Um esforço sem precedentes leva a medicina À compreensão profunda sobre como se dá o acúmulo de peso e fornece as armas para a adopção de uma política de tolerância zero à obesidade.
Texto Paula Félix *
Fotos Arquivo FN
O excesso de gordura é representado pela inventividade humana há mais de 38000 anos, como é possível ver pela corpulenta Vênus de Willendorf, a escultura encontrada em regiões geladas da Europa em 1908. Por séculos, indicou opulência, fertilidade e moldou padrões de beleza, principalmente o de mulheres. Demorou até que a ciência depositasse os olhos sobre o fenómeno e, mesmo assim, quando isso começou a ser feito, a partir do século XIX, não se chegou muito além da constatação de que se tratava de um mero depósito de energia.E assim foi até que o alarme disparou.
A escalada de mortes por doenças cardiovasculares, intimamente associadas à obesidade, e a explosão no total de obesos no mundo – 1 bilhão, segundo a Organização Mundial da Saúde -desencadearam um esforço internacional sem precedentes para aprofundar o conhecimento sobre o lipídio e desenhar estratégias mais eficazes para derrotar um dos maiores perigos à saúde pública e individual. A gordura, hoje se sabe, está também por trás de diversos tipos de câncer, inclusive o de mama, de enfermidades osteomusculares e mentais, como depressão e ansiedade. É uma bomba que precisa ser desarmada. Por isso, a ordem é tolerância zero.
A COMBINAÇÃO DE DISTÚRBIOS NO RELÓGIO BIOLÓGICO E O CONSUMO DE ALIMENTOS CALÓRICOS É CATASTRÓFICA. O RELÓGIO DE 24 HORAS QUE REGULA O NOSSO CORPO PROTEGE A NOSSA GORDURA SAUDÁVEL E PRECISAMOS MANTÊ-LOS EQUILIBRADOS AO MÁXIMO.
Os cientistas entendem que, para a recomendação ser bem-sucedida, é preciso em primeiro lugar, superar a velha máxima de que o acúmulo de gordura é solucionado comendo menos e gastando mais energia. É preciso mais do que isso. Graças ao salto nas pesquisas dos últimos anos, compreende-se que a obesidade é resultado de uma teia de factores na qual sobressaem-se predisposições genéticas, ambiente familiar, condições económicas, sociais e emocionais e um sistema metabólico que deve operar sob a mais fina harmonia.
O desafio está em vasculhar cada um desses aspectos, procurando as formas de interferir para que o jogo vire definitivamente a nosso favor. Alguns dos caminhos eram até que conhecidos, mas ganharam outras dimensões. É o caso da prática de exercícios. Associada à alimentação saudável, ela compõe a base da cartilha do emagrecimento .Contudo, novíssimas evidências mostram que os benefícios ocorrem mesmo que os ponteiros da balança não se alterem.
Em Marco, pesquisadores americanos e canadenses publicaram um estudo no periódico The Journal of Physiology apontando que, em obesos, doze semanas de treinamento de intensidade moderada ou de treinamento intervalado de alta intensidade – este último mais conhecido no Brasil – reduzem os processos inflamatórios e o tamanho das células adiposas, onde a gordura é armazenada.
São dois impactos importantíssimos. O primeiro: a inflamação derivada da obesidade está na origem do diabetes, outra enorme ameaça à saúde, e da ocorrência do infarto, evento que mais mata no mundo. Portanto, quanto menos intensa, melhor. Em relação ao tamanho das células de gordura, há risco de extravasamento do conteúdo para a corrente sanguínea quando elas são volumosas e estão cheias. Se isso acontece ,a gordura se aloja em órgãos como o coração e o fígado.
Outro mecanismo que emerge com força é a relação dos exercícios com a chamada gordura marron. Descoberta em 1960, ela foi logo chamada de “órgão termogênico “ por sua capacidade de gerar calor a partir da queima de outro tipo de gordura, a branca, justamente a que se deposita no corpo. Por quase cinquenta anos, acreditou-se que estivesse presente somente em bebés com a função de mantê-los aquecidos, uma vez que os pequenos não conseguem tremer e, portanto, esquentar-se a si próprio. Em 2009, contudo, veio a comprovação de que ela estava presente em três pontos: abaixo da clavícula, no pescoço e na coluna vertebral.
O nó estava em como activá-la, transformando-a em instrumento para queima da gordura ruim. Expor-se a temperaturas amenas, entre 18 e 19 graus, é um jeito, mas algo um pouco mais complicado de fazer no dia-a-dia. É aqui que entram, novamente, os exercícios físicos. O recente mergulho nos processos envolvendo a gordura marrom trouxe a constatação de que a prática tem papel decisivo nessa activação. Uma das formas pelas quais isso acontece é a produção, promovida pelos treinos,do hormónio irisina, capaz de accionar a entrada em acção da gordura do bem.
Com investigações acontecendo em todo o mundo, surgem também mais alternativas potencialmente interessantes. Entre elas, a inosina ,molécula que, em cobaia, conseguiu a proeza de converter a gordura branca em marron. A mais nova investigação sobre o seu poder foi feita na Universidade de Bona, na Alemanha, conduzida por Alexander Pfeifer. ”Precisamos, desesperadamente, de medicamentos para normalizar o balanço energético em pacientes obesos”, afirma o cientista.
Como toda empreitada científica, que sempre traz no bojo descobertas tão fabulosas quanto inusitadas, o esforço feito nesse momento contra a gordura desvela aspectos surpreendentes associando o peso a factores até então improváveis. Seria difícil imaginar, por exemplo, que quilos em excesso estariam também vinculados ao ritmo do relógio biológico e à qualidade da macrobiótica intestinal, o conjunto de microrganismos que habitam o sistema digestivo.Mas é exactamente isso que está sendo demonstrado.
O relógio biológico, ou ritmo circadiano , é o ciclo que regula as funções do organismo num período de 24 horas. Ele é essencial para diversas operações, mas só recentemente soube-se de maneira mais detalhada da sua importância para o controle de peso. “O relógio biológico é vital para orquestrar o metabolismo”, diz Maria Edna de Melo, da Sociedade Brazileira de Endocrinologia e Metabologia.
Em dois estudos publicados neste ano, cientistas da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos, sugeriram que qualquer perturbação nesse ritmo aumenta o crescimento de células que armazenam gordura. O resultado se espelha nos obtidos em Junho do ano passado por um grupo da Universidade do Texas, em Houston. Na ocasião, os pesquisadores verificaram que a combinação de distúrbios no relógio biológico e o consumo de alimentos calóricos é catastrófica. “O relógio de 24 horas que regula o nosso corpo protege a nossa gordura saudável e precisamos mantê-los equilibrados ao máximo “, afirma Alexei Ribas-Latre, autor do estudo. As pesquisas sobre a relação entre a gordura e as bactérias do trato intestinal são mais incipientes.
Contudo, trazem também boas ideias para o enfrentamento mais abrangente da questão.Uma das coisas que já se sabe é que esse “caldo” de microorganismos no trato digestivo pode ajudar ou atrapalhar na perda de peso dependendo da sua composição. Vem daí a necessidade de manter essa população em equilíbrio por meio de boa alimentação: yogurtes e kefir são boas opções. Assim, pouco a pouco, sobe a chance de vitória da estratégia de concessão nenhuma à obesidade.
(in revista Veja-Brasil)
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