Cultura

Ana Clara Guerra Marques DEFENDE DINAMIZAÇÃO DA DANÇA PROFISSIONAL EM ANGOLA

Escrito por figurasnegocios

A pesquisadora e coreógrafa angolana Ana Clara Guerra Marques defendeu a dinamização da dança profissional em Angola por meio de um programa que propicie a formação e a troca de experiências entre as gerações, para o resgate dos valores de angolanidade.

A coreógrafa sublinhou ser fundamental ter uma forte aposta no Sistema de Formação e Educação Artística, por proporcionar maior profissionalização e permitir mais sensibilização da sociedade à importância dos espectáculos.

Actualmente, prosseguiu, as danças tradicionais angolanas estão a declinar por causa da mudança que os jovens fazem do meio rural para o urbano, cujo ambiente lhes propicia uma cultura diferente das suas origens.

A dança deve, por isso, ser olhada, pensada e perspectivada em vários pontos, como no ângulo profissional e patrimonial, insistiu.

“Hoje, as pessoas falam mais e fazem pouco, ou seja, há muita política de que devemos voltar aos nossos valores culturais, mas, na prática, não se faz sentir. Esta prática não se regista apenas nas novas gerações, mas também naqueles que têm o poder de governar. Por exemplo, actualmente, há pouco consumo da música da marimba, reco-reco, kisanji, e isso faz ‘morrer’ a tradição. No entanto, é preciso resguardar as nossas tradições e, ao mesmo tempo, deixar que as pessoas se desenvolvam, em função da modernidade, mas sem esquecer as nossas raízes”, reforça.

No entanto, a coreógrafa afirma que a juventude deve ser ensinada a manter-se longe de coisas horríveis, como é o caso das seitas religiosas que promovem obscurantismo, destacando ainda a propagação das danças cujos bailarinos se vestem de forma inadequada e, muitas vezes, revelam explicitamente o corpo. “Hoje, vemos muitas crianças ‘sexualizadas’ fazerem danças inocentemente, o que, na minha opinião, é muito mal”, disse.

Para Ana Clara Guerra Marques, é necessário a criação de um Subsistema para a Educação e Formação Artística na Lei de Base de Educação. “Temos o Subsistema de um Ensino Superior, Subsistema de um Ensino Especial, Subsistema de um Ensino de Base. Também devemos ter um Subsistema para o Ensino Artístico, que é transversal, porque o ensino artístico começa pelo ensino de base, ensino médio e ensino superior. Mas também devemos ter um Subsistema de Educação Artística, que é feita ao nível das coisas de cultura, dos estudos particulares e das escolas privadas, para propiciar o ensino profissional. Este ensino tem de ser feito em vários ramos, a fim de ampliar a dança moderna, como professor de dança folclórica, bailarino de dança folclórica, professor de dança clássica, bailarino de dança clássica, coreógrafo e muitos mais”, assevera.

Contudo, adianta, é fundamental olhar-se com ‘olhos’ de responsabilidade para a questão da formação, do ensino artístico e da divulgação ou da educação artística da sociedade.

Na sua óptica, a dança exerce um papel fulcral na sociedade, porque, através dela, se pode perceber a sociedade, podemos acompanhar a sociedade, podemos puxar a sociedade para as transformações, podemos alertar para o que se passa, ou seja, a dança é uma forma de contribuir para o desenvolvimento das pessoas.

“Estamos a precisar de apoios para ter patrocínios e novas instalações, pois a antiga já não nos pertence. Por outro lado, a dança é muito importante na educação das pessoas, na sensibilidade e na construção da inteligência. Por exemplo, quando uma pessoa vai assistir a uma peça de dança, vê um quadro que a auxilia a desenvolver o intelecto e a capacidade de raciocinar para conseguir perceber, uma vez que a arte é codificada. Só para acrescentar, a dança existe em vários planos, como, por exemplo, no plano recreativo, em que ela é realmente transversal, dança ou terapia, ou seja, a pessoa pode ser curada pela dança, sobretudo as questões do fórum psicológico”, adianta.

Para a fonte, pesquisar significa aprender, perceber o contexto das danças, procurar as suas raízes e os pioneiros dessa arte. Feito isso, o passo a seguir é comparar as danças do passado com as do presente, para ver em que aspectos se deve melhorar, visto que uma coisa é chegar ao campo e filmar e trazer uma cópia, outra é investigar.

Ana Clara Guerra Marques adianta que oSistema de Ensino em Angola não está bom, porque precisamos de professores que saibam dançar e que tenham aptidões. Um professor que faz um mau movimento pode lesionar uma criança, no início pode até não notar, mas, mais tarde, vai aparecer o problema.

“A dança não teve grande relevo na conquista da Independência Nacional, porque essa manifestação era promovida apenas naqueles centros de rebita, onde as pessoas iam para dançar. Naquela ocasião da dança social e de diversão, era transmitida a mensagem política, subversiva e independentista. E não foi através de peças de dança, mas através de algumas letras de músicas e peças de teatro. Por exemplo, os ‘Ngola Ritmos’ foram muito importantes no processo de consciencialização das pessoas, o que levou à Independência, ou seja, eram pessoas intelectuais angolanas, africanas, que viam que o sistema colonial estava errado e passavam a sua mensagem por meio das artes. Por isso, os intelectuais são muito importantes nas revoluções, aliás, não há nenhuma revolução nem transformação social que não tenha por trás intelectuais.

Sobre  o papel da CDCA, adianta que tem tido um papel social importante na denúncia, na crítica e no alerta. Nós já falámos sobre diversas coisas. Os temas da companhia normalmente têm a ver com alguma questão social ou com liberdade de expressão: a história da humanização, o facto de ser mulher e os machismos, as fobias, as homofobias.

Também já falámos sobre religiões e igrejas. Só para se ter noção, já fizemos uma peça em que o teatro estava todo cheio de lixo, da cabeça aos pés, ou seja, cada vez que há uma questão social, a CDCA está dentro dessa questão.


PERFIL

Ana Clara Guerra Marques é bailarina, coreógrafa e investigadora, tem vários artigos publicados em periódicos angolanos e revistas de especialidade estrangeiras.

Fala quatro línguas, nomeadamente francês, português, inglês e espanhol. Nos seus tempos livres, gosta de ler, regar plantas e ir à praia.

É autora dos livros ‘A Alquimia da Dança’, ‘A Companhia de Dança Contemporânea de Angola’, ‘Memória Viva da Cultura do Leste de Angola’, ‘Máscaras Cokwe: A Linguagem Coreográfica de MwanaPhwo e Cihongo’ e outros.

Trabalhou durante 37 anos no Ministério da Cultura angolano, onde foi directora e professora da Escola de Dança, bem como autora das primeiras acções para a fundação de um ensino profissional das artes no país.

Foi também membro das comissões instaladoras do Instituto Superior de Artes, dos Institutos Médios de Artes e da Comissão Interministerial para a Criação do Subsistema de Educação Artística em Angola, assim como consultora dos então vice-primeiro-ministro e ministra da Cultura.

Pioneira da dança contemporânea em Angola, fundou a primeira companhia profissional angolana, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, com a qual propõe novas formas e conceitos de espectáculo, dividindo a sua criação entre a intervenção, a crítica social e a extensão artística do seu trabalho de investigação sobre as danças patrimoniais angolanas, com incidência na cultura côkwe.

A implementação da dança inclusiva é outra das suas contribuições para uma diversificação do olhar sobre a dança em Angola.

Como reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento das artes e da cultura em Angola, foram-lhe atribuídos os seguintes prémios e diplomas: Prémio Nacional de Cultura e Artes (2006), Prémio Identidade (1995), Diploma de Honra (2006), Diploma de Mérito (2016), Diploma de Mérito (2023) e Diploma de Honra – Pilar da Dança (2011).

É membro individual do Conselho Internacional da Dança da UNESCO e do Centro em Rede de Investigação (CRIA), bem como professora convidada em diversas universidades fora de Angola.

 

Sobre o autor

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