeu a quase todas as províncias, levando a OMS a declarar que o país vive «um momento crítico».

Segundo recentes – quase diários – dados do Ministério da Saúde de Angola (MINSA), a cólera, desde Janeiro e até inícios de Maio, já terá atingido mais de 19.600 casos – uma parte significativa, na província de Luanda, algo como 6.285 do total de infecções, – tendo provocado mais de 600 mortos,  que sobrecarrega os já debilitados sistemas de saúde. Restrições de mobilidade e alguma limitação de recursos dificultam acções de saneamento e vacinação em larga escala.

No que diz respeito ao paludismo, permanecemos como um país de alta endemicidade, . O paludismo representa uma das principais causas de morbidade e mortalidade, especialmente entre as crianças, ainda que, em 2023, o paludismo se tenha reduzido em cerca de 19% face a 2022. Em 2023 foram notificados mais de 10 milhões de casos, com uma redução significativa no número de óbitos: baixando de 12.480, em 2022, para 10.089, em 2023. O governo e organizações internacionais têm implementado programas de distribuição de redes mosquiteiras e tratamento gratuito, mas o clima, a urbanização acelerada ainda que com deficientes saneamentos e dificuldades logísticas dificultam o controle completo.

A combinação de surtos de cólera, alta endemicidade de paludismo aliados aos efeitos da pandemia de COVID-19 mantém um impacto directo na economia nacional. A redução da produtividade, o aumento dos gastos com saúde e a diminuição do turismo – ainda que este pareça estar a começar a voltar – e do comércio afectam o crescimento económico do país. Além disso, o sector de saúde enfrenta desafios de financiamento e infra-estrutura, que limitam a resposta às múltiplas crises sanitárias.

Conclusão – A cólera e o paludismo continuam a ser doenças que representam sérios obstáculos para o desenvolvimento social e económico, especialmente em países de baixo-médio rendimento como, por exemplo, no caso de Angola. Para os riscos de transmissão, muito compartilham factores de risco relacionados às condições de saneamento, ao acesso à água potável e a um bom controle ambiental.

O combate efectivo destas doenças requer acções coordenadas de governos, organizações internacionais e comunidades locais, com melhores acessos a tratamentos, vacinação e educação em saúde. A situação actual de Angola demonstra como crises de saúde podem se sobrepor, agravando os efeitos económicos e sociais.

O COVID-19 exacerbou esses desafios, demonstrando a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde, promover a integração de acções preventivas e de controle e investimento em infra-estrutura básica para garantir a resiliência das comunidades frente a futuras ameaças sanitárias.

Este panorama evidencia a urgência de acções globais e locais para erradicar estas doenças, melhorar as condições de saneamento, ampliar a cobertura vacinal e fortalecer os sistemas de saúde, garantindo assim a melhoria da qualidade de vida e o crescimento sustentável.


BIBLIOGRAFIA

Angola registou mais de 600 mortes por cólera e quase 20 mil casos desde janeiro; RTP online, 12 Maio 2025, 11:22; https://www.rtp.pt/noticias/mundo/angola-registou-mais-de-600-mortes-por-colera-e-quase-20-mil-casos-desde-janeiro_n1654142

Cólera atinge 18 das 22 províncias de Angola com casos confirmados na Lunda Norte; LUSA/SAPO.pt, 12 mai2025 16:23; https://www.sapo.pt/noticias/atualidade/colera-atinge-18-das-22-provincias-de-angola-_682214d7d3c5d82b2174831b

Ministério da Saúde de Angola (MINSA) (2025).  Relatórios de surtos de cólera e paludismo: http://www.minsa.gov.ao/.

Mortes por paludismo em Angola diminuíram 19% em 2023; Observador online, 25 abr. 2025, 00:16; https://observador.pt/2025/04/25/mortes-por-malaria-em-angola-diminuiram-19-em-2023/.

OMS e parceiros juntam-se a Angola para responder surto de cólera no país; ONU News, 13 Maio 2025; https://news.un.org/pt/story/2025/05/1848311.

Sasembele, Anastácio (2025). Paludismo continua a ser principal causa de morte em Angola; Vatican News, 06 janeiro 2025, 10:14; https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2025-01/malaria-continua-a-ser-principal-causa-de-morte-em-angola.html.

United Nations Development Programme (UNDP) (s/d). Impacto económico das doenças infecciosas em países em desenvolvimento; https://www.undp.org/?search=Impacto+econ%C3%B3mico+da+mal%C3%A1ria+e+da+c%C3%B3lera+em+pa%C3%ADses+em+%C3%81frica%2C+na+atualidade.

World Bank Group (2025a). Cólera e malária em África; htps://www.worldbank.org/en/search?q=mal%C3%A1ria%20e%20c%C3%B3lera%20em%20%C3%81frica.

World Bank Group (2025b). Impactos económicos em Angola; https://www.worldbank.org/en/search?q=Impacto%20econ%C3%B4mico%20da %20mal%C3%A1ria%20em%20Angola.

World Health Organization (WHO) (2024a). Cholera. WHO News, 5 December 2024; https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/cholera.

World Health Organization (WHO) (2024b). Malaria. WHO News, 11 December 2024; https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/malaria.

 *Pós-Doutorado; Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL), Investigador-Sénior Associado do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África (CEDESA/Angola Research Network) e Investigador-Associado do CINAMIL **

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e n ão às entidades a que estou agregado.

Sobre o autor

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